Epílogo 2 — Sísifo

Em certo topo de montanha, acima das nuvens, um herói e um vilão travavam uma grande batalha.  

Ou estavam prestes a começar — ainda não havia de fato começado. Primeiro, era preciso tempo para monólogos e afins. Não dá para ter uma batalha final digna sem isso.  

E assim foi que Jerome, o [Herói] nível 60, encarou o vilão e estremeceu.  

“O que você acabou de dizer?” Ele perguntou, ainda atordoado pelo que ouvira.  

O vilão, um demônio de pele vermelha e jade alaranjado, com um bigode de rubi e olhos brilhantes, riu diante de seu pânico. “Preciso mesmo repetir?” O demônio gesticulou exageradamente. “Usei o mesmo sachê de chá para fazer 666 xícaras e ganhei o poder do [Chá Infinito], tornando-me o [Demônio do Infini-chá]!”  

Jerome piscou e apertou o punho de sua espada com mais força. “Você não pode estar falando sério.”  

O vilão olhou para ele friamente, todo o humor desaparecendo em um instante. “Ah, mas estou mortalmente sério.” Ele tirou de sua bolsa um pequeno sachê que exalava um aroma de ervas cristalinas. “Com minha [Técnica do Chá Infinito], vou jogar este sachê no oceano e transformar toda a água do mundo em chá!”  

Jerome manteve a calma e preparou sua espada. “Não vou permitir isso, porque sou um [Herói]! Experimente isto! [Ataque de Espada Avassalador de Uma Quantidade Razoável de Destruição]!”  

O demônio sorriu com desdém e lançou sua própria torrente de mana contra ele. “Acho que não! [Abismo do Chá Infinito]!”  

Jerome sorriu, tendo enganado mais um demônio com sua espada falsa. Era um truque útil, pois a maioria dos inimigos sempre esperava que um [Herói] lutasse com uma lâmina na mão, mas Jerome era diferente.  

Jerome era especial.  

Ele não era como os outros [Heróis]. Chegara a este mundo sem habilidades especiais ou trapaças e fora obrigado a lutar apenas com determinação e sua vontade inabalável. E conseguira, tornando-se o maior [Herói] da terra.  

Porque… ele tinha, sim, uma pequena vantagem. Apenas um toque de esperteza e improviso no conjunto de habilidades certas, e isso fazia toda a diferença.  

Veja, Jerome lembrava realmente de algumas coisas das aulas de física e química do ensino médio. Ele meio que sabia que a água era feita de algo como moléculas, e tinha tipo… pequenas ligações ali dentro. Ou algo assim.  

Usando esse conhecimento, ele naturalmente conseguira superar todos os [Magos de Pedras Preciosas] deste mundo e criara uma técnica de magia aquática absurdamente poderosa.  

Uma técnica que ele agora desencadeou sobre o desavisado demônio.  

“Tolo, caiu na minha armadilha! [Jato d’Água Que Na Verdade é Feito de Moléculas e Coisas do Tipo]!”  

Um jato gigantesco de água jorrou de suas mãos e colidiu com o jato de chá do demônio, criando um choque estrondoso no centro, onde chá e água se enfrentavam.  

Jorros e respingos de líquido se espalharam pela paisagem, cortando as nuvens abaixo e esfacelando o topo rochoso da montanha.  

Para seu desespero, o demônio apenas riu de seu ataque. “Hah, acha que esta técnica pode me derrotar? O poder do átomo é finito, mas o poder do chá é infinito.”  

O jato de chá começou a avançar, lenta, mas superando seguramente o de Jerome. Mais respingos se espalharam, e rochas foram lançadas ao ar.  

Jerome entrou em pânico, tentando visualizar os átomos e ligações na água, porque, por algum motivo, isso tornava sua magia mais forte.  

Então — do nada — uma pequena pedra caiu do céu e acertou o demônio no rosto.  

BONK  

Jerome piscou.  

O jato de chá do demônio desapareceu por um segundo.  

E o jato de água de Jerome atingiu o vilão em cheio, vaporizando-o no mesmo instante e arremessando o pequeno seixo que dera a assistência para longe.  

Jerome encarou o cadáver, cujos únicos vestígios eram as botas de couro estilosas que deixara para trás. Mesmo depois de mais de dois anos neste mundo, a visão da morte ainda o perturbava um pouco.  

