Capítulo 22: Item mágico sabor morango
— V-você vai evocar um…? — disse Mical, com olhos preocupados e voz trêmula.
Jéssica suspirou.
— Tudo bem. Eu ajudo.
Mical olhou surpresa para sua irmã.
— T-tudo bem, então. Eu também ajudo!
— Sei que isso é difícil para vocês, garotas. Mas eu realmente preciso fazer isso. Preciso tirar essa dúvida.
— Eu sei que precisa — respondeu Jéssica. — É por isso que vamos ajudá-lo. Eu não tenho mais medo. Se estivermos juntos, não tenho mais medo de nada.
Renato sorriu, verdadeiramente feliz. Aquelas palavras o atingiram em cheio.
— M-mas, eu me pergunto, como vai fazer isso? Você sabe como evocar um demônio, Renato?
— Ah, eu me lembro, mais ou menos, daquilo que a Clara fez naquela noite. Vou tentar replicar.
Subiram até o quarto de Clara e começaram a vasculhar tudo em busca do tal giz. Se encontrassem algum dinheiro também serviria. Poderiam comprar o giz numa lojinha próxima.
Mical estava revirando as gavetas da mesinha de cabeceira, Jéssica vasculhava as prateleiras do banheiro e Renato olhava em todos os cantos possíveis, embaixo da cama, nos nichos de livros, na escrivaninha.
Até que Mical encontrou algo que a deixou intrigada. Ela segurou aquele objeto cilíndrico na mão e começou a examiná-lo, tentando descobrir o que é.
— Acho que encontrei uma coisa, mas não sei o que é. Talvez seja um tipo de arma, eu me pergunto…
— Hum?
Renato se virou para olhar e ficou chocado com a cena.
— I-isso não é uma arma, Mical!
— O que é, então? Eh, tem um botãozinho aqui! — Ela apertou o botão. — Uwaaa, começou a vibrar! — Ela deu um pulinho de susto.
Jéssica apareceu na porta do banheiro segurando um objeto semelhante nas mãos, porém esse segundo era alguns centímetros maior.
— Se for uma arma, Clara devia ser um pouco paranóica, porque tem um desses no banheiro também! Além do mais, é um pouco macio demais pra poder ser usado pra machucar alguém…
— Jes! Ele vibra, Jes! Aperta o botãozinho aí pra você ver!
— Hum? — Jéssica apertou os olhos, procurando o botão
Click.
— E-ele vibra mesmo!
— Acho que é um instrumento de massagem! — disse Mical, empolgada, e já pôs o objeto no ombro para ser massageada pelas vibrações.
— Ah, até que é relaxante!
— Não põe isso aí, Mical… — Renato tinha certo pesar na voz.
— Essa súcubo! — disse Jéssica — Nos surpreendendo a cada dia! Quem diria que ela teria objetos de massagem em casa!
Ela também pôs o objeto sobre o ombro.
— Isso não é pra massagem, gente… como eu posso explicar…?
— Ei, encontrei outra coisa aqui! — Mical pôs o “massageador” sobre a mesinha e meteu a mão na gaveta. Puxou um pequeno envelope quadrado de plástico.
— O que é isso? — disse ela, enrugando a testa. — Jontex? Parece latim. Acho que a pronúncia é “Iontex”. Deve ser um daqueles itens mágicos.
Jéssica pegou o envelope em suas mãos e começou a examiná-lo.
— Sabor morango? Itens mágicos agora têm sabor de frutas?
— É a magia dos demônios, Jes! Super avançada!
— É… faz sentido. — Jéssica não parecia muito convencida, mas não achou explicação melhor.
— Oh, gente… — Renato não sabia o que dizer.
— Renato — disse Mical —, se esse for mesmo um item mágico, acha que podemos usar ele na evocação? Talvez ajude na concentração de energia!
— É… é… claro. Deixa eu guardar esse objeto mágico aqui. — Ele pegou o envelopezinho e pôs no bolso. — Agora, vamos nos concentrar no giz.
— Certo! — Mical estava muito feliz por ajudar.
Enquanto bisbilhotavam por tudo, Mical encontrou um pedacinho de giz numa das gavetas e o entregou a Renato. Depois disso, pegaram a vela preta no armário de Clara e desceram as escadas; antes de chegarem ao estacionamento, pegaram algumas armas do arsenal por precaução.
Já no estacionamento, Renato começou a rabiscar no chão. As duas irmãs estavam apreensivas.
— Sabe, Renato… — Jéssica mordiscava os lábios — será que isso é seguro?
— Eu me lembro que naquela vez, vocês usaram um tipo de feitiço de proteção. Podem fazer de novo, se quiserem. Eu lido com o que acontecer aqui.
— Não. Nós estaremos juntos dessa vez! É só que… você consegue se lembrar dos símbolos?
— Lembro… mais ou menos. Deve ser o suficiente.
— Deve ser! E se algo der errado, a gente enche o bicho que aparecer de bala!
Renato riu.
— É verdade.
