Índice de Capítulo

    Jade era uma súcubo novata, sem nenhuma experiência em luta, tentando a sorte no mundo dos humanos. Era bonita, de curvas sinuosas; e o rosto, ironicamente, lembrava o de um anjo.

    Depois de muito tempo procurando, finalmente encontrou um bom humano e, numa noite tempestuosa, selava o pacto. Não havia um contrato escrito nem nada do tipo. O acordo era espiritual, assinado com movimentos, toques, troca de fluídos corporais, gemidos e muito prazer. Ela estava por cima, é claro, guiando a dança, dominando seu parceiro, sentido-o dentro de si.

    O humano, em estado de êxtase, apenas se deixava conduzir nesse fluxo intenso. Suas mãos, espertas, exploravam áreas macias e arredondadas, de um textura extremamente agradável ao toque.

    A cama era macia e confortável. O quarto, em penumbra, atiçava o clima.

    Até que, dos lábios do humano, saiu um gemido diferente. Não era o prazer costumeiro, mas parecia dor. Seus olhos se reviraram e explodiram nas órbitas, jogando por seu rosto um líquido viscoso, branco e avermelhado. Sua pele começou a murchar e secar, os músculos a sumir, até ficar, em segundos, com a aparência de alguém morto há meses.

    Jade gritou, se eriçou como um gato assustado e saltou, tentando desaparecer através do teto, mas das sombras surgiu uma mão que a agarrou no ar e a jogou no chão. Ela caiu de costas, se contorcendo de dor. Foi quando olhos verdes, com brilho amarelado, surgiram da escuridão e olharam direto para ela.

    A súcubo tremeu.

    — Satanakia?! — disse ela, apavorada.

    — Olá, Jade. Há quanto tempo?

    — Não o suficiente.

    Ele, tranquilamente, sentou-se na cama, ao lado do cadáver que, naquele momento, já tinha virado apenas ossos, unhas e cabelo.

    — Não precisava ter matado ele! — Ela disse, com dentes cerrados.

    — É verdade. — Satanakia deu de ombros. — Não precisava. Mas ele estava ali, se divertindo tanto enquanto eu estou nessa condição triste de busca por algo que me pertence. Não consegui perdoar a injustiça, sabe?

    — Não sei onde ela está, Satanakia! Não sei e não quero saber! Não vejo a Clara há décadas! Ouvi dizer até que ela está morta!

    — É, eu ouvi isso também. Acontece que quem disse isso morreu de forma misteriosa. Oh, não me olhe assim. Não fui eu quem a matou; mas eu fui lá dar uma olhada, e sabe de uma coisa? O cheiro dela estava lá. O cheiro de uma vadia demoníaca fujona vivinha da silva.

    — E o que tenho a ver com isso?!

    — O que você tem a ver? Ah, essa é fácil. Umas súcubos muito prestativas me falaram de um convite para uma certa reunião que aconteceu há um tempo. Reunião esta que seria numa das casas dela aqui no mundo humano.

    — Bom, se houve ou não reunião, eu não sei de nada!

    — Ah, mas minhas fontes me asseguraram que você, Jadezinha, foi a única quem aceitou o convite, já que, ao que parece, é a súcubo com menos amor à vida que existe.

    Jade engoliu em seco. Se lembrava do motivo de terem se reunido: para conversar, justamente, sobre uma forma de matar Satanakia, porém, como Jade e Clara eram as únicas que tinham certa coragem, as outras simplesmente se recusaram a participar.

    Ela olhou na direção de suas roupas. Junto delas havia uma adaga enfeitiçada. Se conseguisse alcançá-la…!

    — Certo —  ela ergueu as mãos —, entendi. Posso, ao menos, vestir minhas roupas? Não me sinto tão confortável estando nua dessa forma na sua frente, sabe?

    Ele deu de ombros.

    — Tudo bem. Não é como se fosse maravilhoso te ver nua também. Depois que vi a Clara, todas as outras parecem tão… qual é mesmo a palavra? Desinteressantes.

