Capítulo 172: Depois do Eclipse
— Acho que já acabou — disse Clara, olhando para o céu através de sua janela. O eclipse lunar também já tinha terminado e, em seu lugar, havia uma lua exuberante com uma coroa de luz em volta.
— A batalha dos anjos contra aquelas… coisas… sejam lá o que forem… acabou.
Estavam de volta no prédio.
— A bússola do meu celular também já voltou ao normal — disse Mical, assentindo.
— Aquelas coisas… são os Rejeitados pela Sepultura — disse Renato. — Eu ouvi falarem deles na reunião. São o exército particular dos cavaleiros. Aposto que a Morte os trouxe de volta à vida para lutarem por eles.
Clara assentiu.
— O nome é bom. Combina! É épico! — Ela tinha um certo tom irônico na voz. — Só não sei o que estavam fazendo aqui. O Monte de Har Megido, o Vale dos Condenados… Tantos lugares no mundo para uma luta bíblica épica! Mas justo aqui?! Por quê?
Ela segurava uma taça de vinho. Olhou um tempo para um ponto vazio, absorta em pensamentos, e bebeu um gole.
Depois olhou para Renato. O Condutor de Arimã… Não tinha algo sobre ele ser um tipo de imã para poderes celestiais? Um vórtice não natural para coisas bizarras. Talvez o rumor fosse verdade.
Renato poderia estar atraindo essas bizarrices da mesma forma que o sol atrai os planetas de sua órbita.
— Estão aqui porque Peste também está — respondeu o garoto. — Eu ouvi Raziel dizer isso.
A Súcubo aquiesceu.
— Faz sentido.
— Peraí! Como assim “faz sentido”?! — retrucou Irina. — Nada disso tá fazendo sentido pra mim!
— Peste tá aqui por causa do Renato — respondeu Lírica.
Jéssica fez uma careta de desgosto.
— Já que eles o querem, estão se mantendo próximos, para o caso de Renato resolver se juntar a eles.
— O Renato deixa os seres sobrenaturais confusos — complementou Lírica. — O cheiro dele é estranho. É como se não tivesse aura. Ele é um ponto fora da curva. Uma semente de dúvida. Por isso todos querem se manter perto dele. É assim comigo. Com os demônios. Com os cavaleiros não é diferente.
— Ótimo! — respondeu o garoto. — Mais um desastre pra minha conta! Mais um e eu peço música no Fantástico!
Nessa hora, o celular de Mical vibrou. Era uma mensagem de Hiro no TalksApp que dizia:
“Eu tô aqui no hospital pra visitar a Thais. Lembra dela? Vou levar um livro novo pra ela. Ela vai adorar O Pequeno Príncipe tanto quanto adorou O Hobbit! Quer vir comigo? Eu te espero. Ela vai ficar feliz em te ver, tenho certeza.”
“Desculpe. Agora não posso. Eu vou com você outra hora” foi a resposta de Mical.
“Tudo bem. Não deixa o Renato se meter em mais problemas. Ele é meio esquisito, mas é gente boa.”
— E quando vamos falar daquilo? — inquiriu Irina.
— Daquilo o quê?
— Ora, Rê! Não se faça de bobo! Daquilo! Da resposta que você vai dar para eles!
— O Renato não vai aceitar! É óbvio! — retrucou Jéssica.
— Ele não faria isso — concordou Mical. — Se juntar aos cavaleiros seria… desastroso.
Clara sorriu de maneira contida, um sorriso malicioso no canto da boca.
— Eu não teria tanta certeza. É mesmo uma proposta tentadora!
— Não me importo com o que ele escolher — disse Lírica. — Estarei do lado dele de qualquer forma. Se o Renato quiser salvar o mundo ou destruí-lo, estarei ao lado dele!
— Eu me importo sim! — retrucou Jéssica. — Ele não se aliaria àqueles monstros! Ele é melhor do que isso!
Irina engoliu em seco.
— Acho que precisamos considerar as possibilidades.
— Que possibilidades? Se aliar ao mal?
— Não seria a primeira vez — respondeu Clara, com um sorriso sedutor, e bebeu de seu vinho Sangue del Diablo. — O mal tem sempre algo bom a oferecer.
— Isso é diferente! É impensável! É o pior tipo de egoísmo!
