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    — Então, já que vamos morrer de qualquer forma, por que não o matamos de uma vez? — retrucou Tâmara. — Se vamos perder, que não sejamos os únicos, não é mesmo?

    O anjo direcionou para ela um olhar inexpressivo. A estava analisando, avaliando aquela alma corrompida.

    Renato também estava pensando. Não concordava com a solução drástica de sua companheira sociopata, mas sabia que não podiam simplesmente deixar o anjo ir. Precisavam tomar uma decisão… e rápido.

    Porém, algo aconteceu.

    Tiros.

    Os disparos atingiram Tâmara. Faíscas cintilaram quando as balas colidiram contra a armadura. Ela, instintivamente, protegeu o rosto e a cabeça, enquanto se moveu para o lado, procurando algum local com o qual pudesse se proteger.

    — Morre, vadia desgraçada! — gritava Irina, enquanto puxava o gatilho de suas duas pistolas. Tomada pelo ódio, estava alucinada, com o olhar verdadeiramente maníaco.

    Renato a segurou.

    — Irina! Calma! Para com isso!

    — Rê! Renato! Irmão! Você está vivo! — ela gritou, com as lágrimas explodindo de seus olhos, e pulou sobre ele, o abraçando.

    — Ah, é… eu tô vivo sim… — respondeu, com uma gota de constrangimento.

    — Mas eu vi! Eu vi aquela… aquela filha da puta atirando em você! Eu vi!

    — Ah, então foi isso… Olha, eu tô bem. Tá vendo?

    — Mas eu vi… você caiu e…

    — Eu não disse que isso acontece o tempo todo? — Clara os interrompeu, dando de ombros.

    — Mesmo assim… — disse Jéssica. — Tâmara precisa pagar. Não pode ficar impune.

    — Eu concordo — falou Lírica. — Ela precisa morrer pelo bem do Renato. Uma garota tão impulsiva e imprevisível assim é um perigo. Não sabemos o que mais ela poderia fazer.

    — Calma, pessoal. Não é para tanto também. — O garoto tentava apaziguar a situação. — Além do mais, temos algo mais importante para resolver agora.

    — Eu percebi — disse Clara, direcionando para o anjo um olhar de desprezo. — Você capturou um anjinho. Raziel… se não estou enganada. Um dos patifes lá do Paraíso.

    Irina finalmente se soltou de seu irmão, meio a contragosto.

    Ela olhou para Tâmara.

    A garota dos olhos âmbares lhe lançou uma piscadela travessa.

    O dedo de Irina roçou numa de suas pistolas. Ela respirou fundo. Primeiro, precisava ajudar o irmão a resolver o problema. Depois, ela se acertaria com Tâmara.

    Mical pôs a mão sobre o ferimento no ombro do garoto, e este foi curado milagrosamente.

    — Obrigado, Mica.

    Ela apenas respondeu com um sorriso amoroso.

    A atenção de todos foi tomada quando Tâmara atingiu um soco na boca de Raziel.

    — Que foi? Ele estava tentando forçar o vômito! — se explicou ela.

    — Clara — falou Renato —, a situação é…

    — Eu já entendi. Vocês não podem matá-lo, ou a trupezinha celestial percebe e cai matando na gente com espadas de fogo e tudo o mais. Também não dá pra simplesmente deixar ele aí, ou ele vai vir atrás de nós. E Raziel é um filho da puta, mas é forte de um jeito absurdo. Detesto admitir, mas nem eu poderia vencê-lo. E tem mais uma questão para ser considerada: se a gente ficar tempo demais aqui discutindo as possibilidades, os anjos lá em cima também vão notar. Até aposto que alguns já notaram, e só não desceram porque estão muito ocupados com sei lá o quê. E detesto admitir mais uma vez, mas não poderíamos vencer tudo aquilo. Seríamos exterminados. E ainda tem o lance do Ophanim. Retiro o que eu disse. Não seríamos apenas exterminados. Seríamos desintegrados. Reduzidos a moléculas.

    — Ah, certo! — disse Irina. — Agora sim eu tô tranquila!

    — Eu gargalharia se pudesse — disse Raziel. — Vós todos estais… qual é mesmo o vocábulo?… Fodidos. Deus queira que eu consiga rir quando vê-los engasgando no próprio sangue!

    Mical caminhou até ele e se abaixou, ficando de cócoras. O observou por um tempo.

    — Sabe…  Eu costumava pensar que os anjos eram seres de luz. Seres do bem.

    — Mical… — Jéssica se aproximou, mas não a interrompeu.

    A irmã menor continuou:

    — Mas eu vi muita maldade nos anjos. Por que você é tão mal? Por que diz coisas tão horríveis? Por que age assim?

    — Mal? Vós sois o mal! Vós que se assentam à mesa com demônios! Vosso namorado é o Condutor de Arimã e levará destruição ao mundo! Deus não tolerará mais tais abominações!

