Índice de Capítulo

    Renato estava entediado, sentado numa pedra à beira de um riacho límpido. Observava um grupo de peixinhos nadando como se deslizassem sobre a areia macia e submersa. O canto dos pássaros, em diferentes tons e timbres, enchia a natureza à sua volta com uma melodia suave.

    Ele jogou uma pedra na água e observou as ondulações circulares com olhos entediados.

    — Ah! Eu queria muito saber como elas estão agora!

    Mas Clara, que estava próxima, não o ouviu. Sua atenção estava totalmente direcionada para o alto. Seu olhar curioso vasculhava as várias nuvens brancas como se procurasse algo.

    — Ei, Clara, por que tá olhando tanto para o céu?

    — Não sei. Tenho a sensação de que tem alguma coisa seguindo a gente do alto, escondida nas nuvens. Achei que a sensação fosse parar quando Angélica e Baalat se separaram da gente, mas não parou.

    — Alguma coisa? — Renato olhou para o alto também. — Acha que pode ser um anjo?

    — Não tenho certeza, mas acho que não. É uma energia um pouco mais densa, mais próxima dos demônios, mas não acho que seja um. Isso me intriga. E tá longe demais pra eu sentir o cheiro.

    — Não vejo nada.

    — Infelizmente, nem eu.

    *

    — Mais importante, Mica… você sentiu a pedra lá em cima? — Jéssica estava sentada na cama, olhando para o teto.

    — Senti. Não restam mais dúvidas. — Mical estava em pé, próxima do banheiro. Ainda branca de susto por ter visto o soldado morto na banheira. — Aquela energia que ela emana. Inconfundível.

    — É. A pedra com certeza está lá em cima. Está na cobertura do templo. Na parte mais protegida do Priorado. Talvez, na capela do QG.

    Mical suspirou.

    — Por que as coisas não podem ser do jeito mais fácil? Sempre é a opção mais difícil!

    Jéssica sorriu e assentiu.

    — Verdade.

    Então, a porta do quarto se abriu e quem entrou por ela foi o Prior Regente Isaías.

    — Garotas — ele fez uma mesura —, espero que o nosso general dos Cruzados não tenha sido muito rude.

    — Muito rude?! Esse filho de uma adúltera bateu na minha irmã! Ele merece o pior dos castigos!

    Isaías riu.

    — Mantenha a compostura, Jéssica. Esse tipo de linguajar não combina com uma noviça do Priorado. Não vai poder se casar se continuar com esse comportamento.

    — Pro inferno com o noviçado e esses casamentos arranjados!

    Ele suspirou e se aproximou de Jéssica, e estendeu os dedos em direção a ela, como se quisesse tocá-la, mas se conteve.

    — Eu tô tentando ajudar vocês. Sabem o que a maioria dos clérigos, soldados e camponeses pensam a respeito de vocês? Por eles, vocês estariam amarradas ao poste uma hora dessas, com as costas sangrando e a pele queimando sob o sol. Sou eu quem tô protegendo vocês. Eu! Deveriam ser gratas! Sou eu quem tem o poder de decisão aqui!

    Jéssica não pôde evitar de sentir asco ao ouvi-lo e ver seus dedos quase tocando-a, e sem querer, se lembrou do passado. O gosto de vômito subiu pela garganta.

    — Fique longe da minha irmã! — gritou Mical, se pondo no meio deles. — Você não protege nada! Você é o lobo mau das histórias!

    — Lobo mau? — Isaías riu. — Essas fábulas infantis são herança pagã. Deveria esquecê-las.

    Então ele suspirou mais uma vez, como se estivesse cansado, e se voltou para os soldados e acólitos que aguardavam no corredor.

    — Guardas. Levem a irmã menor. A mais velha vai me acompanhar.

    Os homens entraram e já foram pegando Mical e puxando-a para fora. Jéssica tentou impedi-los, mas não conseguiu.