— Não percebe, Jés? Os entes queridos do Renato que Morte prometeu ressuscitar, também são os entes queridos dela. Ela tá sofrendo. Não deveria ser tão maldosa. Deveríamos confortá-la.
— Mical! Ela tá cogitando se aliar aos cavaleiros! Não dá pra…
— Irina… — Renato acariciou o rosto de sua irmã. — Eu também sinto falta deles.
— Se sente mesmo, pelo menos considere! Por favor! A imagem daquelas crianças no caixão não sai da minha cabeça, Rê! Não sai! Eu não consigo nem dormir direito! Aquilo me assombra! E a culpa tá me consumindo!
— Culpa? Você não tem culpa de nada!
— Tenho sim! É claro que tenho! Se eu tivesse ficado aqui, poderia ter protegido eles! Eu poderia…
— Não, Irina… não se torture desse jeito. A culpa não é sua.
— Isso não te assombra? Nem um pouco? Não te dá pesadelos nem um pouquinho?
— É claro que assombra! Eu também não esqueço o que vi! Eu vi o orfanato, Irina. Eu vi o que a Kath fez. Não pense nem por um momento que eu esqueceria daquilo! O cheiro do sangue ainda tá impregnado nas minhas narinas! Eu não consigo esquecer!
— Então você me entende! — Ela o abraçou e o apertou contra seu peito. — Sabe como eu me sinto! Por isso, você precisa entender! Pelo menos precisamos pensar a respeito. Desfazer a injustiça que aquela psicopata fez!
— Irina…
— Droga! — praguejou Jéssica, frustrada consigo mesma, e se levantou de seu assento. Seus olhos estavam lacrimejados. Ela caminhou até Irina. — Desculpe por não perceber. Eu sei como isso machuca. Mas por favor, precisa entender…
— Quem precisa entender é você! Você nunca perdeu ninguém, não é? Não sabe como é a sensação! Não entende esse peso no peito!
— Eu perdi sim! — retrucou Jéssica. — Eu perdi minha família. Perdi meus amigos. Perdi meu lar. Acho até que… perdi a fé que eu tinha em Deus. Então não pense nem por um minuto que eu não sei como é a sensação! Eu sei muito bem como ela é! E não tem nem um minuto sequer da minha vida que eu não pense em tudo isso! Você não é a única que tem pesadelos! Todo mundo aqui nessa sala tem! Mas só porque te machucaram, não significa que você pode machucar os outros para tentar se curar!
Irina baixou a cabeça.
— Droga! — Sua voz saiu chorosa. — Eu sei, mas…
— É. Eu sei. — Jéssica tocou em seu ombro e olhou em seus olhos. — Não é justo.
— Não. Não é nem um pouco justo — disse Irina, com a voz embargada na garganta e o pranto quase escapando por seus olhos. — Por que eu tenho que ser a única fazendo o certo quando todo mundo parece fazer o errado?!
— Mas você não tá sozinha — respondeu Jéssica. — Estamos com você; ao seu lado. Seu irmão está.
— Tô sentindo cheiro de queimado. — Lírica interrompeu a conversa das duas.
— Queimado? — Clara puxou o ar, farejando. — Não sinto cheiro de nada.
— Não é aqui — respondeu a demi-humana.
— Então onde?
— Alguma coisa aconteceu.
— Usou erva de gato? — Clara ergueu uma sobrancelha.
— Liga a tevê!
— Mas agora? Isso não é momento para…
— Liga! Alguma coisa aconteceu…
— Certo! Certo!
Na televisão, uma reportagem mostrava uma cena de destruição: destroços, fogo, fumaça.
Havia muitos feridos e vários corpos espalhados pelo chão. Pessoas desesperadas caminhavam desorientadas entre os carros do SAMU, bombeiros e polícia.
Uma repórter dava as notícias:
— O Hospital Metropolitano explodiu! As autoridades estão dizendo que pode ter sido um ataque terrorista. No mínimo, centenas de vidas foram ceifadas! Uma perda irreparável! Até o momento, nenhum sobrevivente foi encontrado.
Aquela notícia era tão absurda que todos ficaram horrorizados diante das imagens.
Mas Mical foi atravessada por uma sensação de desespero que agarrou seu coração e o apertou. Um arrepio mórbido gelou sua espinha.
— O Hiro! Ele estava no hospital!
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.