Capítulo 35: Fujam, porquinhos!
As águas eram cristalinas e corriam tão suaves e tranquilas que pareciam até ilusão. E de certa forma eram mesmo, mas para os cérebros que recebiam a sensação do frescor, não importava. Era real o suficiente. Havia até peixinhos coloridos nadando por entre as pedrinhas no fundo.
Renato bebeu com vontade e depois se lavou, tirando o máximo que pôde daquela gosma de aranha morta que estava impregnada nele.
Sentou-se sobre uma pedra e começou a observar os peixinhos. Eram todos muito pequenos. Alguns, do tamanho de um dedo mindinho; outros, maiores, tinham cerca de um palmo. Variadas cores: laranja, violeta, azul. Tinha até um peixe todo cor-de-rosa, com belas nadadeiras dorsais que usava para se locomover.
Clara, que estava sentada numa pedra ao lado, sentindo a brisa no rosto, parou e inspirou, farejando.
— Esconda-se!
Ela o puxou para trás de uma árvore.
Renato ouviu o som de algo se arrastando sobre as folhas secas, se aproximando lentamente.
E surgiu, por entre as árvores, o maior caracol que Renato já tinha visto, da altura de um carro, deslizando sobre o chão da floresta, indo em direção ao riacho.
Tinha, entre as projeções dos olhos, um tipo de antena com ferrão na ponta. Quando chegou na margem do riacho, movimentou a antena com velocidade, fazendo-a mergulhar na água, e quando a puxou novamente, um peixinho se debatia preso ao ferrão. O caracol levou o peixinho à boca e o comeu.
Depois pegou outro peixinho, e mais outro, e depois outro. Estava se fartando.
Nessa hora, saindo de algum canto oculto da floresta, uma lança veio voando e atravessou a cabeça do caracol, que tombou de lado, morto.
E apareceram aquelas criaturas comemorando o sucesso da caçada. Eram humanóides, porém tinham a cabeça que lembrava a dos porcos, com presas enormes saindo da boca e grandes orelhas pontiagudas. Os narizes não eram muito grandes, mas o formato tinha algo de suíno. As peles eram esverdeadas ou rosadas, dependendo do indivíduo. Tinham por volta de três metros; alguns pouco maiores, outros menores.
Vestiam peles de animais e carregavam armas presas à cintura, tais como machados e porretes de pedra.
— Mas que merda são essas coisas? — Renato sussurrou.
— Orcs — respondeu Clara, próximo de seu ouvido.
Renato ficou em silêncio, sem acreditar nos próprios olhos. Tinha visto muita coisa estranha nos últimos dias, mas essas criaturas eram as mais bizarras. Eles conversavam entre si em meio a grunhidos, enquanto um deles se aproximou do caracol.
Renato não viu aquela mão, ou talvez pata seja um termo melhor, com unhas curvadas e sujas se aproximando de seu tornozelo. Ele só sentiu o puxão e, na sequência, se viu balançado de cabeça para baixo, enquanto o orc corria até o grupo levando-o, segurando-o pelo calcanhar, parecido com um fazendeiro segurando uma galinha que está prestes a abater.
— Vejam o que encontrei! Parece um ser humano!
— Mas o cheiro é tão estranho!
— Acho que é um ser humano vivo! — disse o orc que estava segurando Renato.
— Não diga bobagens! Humanos vivos não aparecem aqui! Apenas os mortos!
— Pois eu acho que é um vivo! — O orc o ergueu até a altura da cabeça e começou a cheirá-lo. — Ele tem sangue fresco e o coração está batendo!
Os outros orcs se aproximaram para ver melhor. Renato não entendia o que eles falavam, mas tinha uma vaga ideia e sabia que não terminaria bem.
Clara não estava em nenhum lugar que Renato pudesse ver.
Ele, com um pensamento, fez sua Espada do Pecado surgir, e com um movimento rápido de sua mão, atravessou a lâmina pelo braço do orc que o segurava. O bicho guinchou e gritou de dor. Renato caiu no chão, com a mão pesada da criatura ainda segurando em seu calcanhar. Os orcs arregalaram os olhos, de susto e surpresa.
O garoto se livrou da mão no calcanhar e se levantou, e correu o máximo que pôde. Ouviu algo se aproximando, cortando o ar, e teve que desviar. O machado que vinha rodando passou por ele se cravou numa árvore. Renato continuou correndo.
Um dos orcs atirou um tipo de boleadeira, feita com um cipó trançado ultra resistente preso a duas bolas de pedra nas extremidades. A boleadeira veio girando e, assim que atingiu as pernas de Renato, se enrolou nelas. Renato caiu de cara no chão, se arrastando sobre o solo duro. As pernas foram torcidas pela boleadeira e atingidas pelas bolas de pedra. Doíam pra diabo!
Uma lança veio voando em sua direção. Num movimento desesperado, ele girou de lado, e a lança se cravou no chão, a poucos centímetros de sua cabeça. Os orcs eram rápidos e, assim que Renato cortou a boleadeira com a espada, eles já estavam em cima dele cercando-o.
Um golpe de porrete veio. O rapaz girou e desviou. Sentiu um tremor no chão por causa da pancada. Sem pensar duas vezes, atacou com a espada. O orc usou seu porrete de pedra para bloquear o ataque, mas o porrete foi cortado ao meio com facilidade. Foi um corte perfeito, num só golpe, como se o porrete de pedra fosse feito de papelão. A espada de Renato começou a emitir uma névoa densa, muito escura e gelada, e a intenção assassina deixou o ar mais pesado.
Os orcs se afastaram. Olhavam-no como se ele fosse um monstro. Grunhiram um pro outro e trocaram algumas palavras incompreensíveis.
Um orc grunhiu e gritou de dor quando seu pênis estourou e jorrou sangue para todo lado, e caiu de joelhos no chão. Clara estava sentada sobre os ombros dele e, assim que ele caiu de vez, ela saltou e ficou de pé.
— Caros porquinhos, agradeço por ajudarem com o treinamento do Renato, mas estamos com pressa, então é hora de terminar. Ou eu vou soprar e soprar, até que todos virem pó.
Após verem o cadáver com o órgão estourado de seu companheiro, os orcs olharam para Clara com verdadeiro horror nos olhos, e sem pensar duas vezes, correram o máximo que puderam, sumindo entre as gigantescas árvores. Até esqueceram-se do caracol que haviam caçado.
— Onde estava? — disse Renato, ofegante.
— Assistindo seu desempenho, oras. Você até que não foi tão mal. Poderia ter ido melhor, mas não foi ruim.
— Entendi. — Renato bateu a poeira da roupa. — Espero que tenha se divertido.
— Ah, não fica de mal humor, vai!
— Não tô de mal humor.
Clara foi até o braço cortado do orc e o pegou.
— Droga, Renato! Cortou logo o braço?! Se tivesse cortado a perna, talvez daria pra fazer presunto! — Ela riu.
***
Palavras do autor:
Olá, pessoal. Eu decidi postar dois capítulos hoje, haja vista que são capítulos curtinhos.
Espero que estejam se divertindo e não estejam entediados com as várias descrições dos últimos capítulos. Eu quis aproveitar essa parte para mostrar um pouco da geografia do Inferno; mas já tá acabando. Logo logo a porradaria franca (que eu sei que vocês gostam) vai acontecer.
Qualquer coisa, deixa o comentário aí pra eu saber o feedback de vocês.
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