Capítulo 173: O hospital destruído
No hospital, a cena era de catástrofe.
Os escombros caídos, com alguns focos de chamas que ainda ardiam em alguns pontos e lambiam o concreto e o aço retorcido; mesmo com todos os esforços dos bombeiros que, bravamente, os combatiam.
Parecia que quanto mais água jogavam para apagá-lo, mais o fogo queimava!
Dividiam o espaço com a polícia e o Esquadrão Anti-bombas, que ainda vasculhava a região.
A fumaça e a poeira estavam tão intensas que tornavam o ar numa coloração cinza escuro, e cinzas caiam como neve enegrecida.
Enxergar era tarefa difícil; respirar, quase impossível, por isso todos usavam máscaras.
Num canto, lateralmente, estavam os vários corpos queimados e mutilados, que repousavam no chão, cobertos por lençóis.
A rua inteira estava fechada, bloqueada pelo exército.
Carros de polícia, da Força Tática, Bope e Rotam rodavam as ruas nas redondezas, procurando qualquer coisa suspeita.
Qualquer um que fosse visto na rua seria levado preso e interrogado. Talvez, até mesmo torturado. Todos estavam no limite!
Ambulâncias rasgavam o asfalto, desesperadas para salvar ao menos uma vida. Não carregavam ninguém do hospital. Ali, não foi encontrado sobrevivente algum, e se fosse, os próprios bombeiros fariam o resgate.
As ambulâncias levavam as vítimas que, durante a explosão, estavam próximas o bastante para se ferir, mas ainda distantes o suficiente para sobreviverem. Pessoas atingidas pelos destroços, ou mesmo feridas durante a confusão e desespero, pisoteadas.
Renato viu a nuvem de poeira e fumaça de longe.
Em suas costas, asas negras se moviam. Eram como projeções de sombras.
Carregava Mical em seus braços; e Irina estava grudada nele, abraçada como se ele fosse um dakimakura.
Clara voava ao seu lado, movendo graciosamente as asas negras e vermelhas como se fosse uma coruja.
Ela carregava Jéssica e Lírica, cada uma de um lado de seu corpo, se agarrando a ela.
Assim que ficaram bem acima do hospital, pararam no ar, flutuando, e olhando para baixo.
Jéssica tossiu, com aquela fumaça amarga lhe arranhando a garganta, e ela cobriu o nariz usando a gola da camiseta.
Mical e Irina se agarraram ainda mais em Renato, e afundaram o rosto na pele dele, evitando respirar aquele odor de fumaça, e tudo o que sentiram foi o aroma proveniente do garoto.
Clara juntou as mãos e apertou-as uma contra a outra. Fechou os olhos e começou a cantarolar uma canção de melodia bonita e sombria.
Abriu os olhos ao mesmo tempo em que separou as mãos; e um círculo mágico brilhou no ar.
A súcubo deixou que um sopro fraco e suave escapasse por seus lábios.
Então sussurrou:
— Durmam!
E todos os bombeiros e policiais começaram a cair, um por um.
Não estavam mortos. Apenas sucumbiram a um sono devastador que os engoliu.
Era uma versão “de destruição em massa” do feitiço que botou Lírica pra dormir quando ela saiu do Inferno.
Pousaram no chão, próximo das ruínas do hospital em pedaços.
Jéssica tossiu mais uma vez por causa da fumaça.
— O cheiro aqui tá horrível!
Mical deu uma boa olhada em volta.
Viu uma viatura próxima. Se aproximou e pôs a mão na maçaneta, tentando abri-la.
— Esse ar tóxico faz mal pra minha beleza! — disse Clara, com uma careta de nojo.
Irina tossiu, encolheu os ombros e levou a mão ao peito.
Foi quando Mical voltou trazendo algumas máscaras.
Clara pegou uma; olhou para a menina com um sorriso elegante.
— Roubou isso? — A súcubo tinha até certo orgulho na voz.
— Sim… b-bem… não! É só emprestado! Eu vou devolver… — Ela mordiscou o lábio, apreensiva.
— Você tá crescendo, Mical! Depois, vou te dar um presente como símbolo do meu reconhecimento.
Já com a máscara no rosto, Renato abriu as asas e veio até o local onde os corpos estavam depositados. Eram de variadas idades: crianças, adultos e idosos. Homens, mulheres.
