Índice de Capítulo

    Usando um Mapa de Sortilégios, Clara e Renato chegaram na entrada da Masmorra das Luzes.

    Angélica não estava com eles. A Segunda Princesa tinha uma promessa para cumprir em outro local.

    Clara olhou em volta. A entrada da Masmorra se movia de tempos em tempos, mudando de localização, então a paisagem estava diferente da última vez em que a visitaram. 

    Longe da Floresta Perdida e do Cemitério Infinito. Agora, o que viam eram os penhascos de pedra maciça, que sumiam no horizonte sem fim.  O chão era alaranjado e duro. Não havia nada de vivo em volta.

    O vento soprava forte, uivando nos penhascos, lambendo as gigantescas fendas na terra.

    E havia aquela muralha enorme que se erguia do chão e desaparecia para além das nuvens vermelhas. Clara admirou a muralha por um tempo. Cruzá-la era proibido para qualquer demônio, a menos que tivesse uma autorização expressa de Hades, afinal, ali estava a fronteira entre o Inferno Demoníaco e o Reino dos Mortos de Hades. Muralhas como essa dividiam o submundo em diversos reinos.

    No chão, cravado na superfície daquele planalto, estava a porta metálica do alçapão, onde podia-se ler a inscrição:  “A Grande Masmorra das Luzes, em honra a seu conquistador Lúcifer, o Portador da Luz, o Grande Rei dos Demônios”

    Após destrancá-lo com um círculo mágico traçado com os dedos, Clara finalmente o abriu, e os dois puderam entrar.

    Mergulharam através do túnel que descia reto até as profundezas mais escuras.

    Depois de vários minutos, chegaram na câmara que era iluminada por cristais de luz, e no centro havia a figura de um guerreiro demoníaco com uma espada numa mão e um livro na outra.

    Escolheram um dos túneis que se afundavam na parede em abóbada e voaram para dentro dele.

    O caminho para a biblioteca não era fácil. Era como se embrenhar num labirinto, mas Clara conhecia bem o caminho, afinal, passou parte de sua juventude nesses túneis.

    E, enfim, chegaram. Havia tantas prateleiras de livros, que parecia não ter fim. Cristais de luz flutuavam como vagalumes gigantes.

    A recepção, onde Hoopoe deveria estar, se encontrava vazia.

    Phenex não surgiria, dessa vez, num círculo de fogo.

    Clara suspirou.

    — Finalmente chegamos, Renato. Agora é com você. Quanto tempo acha que vai demorar?

    — Não sei. Talvez horas. Talvez o dia todo.

    — Só de te ouvir já fiquei cansada. Vou dar uma volta para ver se encontro alguma coisa interessante para fazer nesta área do Inferno. Sabe como me contatar!

    O garoto aquiesceu.

    — Tudo bem. Se eu precisar, te chamo.

    E desse modo, Clara abriu suas asas de súcubo e voou pelo caminho de volta.

    Renato encarou aquelas prateleiras de livros da mesma forma que encararia um monstro… ou seu quarto bagunçado.

    — Por onde começar… ?

    Ele foi até a prateleira número 66. Abriu as asas negras e espectrais para alcançar o sexto degrau.

    Encontrou o códice ao lado de um pergaminho. Era grande e pesado, por volta dos três quilos. 

    A capa era de couro de algum animal. Até havia resquícios de pelos. 

    E, escrito numa tonalidade vermelha, estava o título: Códice Escatológico.

    Ele pegou o livro e o levou até uma das grandes e requintadas mesas de leitura.

    Sentou-se confortavelmente numa cadeira e abriu o livro.

    Logo percebeu que ele era dividido em várias seções, onde cada uma delas falava de maneira ostensiva e abundante sobre as várias maneiras que poderiam desencadear um apocalipse.

    Passou por páginas sobre o ragbarök nórdico, e sobre a luta cósmica do deus Rá contra a serpente Apófis. Ficou curioso com o capítulo que discorria sobre uma possível invasão alienígena; e mais curioso ainda com o capítulo sobre zumbis.

    Mas não tinha tempo sobrando. Foi direto para a seção que tratava sobre “O Apocalipse na mitologia cristã”, e procurou o capítulo sobre os Cavaleiros do Apocalipse.

    Havia pouquíssimas informações. A maioria, ele já sabia.

    Mas algumas novidades interessantes lhe ocorreram.

    Soltou um:

    — Puta merda! — Quando descobriu que tanto os cavaleiros quanto as bestas já tinham sido humanos.

    E um palavrão ainda pior quando leu sobre a parte em que eles venderam suas almas ao diabo.

    Mas, em algum momento eles se rebelaram contra Satã. Ninguém nunca soube a razão e nem como conseguiram.

