Capítulo 190: Guerra entre Anjos
— Conseguimos — disse Renato, ao ver o corpo decapitado de Peste no chão.
A voz do garoto saiu baixa, quase um sussurro. Estava cansado, recuperando o fôlego.
Os milhares de Rejeitados pela Sepultura tinham parado de lutar e apenas ficaram estáticos, congelados feito estátua.
Ainda de pé, mas a vida tinha lhes deixado, aparentemente.
— Não vos enganeis — respondeu Raziel. — Não somos aliados. Apenas…
— Sim, sim, eu sei! — O garoto deu de ombros, sem paciência para ouvir as palavras arcaicas e solenes do anjo. — Não somos aliados e blá blá blá… Só dá pra esperar um pouco mais antes de voltar a tentar me matar? Queria terminar o dia com essa sensação de vitória. E, pra falar a verdade, tô cansado pra caraca!
Raziel franziu o cenho, algo raro para ele. Talvez estivesse aprendendo gestos humanos.
— É justo o vosso pedido.
— Mas vem cá… por que você fala assim, hein?
— Assim?
— É.
— Não compreendo. Eu falo a vossa língua. Uma variação do latim vulgar nomeada de português no século 13.
— É, mas fala de um jeito… meio bíblico.
— Arcaico?
— É.
Raziel pareceu em dúvida. Uma coisa ainda mais rara para ele.
— Foi a época em que eu…
Mas a fala do anjo foi interrompida. Uma gargalhada sombria e seca ecoou. Era lenta e parecia meio forçada, e não o tipo de risada de alguém que realmente estivesse se divertindo.
Olharam para o alto, na direção da risada.
E das alturas, caiu o Cavaleiro da Guerra.
Assim que seus pés tocaram o chão, o concreto arrebentou, abrindo uma pequena cratera.
Ele trajava sua armadura avermelhada como cobre e a longa espada nas costas.
— Olha só para vocês… tão confiantes! — disse Guerra, com um sorriso no canto da boca. — Conseguiram realmente matar o Cavaleiro do Apocalipse mais fraco de todos. É uma façanha enorme! Eu não achei que conseguiriam. Acho que devo uma grana para o velho Morte.
— Guerra! — disse Renato, com um assombro na voz.
Era um péssimo momento para esse cavaleiro aparecer.
O arcanjo Raziel ergueu sua Espada do Perdão e a apontou para o cavaleiro.
— Matá-lo-ei!
Guerra achou graça de Raziel.
— Como… se vai estar lutando contra sua própria gente? Anjo imundo. — A voz de Guerra não escondia o nojo e o desprezo que sentia.
Foi nesse momento que um outro anjo voou sobre Raziel. As asas brilhantes, a espada de fogo cintilante…
Raziel teve que mover sua própria espada rapidamente, e colidir lâmina contra lâmina, para bloquear o ataque de seu companheiro.
— Rafael! Que fazes?!
— Vós deveis morrer, Raziel!
Respondeu o outro, apertando os dentes, com raiva.
E os dois anjos colidiram, e ambas asas se abriram, e eles ganharam altura enquanto trocavam golpes. O ar vibrava com a magia liberada.
Bateram contra o chão a dezenas de metros de onde Renato estava, e continuaram o combate angelical.
Belfegor e Abigor se encontraram no campo de batalha, e os dois demônios também começaram a lutar.
Belfegor tentava, com sua Espada do Pecado, cortar Abigor em pedaços. O outro demônio respondia com o mesmo ímpeto, usando sua lança cuspidora de raios laser.
Os milhares de anjos lutavam entre si também. Explosões de magia faziam o chão tremer e o tilintar de aço contra aço ecoava por toda parte.
O Cavaleiro da Guerra sorriu, satisfeito.
— Isso! Lutem! Lutem e entretenham-me!
Sobre o teto do tanque de guerra, Tâmara simplesmente parou de se mover por um momento, assim como os putrefatos.
Respirava fundo.
Segurou forte em seu fuzil.
Olhou para Mical.
— Tâmara, calma! Isso é só…
— Só a influência dele mexendo com a nossa cabeça? Eu sei. — Ela pronunciava cada palavra devagar, apertando os dentes. — Mas ainda assim… que vontade de acertar um tiro nessa sua cara bonitinha e nojenta!
— Se controla, ou…
— Ou o quê? Porcaria, Mical! Cale a boca!