As roupas estavam parcialmente destruídas, mas ainda era possível distinguir os uniformes. Médicos, enfermeiros e demais funcionários. Também havia aqueles com roupas comuns; talvez pacientes e visitantes. E alguns com pijamas brancos, típicos de pacientes internados.
Renato sentiu um aperto no peito. Tanta destruição! Quantas vidas perdidas!
Mas o pior era ver as crianças.
Ver aquilo trouxe lembranças desagradáveis. Flashes e lampejos do orfanato, do sangue, da dor…
A mão de Jéssica tocou seu ombro.
— Você está bem? — perguntou ela.
— Estou sim — respondeu Renato. — Preciso ver um por um… preciso saber se o Hiro…
— Esse seu amigo… foi ele quem protegeu a gente aquele dia, não foi? No dia que o Andrei invadiu.
— Sim. Ele se machucou todo. Eu pedi pra ele proteger vocês então…. O Hiro é esse tipo de pessoa. É leal. É protetor. Sempre que eu precisei dele, ele estava lá por mim. Foi meu único amigo durante muito tempo.
— Eu vou ajudar a procurar também. Mas espero que não o encontremos aqui!
— Eu também, Jés! Eu também.
Mical olhou o celular para ver se Hiro tinha respondido alguma de suas mensagens. Até o momento, não.
Ela ligou mais uma vez, e foi a décima ligação do dia que chamou até cair.
— Hiro… cadê você… ? — Mical estava apreensiva. Preocupada. Se segurando para não chorar. Ela mesma esteve nesse hospital dias antes, junto de Hiro, para visitar uma garota com câncer.
— Thais…
Era uma menina corajosa, que ao invés de se lamentar, procurava viver cada segundo que ainda lhe restava da maneira mais alegre possível. Adorava ler e viajar por mundos fantásticos.
Mical olhou em volta. A destruição. Cadeiras de rodas e macas jaziam retorcidas entre os escombros.
Tanta esperança reduzida a cinzas!
Para ela, que quando criança sonhava em ser médica, e que foi abençoada por Azazel com o poder da cura, ver algo assim era como um pesadelo materializado na vida real.
Irina e Clara tinham se juntado às buscas, para vasculhar os corpos junto de Renato, mas Mical não conseguiu.
Muitas vezes ela se forçava a ser forte e aguentar as situações, por mais adversas que elas sejam, mas ainda assim, sentia seus nervos tremerem diante da maldade genuína tal qual a que se apresentava diante dela.
Suas pernas tremiam. Seus olhos se enchiam d’água; e isso fazia ela se sentir uma boba, fraca, covarde. Por isso, tentava ser o mais corajosa possível. Mas aquilo ali era um limite que ela não conseguia ultrapassar.
— Eu senti o cheiro dele! — disse Lírica. — Consegui sentí-lo!
Ao ouvir a fala da demi-humana, um arrepio mórbido atravessou o corpo de Renato.
Dentro dele, um pequeno fio de esperança implorava para encontrarem Hiro vivo, mas nem ele tinha tanta fé assim.
Lírica os conduziu por sobre os escombros. Pisou sobre pedaços de concreto e paredes destruídas, sobre o chão esfarelado e pedras quentes como fogo.
Parou diante de uma parede tombada.
— Está aí — disse ela. — Clara, você me ajuda a…
A súcubo já estava se aproximando para, junto de Lírica, erguerem a parede, mas Renato as interrompeu.
— Não precisa — disse ele. — Deixa que eu faço. Eu consigo.
Ele se abaixou, enfiou os dedos por debaixo da parede e começou a erguê-la.
Era pesada.
Ele cerrou os dentes; enrugou a testa.
Suas pernas tremiam enquanto ele se levantava, puxando a parede consigo.
Gritou, um pouco pela dor do esforço; muito pelo desespero que abocanhava seu coração.
E finalmente ergueu a parede completamente, e num impulso, a jogou para longe.
E lá embaixo, caído entre as pedras, ferido, com os olhos fechados, estava Hiro.
Ao lado dele tinha uma garota usando o roupão branco de pacientes internados.
— Thais… — disse Mical, com um pesar na voz.
Ambos mortos.
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