Ele desenhou o círculo com os símbolos em volta. Pôs a vela no chão e a acendeu. Forçou a mente, tentando se lembrar das palavras.
Começou a sibilar de um jeito que até as meninas se assustaram. As chamas da vela aumentaram repentinamente, como se alguém jogasse gasolina, e depois se apagaram, expelindo uma quantidade anormal de fumaça negra.
— Algo deu errado — sussurrou Mical.
— Não. Deu certo.
A fumaça começou a se concentrar num ponto acima do círculo, como uma sombra flutuante. Era como se a fumaça se organizasse de modo a formar o padrão de um rosto grande, sorrindo, com vários outros rostos menores em expressão de desespero e dor.
— Abigor.
— Ah, o primata de Clara Lilithu?! Não acredito!
A fumaça começou a se agitar muito, formando novos padrões. E dos fios negros flutuantes, surgiu pele e dedos, e braços, e pernas. Até que ele apareceu por completo, em forma humana, embora algo em seu olhar fosse bestial.
Mical olhou para a própria mão. Estava tremendo.
— Calma, Mica. Vai dar tudo bem. Não precisa ter medo.
— Não estou com medo. Estou com…
— Raiva — completou o demônio que acabara de surgir.
Ela o encarou com olhos assustadores de pura raiva.
— Adoro esse olhar. Esse olhar sempre precede muita coisa interessante.
— Calma, Mical. É só a presença dele. Mexe com a nossa cabeça. Afinal, Abigor é o demônio da guerra.
— O primata é bem informado. Estou surpreso por você ainda não ter destruído o mundo, garoto. Como é ter essa coisa aí junto de você?
— Hum? — Renato ergueu uma sobrancelha.
— Ah, eu sei. Fui eu quem descobri e contei para a Clara. Aliás, se essa notícia se espalhar, você teria muitos demônios, anjos e deuses batendo na sua porta, com espadas flamejantes em punho doidinhos para arrancar sua cabeça. Será que eles guerreariam entre si ou se uniriam pelo propósito comum? Ah, são tantas dúvidas! Essa incerteza é tão empolgante!
— Ah, a respeito da Clara… ela morreu.
Abigor lançou um olhar indiferente.
— Você a matou?
— Não! Eu não! Quem matou ela foi o Mercenário Possuído. E aí, depois, eu matei ele.
Abigor arregalou os olhos, surpreso.
— Você?! Você matou Lúkin Ivanov?
— Ah, é, esse era o nome dele, né? Matei.
— Uau!
Abigor se aproximou de Renato, examinando-o de um jeito esquisito, como alguém de dieta faria com um belo pedaço de bolo de chocolate com recheio de brigadeiro e cobertura trufada. Moveu os dedos, quase tocando-o, mas se conteve.
— Essa coisa… você já a viu?
— Já.
— Ah, mas que droga! — Mical gritou, apontando a pistola para o alto e dando três tiros. — Eu sinto tanta raiva agora! Minha vontade é ir até o Priorado e botar fogo em todos aqueles caras que fizeram aquilo com você, Jes!
— Mica, não deixa esse demônio mexer com a sua cabeça!
Jéssica abraçou a irmã.
— Renato, vou levar ela lá para cima!
O garoto assentiu. As duas se afastaram.
Abigor franziu o cenho.
— Onde estávamos mesmo? Ah, é, como ele é? Como essa coisa é?
— Ah, eu não me lembro muito bem. Eu lembro que tinha um jogo de truco e… bom, não lembro de muitos detalhes. Acho que é porque eu tava à beira da morte e tal.
Havia um sutil sarcasmo na voz de Renato.
— Truco? Você esteve na sala do jogo?
— Err… acho que sim. Como eu disse, não me lembro muito bem.
Abigor suspirou, estupefato.
— Agora eu entendi porque a Clara gostou de você, primata. Você surpreende até mesmo os demônios!
— Bom, então… sobre a Clara. Tem algo me incomodando. É tipo uma intuição, como se algo estivesse fora do lugar, sabe? Poderia olhar ela e… sabe… dizer o que você acha. Você conhecia a Clara, não conhecia?
Abigor sorriu.
— E onde ela está?
— Ali. — Renato apontou na direção do camaro carbonizado.
Abigor se aproximou. Olhou o cadáver transformado em carvão e cinzas, com a metade inferior do corpo colada ao teto do carro. Ele abaixou os ombros e fez uma expressão de tristeza.
— Ah, já entendi. Jade, como isso foi acontecer?
Tocou o cadáver, acariciando-o com os dedos.
— Você tem uma boa intuição, primata.
Abigor tinha uma vermelhidão nos olhos lacrimejados. Um arrepio subiu pela espinha de Renato. O ar ficou mais denso.
— Então, Clara está viva?
— Está. Mas, com certeza, ela iria preferir estar morta.
— Como assim?
— Como assim que ele a encontrou. Só conheço um demônio que consegue fazer esse tipo de feitiço, garoto. O mais louco de todos, obcecado por Clara Lilithu: Satanakia.
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