Índice de Capítulo

    Angélica pousou na borda daquela enorme cratera e, em seguida, recolheu as asas brancas e douradas.

    Graciosa como uma princesa seria. Angelical, de tal modo que sua beleza e fofura serviriam de blasfêmia contra os céus.

    Estava no alto do Monte Krakat, o vulcão infernal que servia de entrada para as Prisões Subterrâneas de Enxofre.

    Logo atrás dela, Renato e Clara também pousaram.

    O garoto já conseguia controlar suas asas de sombras com facilidade. Angélica gostava das asas dele. Achava que eram esteticamente agradáveis, e pensava que combinavam com seus Fios de Escuridão.

    Acima deles, os demônios da Legião dos Atormentadores voavam feito abelhas protegendo uma colmeia.

    Cinzas pingavam do alto como chuvisco; mas o cheiro… Lírica estivera certa… era a pior parte!

    Syrach finalmente pousou próximo a eles para recepcioná-los.

    Sua pele era negra; não o negro de trevas quase infinitas tão comum no inferno, mas o negro melânico da pele de um homem.

    Seus olhos eram da cor da gema do ovo, tal qual suas asas. Combinavam com a atmosfera de fogo e enxofre.

    Também usava uma armadura toda preta e polida, e carregava uma espada, que rapidamente embainhou na cintura.

    Fez uma mesura respeitosa para Angélica, baixando a cabeça de maneira submissa.

    Atrás dele, a cratera cuspiu uma labareda, que se ergueu, e a lava borbulhou violentamente.

    — Segunda Princesa! — disse ele. — A que devo a honra?

    — Syrach! Há quanto tempo? — Angélica falou com tal formalidade que até pareceu mesmo alguém da realeza.

    — Duzentos anos, suponho. E alguns meses.

    — Você estava contando? — Angélica pareceu chocada.

    — Mas é claro. É sempre uma alegria quando as filhas de Lúcifer vêm aos meus aposentos. Não entendo a razão, mas você, Segunda Princesa, é a mais relutante em vir. Sua irmã, Baalat, visita-me com frequência. Por isso me regozijo tanto com sua presença!

    — Sei bem porquê ela te visita… — Angélica fez uma careta de nojo. — Mas estamos aqui por outras razões.  Ouvi dizer que você mantém um demônio como prisioneiro.

    — Mantenho alguns poucos demônios como prisioneiros. Como sabe, minhas prisões são feitas para almas humanas em Corpos Renascidos de Miséria. Mas, sabe como é… A gente faz o que pode. De vez em quando, prendemos demônios também.

    — Quero ver Hoopoe, a discípula de Phenex.

    Syrach assentiu. Em seguida, seus olhos fitaram Renato.

    — Vejo que traz consigo um ser humano. E vivo! Que coisa… inusitada.

    — Sim! Este é Renato! Meu bichi… — Ahém! — limpou a garganta — bom… ele tá comigo!

    — Entendo — respondeu. — Por favor, sigam-me.

    Syrach apontou para a lagoa de fogo na cratera, e desenhou no ar um símbolo mágico. Um tipo de runa dentro de um círculo.

    Então o magma começou a se agitar, e labaredas se ergueram, como se protestassem, e o mar de magma foi dividido em dois, como o mar vermelho de Moisés.

    — Meio dramático, não? — Renato cochichou para Clara.

    Ela riu e deu de ombros.

    — Não sei porque, mas demônios adoram essas coisas! Poderia muito bem ser um elevador. Você aperta um botão e, tcharam! Está descendo para o subterrâneo. Mas não… eles preferem o lance do fogo e do enxofre mesmo. Parece até que a magia fica mais forte com a dramaticidade!

    Syrach direcionou para eles um olhar desaprovador, mas não disse nada.

    Desceram por degraus de basalto negro, onde cristais coloridos se projetavam em alguns pontos. Também havia a poeira de pedra pomes que se movia com a brisa quente.

    A iluminação era proveniente de tochas presas às paredes. A escuridão estava sempre em volta, pronta para retomar o lugar roubado pela luz.

    Volta e meia, Renato ouvia o som de algo pingando.

    E mesmo ali embaixo, cinzas continuavam caindo. 