Ver os números subindo instantaneamente acalmou sua psique, mesmo que ele fizesse uma careta ao ver os 100 XP desperdiçados. Aquela vez em que perdera 2000 XP ainda o assombrava e o fazia estremecer à noite.  

Mas então ele sorriu. “Graças à deusa, o mundo está salvo novamente.”  

E então ele olhou para o mundo, lá do alto da montanha, amando-o verdadeiramente. Era por isso que lutava tanto para defendê-lo.  

Porque este mundo era lindo.  

No céu, ele podia ver os três anéis brilhantes que circundavam o planeta, dançando sua valsa eterna ao som da canção. Porque neste mundo, sempre havia uma canção. As árvores de pedras preciosas cantavam ao vento, suas folhas semelhantes a sinos criando uma melodia suave enquanto a brisa as atravessava.  

E, claro… as pessoas. Seus amigos e companheiros na vila, agora salvos da ameaça demoníaca.  

No início, Jerome estranhara seus costumes. Um povo belo, como estátuas de jade vivas, mesmo com suas peculiaridades. Ele ficara chocado ao descobrir que nenhum deles tinha nada entre as pernas. E que pareciam permanentemente presos na Idade da Pedra. Mas ele se adaptara.  

Talvez, com essa vitória, encontrasse coragem para finalmente convidar uma daquelas belezas de jade para um encontro…  

Então Jerome começou a descer a montanha, cantarolando junto com a canção das árvores, satisfeito por ter feito um bom trabalho hoje.  

Ignorando o verdadeiro herói.  

Mas veja como o [Herói] esquece facilmente! Esquece a verdadeira chave de sua vitória e toma toda a glória para si!  

Pois os pequenos são frequentemente esquecidos. Especialmente aqueles que dão uma assistência de última hora na batalha final! Especialmente aqueles tão pequenos quanto… um seixo.  

Mas mesmo que o [Herói] esquecesse, o mundo não o fazia.  

O mundo não observava o campeão de outro mundo descendo a montanha, mas sim acompanhava o verdadeiro herói, a humilde pedra, que rolava ladeira abaixo, ganhando velocidade agora.  

Era uma pedra legal. Uma pedra gnaisse, para ser exato. Acelerando. Um [Pedra Rolante] nível 1.  

Um novo herói, começando uma grande jornada.  

Sim, o antigo [Planeta] se aposentara das aventuras e guardara suas ferramentas no porão.  

Mas… não havia um brilho em seus olhos, enquanto o veterano guardava sua espada em um baú, deixando o cabo aparecer só um pouquinho?  

Ele sabia que o jovem lá em cima acabaria encontrando, agarraria a chance oferecida e partiria para a aventura. Porque o velho já não podia fazer isso sozinho.  

Talvez o jovem herói achasse que era dono de seu próprio destino, mas quem realmente dera aquele primeiro empurrão?  

Porque… o velho realmente queria ver. O que aquele jovem herói faria e, mais importante, o que aconteceria no fim da jornada, que ele transferira com sucesso. Cumprir todos os requisitos para transferi-la fora difícil, mas ele finalmente conseguira replicar as condições com precisão suficiente. E agora esperava. Qual seria a recompensa? O que aconteceria quando os números finalmente alcançassem o objetivo prometido?  

Ele até poderia, ocasionalmente, colocar-se na balança, ajudando o jovem herói se ele ficasse preso. Não muito, é claro, pois ninguém poderia controlar o destino de um herói, e ele não queria despertar ainda mais a ira do sistema.  

Mas ele observava. Porque ver aqueles números subindo, ver a pedra crescer mais forte, vê-la lutar por aquele objetivo final… era tão satisfatório. Viciante. Ele trilhara o caminho por muito tempo, não poderia parar agora. Tinha que perseguir aquela recompensa que sempre ficava além do próximo penhasco, quase inalcançável.  

Quase fazia o velho desejar que a busca nunca terminasse, que a aventura continuasse para sempre. Uma eternidade tentando alcançar a linha de chegada, mas nunca chegando lá.  

Mas isso seria prolongar demais, e toda história tem seu fim. Mesmo que uma nova também comece.  

Cinzas às cinzas. Pó ao pó.  

Pedra a…  

Seixo.