Índice de Capítulo

    — Conseguimos — disse Renato, ao ver o corpo decapitado de Peste no chão.

    A voz do garoto saiu baixa, quase um sussurro. Estava cansado, recuperando o fôlego.

    Os milhares de Rejeitados pela Sepultura tinham parado de lutar e apenas ficaram estáticos, congelados feito estátua.

    Ainda de pé, mas a vida tinha lhes deixado, aparentemente.

    — Não vos enganeis — respondeu Raziel. — Não somos aliados. Apenas…

    — Sim, sim, eu sei! — O garoto deu de ombros, sem paciência para ouvir as palavras arcaicas e solenes do anjo. — Não somos aliados e blá blá blá… Só dá pra esperar um pouco mais antes de voltar a tentar me matar? Queria terminar o dia com essa sensação de vitória. E, pra falar a verdade, tô cansado pra caraca!

    Raziel franziu o cenho, algo raro para ele. Talvez estivesse aprendendo gestos humanos.

    — É justo o vosso pedido.

    — Mas vem cá… por que você fala assim, hein?

    — Assim?

    — É.

    — Não compreendo. Eu falo a vossa língua. Uma variação do latim vulgar nomeada de português no século 13.

    — É, mas fala de um jeito… meio bíblico.

    — Arcaico?

    — É.

    Raziel pareceu em dúvida. Uma coisa ainda mais rara para ele.

    — Foi a época em que eu…

    Mas a fala do anjo foi interrompida. Uma gargalhada sombria e seca ecoou. Era lenta e parecia meio forçada, e não o tipo de risada de alguém que realmente estivesse se divertindo.

    Olharam para o alto, na direção da risada.

    E das alturas, caiu o Cavaleiro da Guerra.

    Assim que seus pés tocaram o chão, o concreto arrebentou, abrindo uma pequena cratera.

    Ele trajava sua armadura avermelhada como cobre e a longa espada nas costas.

    — Olha só para vocês… tão confiantes! — disse Guerra, com um sorriso no canto da boca. — Conseguiram realmente matar o Cavaleiro do Apocalipse mais fraco de todos. É uma façanha enorme! Eu não achei que conseguiriam. Acho que devo uma grana para o velho Morte.

    — Guerra! — disse Renato, com um assombro na voz.

    Era um péssimo momento para esse cavaleiro aparecer.

    O arcanjo Raziel ergueu sua Espada do Perdão e a apontou para o cavaleiro.

    — Matá-lo-ei!

    Guerra achou graça de Raziel.

    — Como… se vai estar lutando contra sua própria gente? Anjo imundo. — A voz de Guerra não escondia o nojo e o desprezo que sentia.

    Foi nesse momento que um outro anjo voou sobre Raziel. As asas brilhantes, a espada de fogo cintilante…

    Raziel teve que mover sua própria espada rapidamente, e colidir lâmina contra lâmina, para bloquear o ataque de seu companheiro.

    — Rafael! Que fazes?!

    — Vós deveis morrer, Raziel!

    Respondeu o outro, apertando os dentes, com raiva.

    E os dois anjos colidiram, e ambas asas se abriram, e eles ganharam altura enquanto trocavam golpes. O ar vibrava com a magia liberada.

    Bateram contra o chão a dezenas de metros de onde Renato estava, e continuaram o combate angelical.

    Belfegor e Abigor se encontraram no campo de batalha, e os dois demônios também começaram a lutar.

    Belfegor tentava, com sua Espada do Pecado, cortar Abigor em pedaços. O outro demônio respondia com o mesmo ímpeto, usando sua lança cuspidora de raios laser.

    Os milhares de anjos lutavam entre si também. Explosões de magia faziam o chão tremer e o tilintar de aço contra aço ecoava por toda parte.

    O Cavaleiro da Guerra sorriu, satisfeito.

    — Isso! Lutem! Lutem e entretenham-me!

    Sobre o teto do tanque de guerra, Tâmara simplesmente parou de se mover por um momento, assim como os putrefatos.

    Respirava fundo.

    Segurou forte em seu fuzil.

    Olhou para Mical.

    — Tâmara, calma! Isso é só…

    — Só a influência dele mexendo com a nossa cabeça? Eu sei. — Ela pronunciava cada palavra devagar, apertando os dentes. — Mas ainda assim… que vontade de acertar um tiro nessa sua cara bonitinha e nojenta!

    — Se controla, ou…

    — Ou o quê? Porcaria, Mical! Cale a boca!

