Índice de Capítulo

    As pernas de Renato, tremendo, estavam quase cedendo. Ele, com os braços meio levantados, suportava todo aquele peso sobre os ombros. Os joelhos estalavam e rangiam feito maçaneta velha.

    Respirando pesadamente, ele percebia a visão escurecendo aos poucos; em contraste, alguns pontinhos de luz brilhavam à sua vista. Estava vendo estrelas. Suas forças estavam no limite.

    Uma das pernas, não suportando a pressão, se dobrou, e Renato caiu com um joelho sobre o cascalho. O domo de fogo se aproximou mais e todo o chão tremeu. As janelas de vidro do templo vibraram com um rangido agudo e explodiram em pedaços.

    — Grr! — O garoto grunhiu e, puxando toda a força que tinha, forçou a perna a se levantar, e ficou de pé novamente.

    Nessa hora, a Espada do Perdão de Uriel atravessou o domo de fogo, indo direto para Renato. Tinha sido lançada feito uma lança.

    Na situação em que estava, ele não poderia defender-se.

    Porém Clara pulou na frente dele e, usando sua Espada do Pecado, bloqueou a espada de fogo. O choque do impacto fez os braços da súcubo vibrarem e os ossos quase se partiram. Ao final, ela conseguiu empurrar a espada para o lado, fazendo o ataque ser desviado.

    — Estamos com você, Renato.


    Aqueles camponeses que escolheram seguir Mical e Jéssica, as acompanharam para fora do templo.

    Ficaram aterrorizados com a visão do anjo, nas alturas, lançando suas chamas em direção a eles. Era o poder de Renato que bloqueava aquelas labaredas, que cobriam todo o priorado como um teto incandescente. Era como estar dentro do sol.

    — É o Inferno — disse Midiã, sentindo um arrepio. A voz dela saiu com dificuldade e o olhar parecia perdido. — Deus nos abandonou e fomos condenados ao Inferno.

    — Não — respondeu Jéssica. — Ainda não.

    — E o que vamos fazer?

    Mical, que trazia consigo um livro e mais alguns objetos, entregou uma pequena vareta de madeira para Midiã.

    — Primeiro vamos começar fazendo um círculo! Grande! De pelo menos uns cinco metros de raio! Trace ele ali! — apontou uma área.

    — Certo.

    A noviça, parecendo um bocado confusa, obedeceu.

    — Jés, precisamos desenhar os símbolos de uma Barreira Enoquiana Invertida.

    — Sim!

    Usando varetas, as duas começaram o trabalho. Era um feitiço que elas conheciam bem, pois era uma variação da Barreira Enoquiana usada como proteção. Nesse caso, ao invés de manter a criatura do lado de fora, manteria presa do lado de dentro.

    — Precisamos concentrar bastante energia nos símbolos — disse Mical.

    Assim que terminaram, Jéssica perguntou:

    — E agora?

    — Agora vem a parte difícil. O feitiço de evocação.

    A irmã menor  puxou um pedaço de pano que estava dentro do livro. Ele continha um desenho: um pentagrama dentro de um tipo de estrela de sete pontas, e nas bordas tinha um círculo cheio de letras e palavras.

    — O Sigillum Dei Aemeth — disse Mical — vai puxar o anjo. Porém, precisamos de mais do que isso!

    Estendeu o pano dentro do círculo mágico e, em seguida, ela também tirou de dentro do livro uma placa quadrada de madeira toda coberta com cera. Havia várias palavras e letras divididas em quatro quadrantes. Cada quadrante era pintado de uma cor diferente: amarelo, azul, marrom e vermelho.

    — Heregê! Actaraha! Rei Elemental do Fogo! Hurukuáh Uriel! — disse Mical, devagar, com cuidado para não errar a pronúncia das palavras em língua enoquiana, e jogou a placa quadrada para o alto.

    A placa, em certa altura, ficou no ar, girando feito um catavento, como se algo a mantivesse presa por barbantes. A parte vermelha se acendeu.

    — Fogo de ar! — complementou a menina.

    Um vento forte soprou e o fogo que cobria todo o Priorado se intensificou e ficou mais quente.

    — O que nós faremos? — disse um homem dentre os camponeses.

    — Aquilo que sabem fazer: orar — respondeu Jéssica.

