Capítulo 188: Necrose
Determinado a chegar até Mical, Renato começou a diminuir a distância entre eles, atravessando o campo de batalha.
Os Rejeitados pela Sepultura eram um obstáculo que Renato lidava com sua espada e sua fúria.
Cada golpe de sua lâmina reduzia um soldado Putrefato em pedaços. Mas eles não paravam de chegar. E Peste, à distância, continuava disparando suas flechas.
O garoto desviava ou as bloqueava, conforme avançava.
Um Rejeitado se pôs na sua frente. Segurava uma longa alabarda óssea, a qual moveu num golpe diagonal, mirando o pescoço do garoto.
Mas Renato estava sem paciência.
— Sai da minha frente! — berrou ele, e atingiu um único tapa na criatura, cuja força fez o crânio descolar do pescoço e sair rolando pelo campo de batalha, como se fosse uma bola de rugby.
Tâmara e Belfegor lhe davam cobertura, protegendo seus flancos à distância. A garota, como sempre, carregava um arsenal consigo. Segurava um fuzil e sua mira era certeira. E, dos braços de sua armadura, ela projetava um escudo de energia que bloqueava qualquer golpe. Estava ao lado de Mical.
Como única curandeira, Mical deveria ser protegida.
Renato finalmente as alcançou.
— Por que?! Não deveriam ter vindo! É perigoso!
— De nada! — retrucou Tâmara, enquanto fuzilava um Putrefato que chegou perto demais.
Ossos voavam para todos os lados.
— Precisam voltar para aquele tanque!
— Se estivermos longe demais, não posso te curar! — retrucou Mical.
— Se não se importam — berrou Abigor, do alto, quase do outro lado do campo de batalha —, temos uma guerra para vencer! — O laser de sua lança vaporizava os cadáveres andantes. Ele se movia com velocidade tamanha que era até difícil acompanhar com os olhos, e não deixava nenhum Putrefato chegar perto demais. Matava quantos podia. As asas abertas, triunfantes, os ossos explodindo em sua volta.
Ele gargalhava de euforia a cada novo inimigo abatido.
Era de fato o demônio da guerra!
Aquele era seu ambiente natural.
— Mical… você não tá bem… — disse Renato, com preocupação.
Nessa hora, Tâmara usou seu escudo de energia para bloquear uma flecha de Peste que acertaria as costas do garoto.
— O Pacto… eu tô lutando contra ele. Estou aqui… desobedecendo sua ordem… — gemeu ela, com dor.
— Não é por nada não — berrou Tâmara, com a voz sendo cortada pelo barulho dos tiros —, mas se você não autorizar a presença dela, ela vai continuar sofrendo e pode até morrer!
Essa informação bateu fundo em Renato. Mical estava sofrendo e era culpa dele. Ela estava ali para ajudá-lo. Sua tentativa desesperada de protegê-la acabou se convertendo em mais sofrimento para a menina.
— Mical. Tem minha autorização para ficar. Pode lutar ao meu lado!
A garota suspirou aliviada, como alguém que estava segurando o ar por muito tempo, e até sua fisionomia mudou. Foi como se um peso de toneladas fosse tirado de seus ombros delicados.
Ela se ergueu. Os olhos verdes estavam lacrimejados, não de tristeza, mas de alegria por ver seu amado ainda vivo.
— Tem algum ferimento? Posso te curar agora mesmo!
— Eu tô bem, Mical! Agora volte para o tanque! Não tem ninguém melhor do que você para controlar aquele canhão!
Mical assentiu.
— Certo! Vamos acabar com eles!
— Pode ser ou tá difícil?! — reclamou Abigor, mais uma vez. — Vão ficar tagarelando por quanto tempo?
— O ouro hiperdecaído… — disse Tâmara, para Renato.
— Parece que não funcionou. É a primeira vez que vejo algo assim. Vamos ter que descobrir outro jeito de matar esse desgraçado! Mas agora leve Mical de volta para o tanque!
— Sim!
Tâmara agarrou Mical e ambas voaram de volta para o tanque. Tiveram que matar os Putrefatos que estavam tentando entrar no veículo. Tâmara não errou um tiro, e Mical fez sua bazuca mágica aparecer.