    Num movimento rápido, a garota dos olhos âmbares direcionou o fuzil para Mical e puxou o gatilho.

    Mical levou a mão à ponta do fuzil e a empurrou para o lado, redirecionado o tiro e evitando ser atingida.

    Tâmara grunhiu de raiva e puxou seu fuzil, enquanto disparava, tentando fazer Mical soltá-lo.

    Mical agarrou ainda mais firme!

    Tâmara levou a mão à bainha da coxa e puxou uma faca peixeira, e pulou por debaixo do fuzil, caindo sobre Mical.

    O fuzil caiu de lado.

    Tâmara, segurando a peixeira numa pegada invertida, tentou golpear Mical, acertando seu peito.

    Mical segurou o braço de Tâmara, pelo punho, usando uma mão, e segurou o pescoço dela com a outra.

    Tâmara, usando seu braço livre, também apertou o pescoço de Mical.

    Entretanto, Tâmara tinha maior força física e estava, aos poucos, subjugando Mical. A ponta da faca estava se aproximando, perigosamente, do belo rosto com os olhos de esmeralda.

    Renato fez a única coisa que conseguiu pensar na hora e que poderia evitar uma catástrofe ainda maior.

    Materializou sua espada e atacou o responsável por aquilo.

    Mas Guerra, rapidamente, sacou sua própria espada e bloqueou o ataque do garoto, colidindo aço contra aço.

    De perto, Renato tentou disparar o golpe mais poderoso que tinha: aquele fogo negro, produzido direto do abismo não-criado.

    Mas o fogo não saiu.

    O garoto estava completamente esgotado. Quase não havia mais energia em seu corpo.

    Apenas faíscas escuras cintilaram em seus dedos.

    Guerra puxou sua espada e empreendeu um contra-ataque.

    As lâminas tiniram ao se chocar.

    Guerra tinha um poder esmagador. Era mais forte e mais ágil, e Renato mal conseguia manter-se de pé.

    Mas lá estava ele, lutando, insistindo numa vitória quase impossível.

    E ele até viu aquele golpe se aproximando, viu a lâmina deslizando no ar em câmera lenta, e achou que poderia defendê-lo assim como tinha feito com os outros golpes.

    Mas seus músculos falharam.

    Sua espada parecia pesada demais.

    Seu braço e sua mão não foram rápidos o bastante.

    Estava esgotado, afinal.

    E a lâmina brilhante de Guerra atravessou seu cotovelo, deslizando através da carne e do osso.

    E o antebraço de Renato caiu no chão, com a mão ainda segurando o cabo espinhoso da Espada do Ódio.

    O garoto gemeu de dor, e fez uma careta, mas não demonstrou medo.

    Pelo contrário.

    Partiu para cima de Guerra disposto a matá-lo à mordidas, se fosse preciso.

    Guerra apenas posicionou sua espada.

    Cravaria a Comedora de Almas no peito dele e encerraria este assunto.

    Ele até tinha nutrido algum respeito pelo garoto antes, mas escolher se opor aos cavaleiros? Isso era uma atitude tão idiota, pensava Guerra, que Renato perdera todo o seu respeito.

    Arimã tinha escolhido o Condutor errado.

    Era tão cego quanto todos os outros deuses.

    Mas antes que sua lâmina tocasse o peito de Renato, Guerra foi interrompido.

    Um míssil bateu contra seu rosto e explodiu.

    A explosão não seria capaz de matá-lo. Nem chegou a machucar de verdade, mas atrapalhou seu golpe. Causou incômodo, foi irritante, e isso ele achava imperdoável.

    O próprio Renato foi arremessado para trás, com a força da explosão, e caiu perto de seu antebraço decepado.

    Mical estava abaixada, no meio do campo de batalha,  com um dos joelhos no chão, para dar melhor apoio, e com a bazuca sobre um dos ombros.

    — Fique longe do Renato! — grunhiu ela.

    — Micaaa! — gritou Renato, enquanto pegava seu antebraço e encaixava no cotoco que já tinha sido seu cotovelo.

    O osso raspou contra osso.

    Mical direcionou seu poder.

    Guerra viu a garota. Encheu-se de fúria. Quem aquela humana pensava que era para atingi-lo dessa forma?!

    Ergueu sua espada e iria arremessá-la como se fosse uma lança.

    Matar a curandeira do grupo era estratégico.

    Mas novamente foi interrompido.

    Tâmara pulou nas costas dele. Ela tinha se aproximado lentamente, usando habilidades de espreita, enquanto Mical usava a si mesma como isca.

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