Índice de Capítulo

    A batalha no céu estava intensa. As nuvens oscilavam e vibravam com as ondas de luz e escuridão que cortavam os ares.

     Anjos reluzentes  de glória brandiam suas Espadas do Perdão; e asas brancas e douradas pingavam sangue.

    Seus adversários tinham corpos apodrecidos e usavam armas feitas de ossos reforçados com alquimia: lanças, espadas, foices. Cortavam, rasgavam e dilacervam.

    Cobertos de terra e chorume, e vermes lhes comiam a pouca carne que ainda lhes restava.

    Era um Exército de Putrefatos. Aqueles que foram Rejeitados pela Sepultura, reerguidos pelo poder da Morte e da Besta que Subiu do Mar.

    Ataques mágicos cruzavam o campo de batalha, num jogo de luz e sombra.

    E foi nesse cenário caótico que Raziel ergueu Renato, segurando-o pelo pescoço.

    Estava nu, pois instantes antes, estava num momento íntimo com Tâmara.

    — Não tínhamos ciência das razões de Peste escolher este lugar, mas agora meus olhos se abriram. As abominações se atraem realmente. Morrerás gritando!

    — Dá pra… — Renato engasgou com a mão do anjo pressionando sua traquéia. — pelo menos me deixar… vestir uma roupa antes? Tá meio frio aqui.

    Pela primeira vez, o rosto do anjo demonstrou alguma emoção: algo entre a confusão e a indignação.

    Aqueles olhos sem cor encararam Renato, vasculhando-o até a alma, tentando decifrá-lo.

    Não era típico para um anjo sentir dúvida, por isso ele não a identificou de início. Mas como esse garoto poderia ser tão insolente?

    O anjo preparou um golpe. Um simples soco bastaria. Seu punho atravessaria o peito de Renato e esmagaria seu coração.

    O garoto até tentou reagir, mas estava sem forças por causa da bala de ouro hiperdecaído alojada em seu ombro.

    Porém, antes que Raziel conseguisse desferir seu golpe, algo o deteve.

    Um míssil colidiu contra seu rosto e explodiu numa bola de fogo. O impacto foi forte o bastante para desestabilizá-lo, e ele soltou Renato, que começou a cair, girando no ar.

    Tâmara alcançou o garoto e o agarrou em pleno ar. Ela estava usando a roupa tecnológica, voando com os propulsores embaixo dos pés.

    O anjo se voltou contra eles com fúria. A face, iluminada, em parte por causa do fogo do míssil, em parte por causa de seu próprio resplendor.

    Tâmara manobrou no ar, mudando a direção, tentando fugir, mas Raziel a estava alcançando.

    Ele cairia sobre ela feito tempestade.

    Então, a garota puxou a pistola da cintura. Ela sabia que uma arma normal não funcionaria contra o anjo, mas aquela não era uma arma normal. E a munição era de preparação própria. As mesmas que usou contra Renato. Banhadas em ouro hiperdecaído; drenavam toda a energia sobrenatural, ao passo que o Midazolam no interior das cápsulas botavam o alvo para dormir.

    Porém, ela percebeu da pior forma que isso não era o suficiente contra um arcanjo do calibre de Raziel.

    Quando mirou a arma contra ele e puxou o gatilho, a bala bateu contra o rosto reluzente e ricocheteou na pele impenetrável sem ferí-la.

    A garota foi pega de surpresa.

    A Espada Flamejante iria cortá-la.

    Ela bloqueou, colocando um dos braços na frente.

    A lâmina dourada cortou o aço de sua armadura sem dificuldades e abriu um corte em seu braço, derramando sangue.

    Ela gemeu de dor e, sem querer, soltou Renato, que começou a cair.

    — Não! — disse ela, e tentou alcançá-lo.

    Mas o segundo golpe do anjo a atingiu em cheio, e ela girou no ar, sem controle, enquanto caía feito um meteoro em direção ao chão.

    Raziel bateu suas asas e alcançou Renato. Pegou-o em pleno ar.

    Seus olhos sem cor fitaram o garoto.

    — Arrancarei a vossa cabeça!

    O garoto meteu sua mão dentro do próprio ferimento no ombro. Enfiou os dedos e começou a remexer dentro da carne. O sangue quente e viscoso vazou, escorrendo sobre seu peito. O rosto dele se revirou numa careta de dor.

    Até o anjo achou aquilo esquisito, e finalmente demonstrou alguma reação: franziu o cenho, num misto de nojo e incredulidade.

    — Que vós sois apenas animais eu já sabia, porém que és nojento…

    — Cala a boca! — gritou Renato, interrompendo-o, e deu um tapa na boca do anjo.

    Raziel franziu o cenho mais uma vez.

    Alguma coisa tinha descido por sua garganta. Era sólida, como uma pequena pedra ou talvez o projétil de uma bala de revólver.

    As asas de Raziel falharam. De repente, o garoto em suas mãos começou a ficar pesado.

    O anjo não sabia o nome ainda, mas aquela sensação na cabeça, atrás dos olhos, era dor.

    Sentiu tontura.

    E finalmente os dois começaram a cair.

    Renato se pôs sobre ele, com os joelhos pressionando o peito do anjo. O vento passava rapidamente por eles.

    Renato começou a desferir socos no rosto do anjo. Os golpes estavam carregados com muita raiva.

    — Você não é… — e golpeava — tão durão… — mais socos — sem seus poderes, não é?!

    O anjo ficou sem reação.

    Demorou para entender o que tinha acontecido.

    Quando finalmente percebeu, enfiou os dedos dentro da boca para tentar forçar o vômito, mas Renato não deixou, e continuou dando murros intermináveis em sua boca.

    Até que finalmente bateram contra o chão de terra batida. Abriram uma pequena cratera no meio da rua.

    Renato continuou batendo.

    — Por que não me deixam em paz? Por que não me deixam…

    — Porque tu és pecador! Tu és…

    — E que pecado eu cometi, caralho? O que eu fiz de tão ruim assim contra o céu? Contra todos vocês? Por que não me deixam em paz? Qual foi o meu pecado?! Existir?!

    Renato ficou um tempo apenas olhando para o anjo debaixo de seu corpo.

    A respiração estava pesada, ofegante.

    Pela primeira vez, o anjo estava machucado. Seu lábio sangrava e tinha um corte na sobrancelha.

    — Sim — respondeu Raziel. — Vosso pecado é existir.

    Tamara se aproximou. Ela tinha um corte no braço, que sangrava, e um mais superficial que descia do ombro até o abdome.

    — Vamos matar esse puto! — disse ela.

    Renato balançou a cabeça.

    — Se a gente matar ele, os anjos lá em cima vão perceber.

    Mesmo ferido, Raziel direcionou para Renato um olhar orgulhoso.

    — Não tens saída. Se me matares, o miasma de minha morte empesteará o ar, e um exército sem fim de anjos se abaterá sobre vós, e a fúria do Ophanim os destruirá; mas se não me matares, eu mesmo os matarei. Apertarei vossas traquéias em minhas mãos e as esmagarei entre meus dedos.

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