    Ela suprimiu o próprio ódio. Se levantou e, tranquilamente, foi até as roupas. Meteu a mão dentro do tecido. Segurou a adaga pelo cabo.

    — Mas, sabe, Satanakia, por que quer tanto assim a Clara? Sabe que ela não te quer.

    O demônio riu.

    — O que ela quer não faz a menor diferença. Minha classe me dá o direito de tomar demônios inferiores como escravos, e eu escolhi ela. Então ela me pertence.

    — Entendo. Só tenho mais uma pergunta.

    — E o que é?

    Jade desapareceu num borrão, de tão rápido que foi seu movimento, e atacou com a adaga, mirando no pescoço de Satanakia. Ele se movimentou ainda mais rápido, segurou a lâmina com a própria mão e a quebrou como se fosse feita de isopor. Depois acertou um tapa violento no rosto de Jade. Ela caiu.

    Satanakia, vendo-a no chão, desferiu uma série de  chutes em sua barriga até fazê-la vomitar. Ela se debatia, esperneava, tentava arranhar, fugir, até que decidiu por implorar.

    — Por… por favor… pare… por favor…

    Ele a olhou com desprezo e a ergueu, segurando-a pelo pescoço, apertando, pressionando sua traquéia, impedindo-a de respirar. Em seus olhos verdes, não havia raiva, apenas um prazer sinistro em causar dor.

    — Me leve até a Clara e talvez eu a deixe viver, seu pedacinho de lixo.

    Ela balbuciou alguma coisa, babando, engasgando.

    — O que disse? Não deu para entender direito.

    Ele afrouxou um pouco o aperto no pescoço de Jade.

    — Eu levo. Eu levo até ela, mas, por favor, não me mate.

    Satanakia sorriu.

    Um círculo mágico brilhou no centro da cidade e de dentro dele emergiram duas figuras. Satanakia ainda segurava Jade pelo pescoço. Ela ainda estava nua, pois ele, como punição pelo mal comportamento, decidiu por não permitir que ela vestisse as roupas.

    Ele a puxava, indo na direção apontada por ela.

    A brisa de 38 graus tocou no rosto dele, e ele a achou fresca.

    — É… por ali! Esta é a cidade preferida de Clara. Nunca entendi o motivo.

    — Deve ser o calor.

    Um camburão da polícia parou ao lado dos dois. Satanakia lhes deu a mesma atenção que daria a uma formiga andando pelo meio-fio: nenhuma. Três policiais desceram e apontaram as armas para ele.

     — Você, larga a moça e põe as mãos para cima!

    Satanakia continuou andando.

    — Mãos para cima ou vamos atirar.

    O demônio nem olhou na direção deles.

    Quando o policial tentou atirar, percebeu que não havia força em seu dedo e, quando olhou para ele, o viu quebrar como graveto ressequido, e logo ele mesmo caiu, feito um cadáver há tempos putrefato. Os três policiais caíram mortos ao mesmo tempo.

    Caminharam pela calçada, sob muitos olhares curiosos e horrorizados. Dois homens se aproximaram e perguntaram para Jade se ela estaria bem, ela não os respondeu. Quando se voltaram contra Satanakia, tiveram o mesmo destino dos policiais.

    — É aqui.

    Estavam ao lado de um muro alto. Podiam ver o predinho lá dentro, subindo em poucos andares.

    Satanakia olhou com interesse. Os olhos verdes brilharam. O coração bateu forte. Ele passou a língua pelos lábios.

    — Sinto a presença dela. Mal consigo me conter de paixão!

    — Agora que já a encontrou, me solta!

    Satanakia olhou na direção do prédio e franziu o cenho.

    — Tem algo errado.

    — O que?! Como assim “algo errado”? Ela tá aí, não tá?! Me solta, caralho!

    — Droga!