    — Sabe como eu sei que você tá errado? Porque eu amo o Renato. Amo ele demais. É um amor tão puro, tão grande, que só poderia ser coisa de Deus. É o presente que Ele me deu pra mostrar que nunca me abandonou e nem vai. Te pergunto, anjo, como poderia Deus estar contra o amor?

    — Blasfêmia! O que sentes não é…

    — É sim! Você que não sente nada, não é?! — Pela primeira vez Mical levantou a voz. — Nem rir você consegue! É uma criatura vazia. E como todos os seres vazios, você apela para a fé cega e para o extremismo na esperança de sentir alguma coisa, mas mesmo assim não consegue. Eu sinto pena de você.

    — Certo, chega da sessão de terapia — disse Clara. — Precisamos mesmo dar um jeito no…

    — Acho que eu posso dar um jeito nisso. — Essa foi uma voz masculina, grave, como a dita do fundo de uma caverna. Era a voz de Belfegor.

    — Aliás… — ele lançou uma piscadela para Mical. — Gostei do que disse.

    Ele trazia um cigarro preso nos lábios, o qual o pegou entre os dedos e pôs numa árvore próxima. Aspirou, expelindo uma fumaça púrpura.

    — Os outros anjos não vão perceber nada. Pelo menos não enquanto aquele cigarro estiver queimando.

    Clara franziu o cenho.

    — Belfegor? Então você também estava…

    — Vigiando o Renato? Mas é claro. Eu cuido muito bem dos meus investimentos, você sabe.

    Ela olhou para o cigarro queimando.

    — Sálvia Roxa?

    Belfegor deu de ombros.

    — Sim.

    — Elas não foram extintas no grande dilúvio?

    — Ah, ficaria surpresa, Clarinha, o que alguns fragmentos de DNA e muita engenharia genética é capaz de fazer!

    — Blasfêmia! — rosnou Raziel. — O que Deus destruiu, não pode ser reconstruído!

    Belfegor se aproximou dele. Seu caminhar era lento e tranquilo, mas também um tanto excêntrico. Parecia cheio de deboche.

    — Oh, Horácio, existe mais coisa entre o céu e a terra do que sonha sua cega e vã fé em Deus!

    — Então você estava vigiando esse tempo todo? — inquiriu Irina. — Por acaso você viu quando ele foi baleado por aquela vadia?!

    Tâmara deu de ombros e sorriu. O que mais poderia fazer?

    — Sim, ué — respondeu Belfegor. — É claro. Eu vejo tudo.

    — E não passou pela sua cabeça tentar… sei lá… proteger ele, caralho?

    Belfegor franziu o cenho, como se tivesse ouvido algum absurdo extremamente ignorante.

    — Não. Por que eu faria isso? A Tâmara não mataria o Renato. Todo mundo sabe disso.

    — Até mesmo eu pude constatar que a garota em questão não mataria vosso Renato  — disse Raziel.

    — E como eu ia saber, caralho? Eu vi ela atirando nele! E olha a cara de psicopata dessa desgraçada!

    — Em minha defesa — disse Tâmara, com uma cordialidade estranha para ela —, minhas intenções não eram tão ruins.

    — Verdade — concordou Renato.

    — As intenções não eram ruins? — Irina achou o sarcasmo de Tâmara uma coisa absurda. — Ah, olha só, as intenções dela não eram ruins! E quais seriam, por acaso?! O que vocês ficaram fazendo?

    — O cheiro dela tá por todo o corpo do Renato — disse Clara, com um ar sombrio. — E o cheiro do Renato está impregnado nela. E ambos estão exalando o aroma de sexo.

    — O quê?! — Por um momento, Irina pensou ter ouvido errado.

    — Aí meu Deus! — Jéssica levou a mão à testa, indignada. — Eu não acredito numa coisa dessas!

    — O Renato…? — falou Mical. — Ele ficou com a Tâmara? Então ele é mesmo um… um safado…?

    Tâmara deu de ombros e sorriu.

    — Não sei o porquê do choque. Todo mundo sabe que eu sou a amante oficial do Renato.

    — “Amante” e “oficial” são palavras que não combinam juntas, se você quer saber?! — retrucou Irina.

    — Oh, gente! — Belfegor chamou a atenção de todos. — Acho que estamos perdendo o foco aqui! Não é por que eu escondi nossa presença dos outros anjos, que estamos seguros. O alado aqui já tentou vomitar umas três vezes enquanto vocês tinham uma DR. Tá doidinho pra cuspir o ouro hiperdecaido.

    — Em algum momento, vossas atenções estarão distraídas. Mais cedo ou mais tarde eu matarei um por um! — disse o anjo.

    — Certo, Belfegor — disse Clara. — E o que sugere? Poderemos matá-lo sob a proteção da Sálvia Roxa?

    — Não. Mas eu tenho uma ideia.

    — E qual seria?

    — Vou levar o alado comigo, e vou guardar ele num lugar todo especial junto de alguns outros amiguinhos. — Ele olhou diretamente nos olhos dela e abriu um sorriso. — O que acha?

    Clara assentiu.

    — Eu gostei da ideia.

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