    Eram tantos degraus que Renato achou que desceriam até o centro da Terra… ou do Inferno. Parecia até que nunca chegariam ao fim, mas chegaram.

    E, no fim dos degraus havia um corredor imenso.

    E, nas laterais do corredor, celas de prisão esculpidas na rocha vulcânica.

    Syrach os guiou pelos corredores que se ramificavam infinitamente e se aprofundavam no chão.

    As celas estavam cheias de prisioneiros. A maioria era humano. Pessoas com olhares tristes, sem esperança, sujos e machucados. Alguns presos por ganchos e correntes. Outros queimavam em sua cela que, milagrosamente, tinha fogo que crescia da rocha e não se apagava.

    — Já estive em um lugar parecido… — murmurou Renato.

    Clara lançou para ele um olhar piedoso, mas Syrach e Angélica pareceram confusos.

    Nas celas também havia criaturas: orcs, monstros que Renato nunca tinha visto e até reptilianos. Ele se lembrou do filho de Kazov e da promessa que fez a ele.

    — Abigor… não me esqueci…

    —  O humano é dado a murmúrios sem sentido — observou Syrach.

    Finalmente chegaram à cela de Hoopoe. Correntes se projetavam do teto e se prendiam a seus pulsos; e também se projetavam do chão, agarrando-se aos calcanhares. Ela estava completamente imóvel.

    Presa de tal modo que as correntes a mantiam no ar, e ela não podia sequer tocar o chão com os pés. Era como um inseto preso à teia de aranha.

    Seu olhar estava sem vida, e o corpo estava coberto de ferimentos.

    — Hoopoe… — Angélica deixou o choque escapar pelos lábios.

    A garota aprisionada ergueu os olhos.

    — P-princesa… — gemeu.

    Angélica engoliu em seco.

    — Precisamos de sua ajuda — finalmente disse, relutante.

    — Então façam um favor para mim também, por favor…

    — Como ousa tentar barganhar com a Segunda Princesa? — esbravejou Syrach.

    Mas Angélica acenou para ele se acalmar, então disse:

    — Syrach, solte-a. Quero falar com ela.

    O demônio hesitou. Pareceu em dúvida.

    — Desculpe. Não posso.

    — O quê?! Como assim não pode? Solte-a logo! É uma ordem!

    — Desculpe, princesa. Hoopoe está presa por ordens do próprio Lúcifer. Não posso soltá-la mesmo que você me peça.

    Irritada, Angélica fechou os olhos e respirou fundo.

    Em seguida, se voltou para Hoopoe.

    — Não tenho autoridade para soltá-la — disse, com a voz levemente embargada.

    Mesmo com dores por todo o corpo, Hoopoe se permitiu um sorriso.

    — Você é uma boa princesa. Mas não é isso que eu ia pedir.

    — Então o que quer?

    — Eu não consegui sepultar o Reitor Phenex. O corpo dele caiu próximo ao Rio das Lágrimas. Quero que o enterrem com todas as honras necessárias. Não deixe faltar nada, nem mesmo uma única palavra de despedida.

    Syrach rosnou.

    — Ainda acho que você não deveria permitir que um demônio como ela tente barganhar com você, Segunda Princesa! Você não deve pedir! Deve exigir!

    Angélica, no entanto, mal ouviu as palavras do carcereiro. Ela sentiu um aperto dolorido no peito 

    Apenas assentiu.

    — Certo. Combinado.

    Hoopoe sorriu.

    — Que bom. No que posso ser útil?

    Renato tomou a frente.

    — Você é a discípula de Phenex! Ele era o demônio do conhecimento, não era?

    — De fato, ele tinha o conhecimento sobre tudo. Era sua magia inata.

    — Você deve ter aprendido algo com ele!

    — De certo modo.

    — O que sabe sobre O Reflexo da Verdade?

    — Reflexo da Verdade? Não me recordo de nada com esse nome.

    — Por favor, pense bem! Tem a ver com os Cavaleiros do Apocalipse e com as bestas.

    Hoopoe pensou por um tempo.

    —  Na Masmorra das Luzes tem um livro chamado Códice Escatológico. Fica na prateleira número 66, sexto degrau. Se essa informação que vocês  procuram existe, ela está lá.

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