    — Me soltem! — ela gritava e chutava, mas foi carregada para fora, através do corredor.

     — Soltem minha irmã! Soltem-na!

    O próprio Isaías a segurou pelos ombros.

    — Calma, Jéssica! Eles não vão machucá-la! Tem minha palavra!

    — Pro inferno com a sua palavra! Não confio na sua palavra!

    — Deveria! É a palavra de um homem de Deus! Eles só vão levá-la para um lugar reservado enquanto a gente troca algumas palavras. — Ele estendeu a mão. — Jéssica, por favor, venha comigo. Eu só quero te fazer uma proposta.

    — Se machucarem minha irmã, eu coloco fogo em tudo! Não vai sobrar nada!

    — Combinado. Por favor, me acompanhe para podermos conversar longe daquele cadáver no banheiro. Daqui a pouco as moscas começam a aparecer.

    *

    — Me soltem, seus desgraçados! — gritou Mical, e empurrou os acólitos que a seguravam, e tentou correr de volta pelo corredor até onde estava a sua irmã.

    Mas mal deu o primeiro passo e deu de cara com a pistola de Asafe sendo apontada diretamente para seu rosto.

    — É melhor não causar problemas. Preferimos não matar você, mas ainda assim é uma questão em aberto. 

    Mical o encarou com profundo ódio.

    — O Renato vai pegar você.

    O acólito ergueu uma sobrancelha.

    — Quem? Está com tanto medo que tá inventando nomes, garotinha? — Ele sorriu um sorriso soberbo. — Vamos! Ande! Em frente! Se não quiser morrer. — Ele deu um empurrão nela. 

    Mical recuperou o equilíbrio antes de cair e, sob a mira da arma em sua nuca, começou a andar. 

    Com passos lentos, porém firmes. Não estava com medo. Tinha uma certeza: na primeira chance que tivesse, fugiria, correria em busca de sua irmã e mataria qualquer um que tentasse impedi-la.

    Eles a levaram até uma salinha no terceiro andar. Destrancaram a porta e entraram. Para sua surpresa, amarrado a uma cadeira, estava o endemoniado de mais cedo que tinha passado pela sessão de exorcismo.

    Ainda todo sujo de terra e poeira e parecia machucado.

    De perto, Mical pôde ver os hematomas em seu rosto e também percebeu o quanto sua pele estava queimada de sol.

    O homem ergueu os olhos e a encarou. 

    — Você veio me libertar? — disse com a voz fraca e tossiu. Depois suspirou, tristemente. — Não. É só mais uma prisioneira.

    — Não sou prisioneira!

    E em silêncio, o homem voltou a abaixar a cabeça.

    — Amarrem a garota à cadeira — disse Asafe.

    — E o que faremos com este imundo? — perguntou um dos soldados.

    Asafe deu de ombros.

    — Sei lá. Ele não é mais necessário. Pode matar.

    — Sim, senhor — respondeu o soldado e puxou uma pistola da cintura.

    — Não! Espera! — gritou o moribundo. — O Prior Regente disse que ia me libertar! Ele disse que eu poderia ir embora se fingisse! Se eu atuasse no teatro dele…  por favor! Não!

    O tiro atingiu a testa. Com a força do impacto, o corpo do homem foi projetado para trás e tombou, junto da cadeira. O sangue começou a se acumular no chão. A expressão de medo e dor ainda congelada no rosto.

    Asafe assentiu, em aprovação.

    — Belo tiro, soldado. 

    — Obrigado, senhor! Só estou fazendo o meu dever! — respondeu o soldado, orgulhoso.

    — Fazes bem. Agora amarre a garota à cadeira e espere por novas ordens.

    — Sim!

    — O q… o que vocês vão fazer comigo? — perguntou Mical, em choque.

    — Isso depende — respondeu Asafe.

    — Depende de quê?

    — Da escolha que a sua irmã vai fazer. Depende de qual resposta ela vai dar para o Prior Regente.

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