    Percebendo o que estava acontecendo com seus aguçados sentidos sobrenaturais, ele usou seu grande trunfo: A Substituição Alquímica, que só funcionava com seres de constituição parecida e eles precisavam estar a menos de 800 metros um do outro. Um pequeno círculo mágico brilhou na mão que segurava Jade, e uma luz verde-amarelada cobriu a garota por completo como um véu. Em menos de um segundo ela havia desaparecido e Clara surgiu em seu lugar, presa pela mão forte de Satanakia.

    Logo em seguida ouviram a explosão do Camaro.

    — Bem-vinda de volta, Clarinha.

    Ela arregalou os olhos, apavorada, como se visse um fantasma.

    No dia atual:

    — Então algo assim aconteceu? — disse Renato.

    — Se chama Substituição Alquímica. É a magia inata de Satanakia — respondeu Abigor. — Ela pode trocar de lugar coisas de pesos e composições parecidas. Tem seus limites, claro, mas é muito útil. Neste caso, ao que parece, ele usou para trocar de lugar a Jade com Clara.

    Abigor parecia meio abatido. Ainda estavam no estacionamento do térreo do predinho.

    — Magia inata? O que é isso?

    — É a magia única de um demônio, que já nasce com ele, embora ele ainda tenha que a descobrir no decorrer da vida. É parecido com a Explosão Peniana de Clara. Sabe o que significa? Que só ele poderia ter feito isso. Clara, agora, está sob poder de Satanakia, o que para ela é pior do que estar morta.

    — Ela conseguiria escapar?

    Abigor riu.

    — Mas é claro que não. Satanakia é um demônio de alto nível muito forte. Impossível para ela, que é uma súcubo. Súcubos são demônios fortes também, mas estão alguns níveis abaixo.

    — E você?

    — O que tem eu? — disse Abigor, com uma sobrancelha erguida.

    — Poderia vencer ele e salvá-la?

    — Hum, é possível, mas seria arriscado. Eu poderia me machucar e, bom, o risco de derrota também existiria.

    — Mas poderia tentar, não poderia?!

    Abigor mostrou um sorriso de superioridade.

    — E por que eu faria isso?

    — Porque ela é sua amiga, não é?!

    — Demônios não têm amigos, primata; demônios têm interesses. E, no momento, pôr minha pele em risco por uma súcubo não é parte dos meus interesses.

    Renato sentiu que perderia o controle sobre sua própria mente e que sucumbiria à raiva. Respirou fundo.

    — Ela é minha amiga.

    — E o que eu tenho a ver com isso, primata?

    — Leve-me ao inferno, demônio, e eu vou salvá-la.

    Abigor, pela primeira vez, riu de forma que parecesse espontânea, como alguém que realmente estivesse se divertindo com algo engraçado.

    — Você foi mesmo enfeitiçado pela beleza dela, não foi?

    — Pode me levar ou não pode?

    — Bom, entrar no inferno é a parte mais fácil para sua espécie. Sair é que é difícil.

    — Prefiro não ter que morrer no processo.

    — Aí fica mais difícil — Abigor relaxou os ombros — Devo lhe avisar, garoto, que só porque derrotou o Mercenário Possuído, não significa que tenha alguma chance contra um demônio de alto nível como o Satanakia. Sinceramente, eu acho que assim que pisar no palácio com todos aqueles demônios poderosos, seu frágil corpo humano não aguentaria a pressão hermética e se auto-obliteraria, e você seria completamente desintegrado. É o que eu acho. Sinceramente, apostaria dinheiro nisso.

    — Vai me levar ou não vai?

    — Vou. Afinal, demônios são seres que estão quase sempre entediados. Nos milhares de anos de existência, a gente percebe que quase nada muda de verdade. É sempre a mesma coisa. Mas você me parece algo inteiramente novo. Pelo menos acho que Arimã nunca conseguiu um condutor antes. Estou curioso para ver no que dá. Tente me entreter um pouco antes de morrer, primata.

    — E como vai ser feito? Como vou poder passar para lá?

    — Conhece o cemitério Boa Partida?

    — Conheço sim.

    — Esteja lá à meia noite. E não espere que seja divertido.

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