    — Orar?

    — Sim! Orem e peçam que o feitiço funcione. Olhem para os símbolos, visualizem os sigilos, direcione sua vontade para o círculo mágico. E orem. Orem com fé.

    O homem ficou confuso.

    — Mas nós já estávamos orando lá dentro.

    — Orem aqui! Façam como eu disse! Foquem nos símbolos mágicos enquanto oram!

    Sem entender direito, eles obedeceram. Se ajoelharam no cascalho e ergueram palavras em oração, visualizando os símbolos do feitiço.

    Tâmara se aproximou de Clara.

    — A oração deles vai mesmo ajudar?

    — Vai, mas não do jeito que eles pensam — respondeu a súcubo. — Deus não vai interferir. Sinceramente, eu duvido até que ele escute.

    — Então como?

    — A fé é uma fonte de energia potente que pode ser usada para alimentar feitiços poderosos. Fazendo-os orar enquanto visualizam os símbolos mágicos, canaliza essa energia para o feitiço que elas estão fazendo.

    Mical olhou para sua irmã e, pela primeira vez  desde que começaram isto, ela demonstrou medo.

    — É um feitiço dentro de outro. Espero que funcione!

    — Vai dar certo, minha irmã.

    O fogo que cobria o Priorado se dobrou e se contorceu no ar. Suas labaredas subiram num tipo de redemoinho. Era como um tornado feito de fogo que rasgava as nuvens.

    A terra tremeu  por uns dois segundos. O fogo que rasgava as alturas se dissipou e se apagou.

    E, de repente, Uriel despencou do céu, descendo feito um meteoro reluzente, e bateu contra o chão, erguendo poeira e abrindo uma pequena cratera.

    Machucado, se ergueu, enfurecido, porém bateu contra uma barreira invisível que o impediu de sair. Estava preso dentro do círculo mágico.

    Os camponeses, assombrados, interromperam as orações. Alguns se ergueram e, se afastando para trás, quiseram fugir.

    O círculo mágico enfraqueceu e a barreira quase se dissipou.

    Mas Mical deteve os camponeses.

    — Não fujam! Quem deixou que parem de orar?! Continuem!

    — M-mas… — disse um deles, gaguejando. O terror estava estampado em seu rosto.

    — Sem “mas”! Vamos! Continuem! Ou vamos todos morrer!

    Ainda hesitantes, os camponeses novamente dobraram os joelhos e continuaram as orações.

    A pressão no ar era terrível. Parecia que o próprio chão cederia e começaria a desmoronar rumo ao Inferno. Uma ventania soprava do norte e as nuvens giravam em espiral.

    O anjo, flutuando no ar, com seus dois pares de asas abertas, olhou nos olhos de cada um ali.

    — Ai de vós que habitam na Terra… e no mar, pois o Diabo desceu até vós. Odeios-os com ódio perfeito. Tenho-os por inimigos.

    — Está… citando trechos da bíblia! — disse Jéssica, assustada. Foi a primeira vez que trechos do livro sagrado a deixaram com medo.

    — Vossos corpos apodrecerão e servirão de alimento para os abutres. Vossas almas queimarão e lamentarão pela eternidade. Vós sois os mais malditos dentre os homens.

    Clara se aproximou e riu.

    — Ah, o anjinho tá bravo. Não se assustem com as palavras de ameaça, pessoal. Elas são mais vazias do que as pregações dos pastores da televisão.

    Clara e Uriel se olharam. Os símbolos mágicos vibravam e a terra tremia.

    A súcubo sacou sua Espada do Pecado, e o aroma agradável de tutti-fruti se espalhou pelo ar.

    — Demônio…

    — Te pegamos, otário.

    — Não entendes? Não sabes o que fizeste? Vossas vidas estão condenadas.

    Uma bola de luz brilhou em sua mão. A terra sacudiu violentamente. As pedras desciam tão quentes que soltavam fumaça. Pedaços da muralha caíram e o vento girava enlouquecidamente feito um tufão.

    Uma rachadura surgiu como uma cicatriz na terra e, ampliando-se, se movia em direção ao círculo mágico para rompê-lo.

    — Todos serão mandados ao Gehenna! Esta é a condenação que recebestes por vossos pecados!

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