Num movimento rápido, a garota dos olhos âmbares direcionou o fuzil para Mical e puxou o gatilho.
Mical levou a mão à ponta do fuzil e a empurrou para o lado, redirecionado o tiro e evitando ser atingida.
Tâmara grunhiu de raiva e puxou seu fuzil, enquanto disparava, tentando fazer Mical soltá-lo.
Mical agarrou ainda mais firme!
Tâmara levou a mão à bainha da coxa e puxou uma faca peixeira, e pulou por debaixo do fuzil, caindo sobre Mical.
O fuzil caiu de lado.
Tâmara, segurando a peixeira numa pegada invertida, tentou golpear Mical, acertando seu peito.
Mical segurou o braço de Tâmara, pelo punho, usando uma mão, e segurou o pescoço dela com a outra.
Tâmara, usando seu braço livre, também apertou o pescoço de Mical.
Entretanto, Tâmara tinha maior força física e estava, aos poucos, subjugando Mical. A ponta da faca estava se aproximando, perigosamente, do belo rosto com os olhos de esmeralda.
Renato fez a única coisa que conseguiu pensar na hora e que poderia evitar uma catástrofe ainda maior.
Materializou sua espada e atacou o responsável por aquilo.
Mas Guerra, rapidamente, sacou sua própria espada e bloqueou o ataque do garoto, colidindo aço contra aço.
De perto, Renato tentou disparar o golpe mais poderoso que tinha: aquele fogo negro, produzido direto do abismo não-criado.
Mas o fogo não saiu.
O garoto estava completamente esgotado. Quase não havia mais energia em seu corpo.
Apenas faíscas escuras cintilaram em seus dedos.
Guerra puxou sua espada e empreendeu um contra-ataque.
As lâminas tiniram ao se chocar.
Guerra tinha um poder esmagador. Era mais forte e mais ágil, e Renato mal conseguia manter-se de pé.
Mas lá estava ele, lutando, insistindo numa vitória quase impossível.
E ele até viu aquele golpe se aproximando, viu a lâmina deslizando no ar em câmera lenta, e achou que poderia defendê-lo assim como tinha feito com os outros golpes.
Mas seus músculos falharam.
Sua espada parecia pesada demais.
Seu braço e sua mão não foram rápidos o bastante.
Estava esgotado, afinal.
E a lâmina brilhante de Guerra atravessou seu cotovelo, deslizando através da carne e do osso.
E o antebraço de Renato caiu no chão, com a mão ainda segurando o cabo espinhoso da Espada do Ódio.
O garoto gemeu de dor, e fez uma careta, mas não demonstrou medo.
Pelo contrário.
Partiu para cima de Guerra disposto a matá-lo à mordidas, se fosse preciso.
Guerra apenas posicionou sua espada.
Cravaria a Comedora de Almas no peito dele e encerraria este assunto.
Ele até tinha nutrido algum respeito pelo garoto antes, mas escolher se opor aos cavaleiros? Isso era uma atitude tão idiota, pensava Guerra, que Renato perdera todo o seu respeito.
Arimã tinha escolhido o Condutor errado.
Era tão cego quanto todos os outros deuses.
Mas antes que sua lâmina tocasse o peito de Renato, Guerra foi interrompido.
Um míssil bateu contra seu rosto e explodiu.
A explosão não seria capaz de matá-lo. Nem chegou a machucar de verdade, mas atrapalhou seu golpe. Causou incômodo, foi irritante, e isso ele achava imperdoável.
O próprio Renato foi arremessado para trás, com a força da explosão, e caiu perto de seu antebraço decepado.
Mical estava abaixada, no meio do campo de batalha, com um dos joelhos no chão, para dar melhor apoio, e com a bazuca sobre um dos ombros.
— Fique longe do Renato! — grunhiu ela.
— Micaaa! — gritou Renato, enquanto pegava seu antebraço e encaixava no cotoco que já tinha sido seu cotovelo.
O osso raspou contra osso.
Mical direcionou seu poder.
Guerra viu a garota. Encheu-se de fúria. Quem aquela humana pensava que era para atingi-lo dessa forma?!
Ergueu sua espada e iria arremessá-la como se fosse uma lança.
Matar a curandeira do grupo era estratégico.
Mas novamente foi interrompido.
Tâmara pulou nas costas dele. Ela tinha se aproximado lentamente, usando habilidades de espreita, enquanto Mical usava a si mesma como isca.

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