    Eles se tornaram uma ameaça para toda a Criação. E numa coalizão nunca antes vista, onde deuses dos mais diversos panteões lutaram ao lado de demônios e anjos, para conseguirem vencerem e os lançarem ao gehenna.

    Foi a única solução encontrada, porque não importava o quanto tentassem, eles não morriam. Eram imortais no sentido mais amplo da palavra.

    Não havia nenhuma arma conhecida capaz de matá-los. Dentro de seus casulos de realidade, onde emulavam a criação dos deuses, eram imbatíveis. Mas havia uma hipótese curiosa: se alguém pudesse copiar tal realidade distorcida, ou vibrar na mesma frequência que ela, talvez pudesse se igualar a eles, mesmo que por um instante. Uma hipótese que nunca pôde ser testada.

    A maioria dos naz-raîm, os mais poderosos demônios de todos os tempos, morreram tentando.

    — Raziel está convencido de que o Ophanim pode matar Peste… — murmurou Renato. — Talvez esteja enganado.

    Isso seria a pior rota possível! O anjo sacrificaria milhões de pessoas em vão.

    Continuou lendo.

    Arregalou os olhos quando viu ‘O reflexo da verdade” escrito numa página, porém, logo em seguida havia um ponto de interrogação e a descrição: um demônio ouviu A Besta que Subiu do Mar falar esta frase. Não conseguimos descobrir o que significa realmente.

    E o capítulo que discorria a respeito dos cavaleiros terminou.

    A frustração atingiu Renato em cheio.

    — Droga! Merda!

    Ele socou a mesa, e a madeira maciça estalou e rachou.

    O garoto suspirou, tentando se acalmar.

    Não era o suficiente. Ele precisava saber mais.

    Se tem uma coisa que ele aprendeu com Abigor, é que numa guerra, informação também era uma arma. Era poder. E ele precisava de toda a informação possível!

    Era como estar num beco sem saída. Ou em uma…

    — … encruzilhada…

    Encarou todos os outros livros na esperança de algum deles poder lhe dar mais informação.

    Levaria milhares de vidas humanas para ler tudo, e talvez ainda faltasse tempo.

    Mas algo aconteceu.

    Primeiro, ouviu um uivo distante.

    Na segunda vez, o uivo pareceu mais perto.

    Latidos de cães reverberaram por toda a biblioteca, vindos de todos os lados. Era como estar cercado por uma matilha invisível.

    Os cristais de luz se apagaram, e tochas, que ele nem tinha percebido a presença, se acenderam.

    Tochas presas às paredes, lançando luzes alaranjadas e tremeluzentes.

    Sua sombra oscilava, projetada em várias direções.

    Ouviu um sopro suave no ouvido. Seu coração bateu mais forte. Houve sussurros sibilantes soprando palavras incompreensíveis.

    E um livro caiu do alto de uma prateleira, aberto numa página aleatória.

    Renato se aproximou do livro e leu o conteúdo da página: O vinho dos mortos.


    Clara tinha voado até às mais extravagantes alturas porque queria expiar o outro lado da muralha.

    E ficou um tempo ali, escondida entre as nuvens, apenas observando, enquanto o vento agitava seus cabelos.

    Pôde ver Sísifo empurrando aquela enorme pedra de mármore rumo ao cume da montanha mais alta do Submundo. Cada passada que dava era sofrida, doída, mas ele não parava. Se conseguisse chegar ao topo com a pedra, estaria finalmente livre.

    Mas quando se aproximou demais, a pedra simplesmente ficou mais pesada do que ele podia aguentar e rolou contra ele.

    Sísifo tentou segurá-la, mas como em todas as outras centenas de milhares de vezes, não conseguiu. E a pedra o arrastou para baixo, até que ele não conseguiu mais segurá-la, e o mármore simplesmente rolou de volta até o pé da montanha, erguendo um rastro de poeira.

    Clara viu o olhar de desesperança de Sísifo. Viu a tristeza e o arrependimento.

    Mas também viu Sísifo voltar a caminhar para buscar a pedra de volta, confiante que dessa vez conseguiria.

    A súcubo se permitiu um sorriso discreto, um tanto cínico.

    — Parece até a gente.

    Então a voz de Renato soou em sua cabeça:

    — Clara! Já sei o que preciso fazer!

    Palavras do autor:
    Opa! salve!
    Essa semana, além do capítulo de sábado, vou publicar mais um, na quarta-feira. Minha intenção é aumentar a frequência de capítulos, mas não é tarefa fácil, então vou fazer o possível.
    No mais, espero que estejam curtindo a história tanto quanto eu estou curtindo escrevê-la. Não esqueçam de deixar suas impressões em comentários.

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