Renato e Belfegor voaram juntos em direção ao cavaleiro da Peste.
— Se matarmos o rei… — grunhiu Renato.
— … os peões caem! — completou Belfegor.
— Vamos, Mical! — gritou Tâmara, no alto do tanque, posicionada nas metralhadoras acopladas. — Precisamos ficar perto dele pra você conseguir curar o Renato sempre que ele precisar!
E o tanque começou a se mover, seguindo na mesma direção que o garoto.
O canhão disparou. A força foi tamanha, que todo o veículo blindado se moveu um pouco para trás, e a parte da frente levantou um pouco, como um cavalo empinando.
O projétil atravessou o campo de batalha. Tinha um alvo: Peste.
Mas o cavaleiro segurou o míssil com a mão, antes que pudesse ser atingido.
Ele sorriu.
— Vou devolver o presente.
Ele jogou o míssil de volta.
Antes, porém, que atingisse o tanque, Abigor surgiu e, balançando sua lança à laser, como se ela fosse um sabre de luz, partiu o míssil em dois, em pleno ar.
A explosão ofuscou seus olhos, mas ele bateu as asas negras e voltou para a luta. Ele parecia até mesmo… alegre.
Renato e Belfegor avançaram juntos contra Peste, num ataque em pinça, cada um num flanco.
Usando as unhas, o cavaleiro rebateu a lâmina de Renato, e se moveu para o lado, saindo da formação em pinça.
Belfegor tentou atingi-lo com a espada de cristal, mas a lâmina dele também foi bloqueada pelas unhas do cavaleiro. Na sequência, num contra-golpe, Peste cravou as unhas no estômago do demônio, afundando até as falanges dos dedos.
— Necrose — sussurrou Peste.
E Belfegor despencou em direção ao chão, com sua carne apodrecendo como a de um cadáver.
Renato mais uma vez tentou ferir o cavaleiro, mas sua lâmina não o alcançava, e as unhas de Peste também se cravaram no estômago dele.
O frio se espalhou por seu corpo. Por um momento, suas forças sumiram.
— Necrose!
E vermes brotaram em sua carne, que também apodrecia.
Mas o cavaleiro não o soltou. Olhou dentro de seus olhos. Renato também encarou aqueles olhos amarelados de icterícia. Uma mosca repousava em seu cílio e lambia sua córnea.
— Estou curioso, Renato. Como superou minha flecha de depressão?
O garoto não respondeu, apenas gemeu de dor, enquanto os dedos de Peste se moviam dentro de sua carne necrosada.
O cavaleiro continuou:
— Um ataque do tipo controle mental como aquele, forte o suficiente para funcionar até mesmo dentro da barreira do Reflexo da Verdade… E você conseguiu? Nem mesmo o poder de Arimã em você poderia fazer algo assim. Acredite em mim. Eu sei. Eu conheço bem o poder de Arimã.
— Depressão? — Renato abriu um sorriso, que mais parecia uma careta de ódio. — Já venci ela há muito tempo!
E, reunindo toda a energia que tinha, atacou com um soco.
Um golpe poderoso, carregado com fúria e a raiva mais pura que alguém poderia sentir.
E Peste gemeu de dor, enquanto o impacto jogava ele para trás.
Nas alturas, a quase 80 quilômetros do solo, em direção às estrelas, um exército aguardava.
Incontáveis fileiras celestiais, de anjos dos mais diversos tipos, armados com Espadas do Perdão, brilhantes como fogo.
O frio era intenso, chegando a -90 graus. Por isso, cristais de gelo minúsculos flutuavam na escuridão.
O gelo e os raios ultravioleta, que nessa camada atmosférica, chegavam com mais intensidade, faziam os anjos parecerem ainda mais reluzentes. Eram imponentes.
E, à frente desse exército, estava Raziel, mirando seus olhos de água para a Terra.
— A barreira foi, finalmente, rompida — disse ele para as tropas celestiais. A voz saiu baixa, mas não importa. Eles podiam ouvi-lo. — Vamos, meus irmãos! Façam história!

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