Capítulo 5 - Só Passam os que Sonham
O professor não ficara surpreso com a resposta de Kaen. Não era incomum, após a experiência com um Devastador, ficar ressentido e traumatizado.
— Sem problemas.
Ryo olhava para Kaen.
— Ei, cara. Passei dos limites? — perguntava Ryo,
— Relaxa. Só não quero falar sobre isso.
— De boa. Desculpa, de qualquer forma.
Kaen assentia.
— Tudo bem, meus jovens! Já fiquei tempo demais por aqui. Se tiverem interesse em se tornar um Operador ou Operadora. Apareçam na sede de treinamento da C.E.R amanhã.
Nakamura pegara sua pasta e xícara de café. Pronto para trocar de sala e continuar com seus avisos. Assim que abriu a porta, parava.
Lembrara de dizer algo.
— Esqueci de avisar. Vão com a farda da escola. E levem materiais e roupas para alguns dias, certo? Não levem comida. Quem levar, será eliminado.
A turma se surpreendia.
Kaen e Ryo olhavam-se de imediato.
— Legal! — diziam, ao mesmo tempo.
O professor voltava a porta.
— Obrigado pela atenção de vocês! Os vejo lá. Até.
A porta se fechava.
Um silêncio se instaurava por alguns segundos.
— Meu Deus! — dizia alguém no fundo.
— O que foi isso? — gritava, outro.
Todos começaram a falar em conjunto.
A professora ignorava e encostava-se na cadeira, fechando os olhos. Já havia visto demais por hoje.
Kaen olhara para o teto de seu quarto. Estava deitado em sua cama, empolgado. Alguns vislumbres do que se lembrara mais cedo rodeavam sua consciência, porém, se encontrava em paz com isso. Finalmente poderia se tornar mais forte. Além de que, não é como se fosse um menino frágil. Sempre se metia em brigas de rua, junto à Ryo. Já brigaram em bares, becos, matagais, dentro de casas. Eles eram bons de briga, Kaen sabia. Por isso, não se amedrontava. Tinha potencial. Seu amigo também.
Eram 04:37 da manhã. Os olhos de Kaen se mantinham abertos. Qual fora a última noite que dormira bem? Levantara e caminhava ao banheiro. Não levou muito tempo para tomar banho. Vestia o fardamento e partira para a casa de Ryo. Sua mãe ainda dormia, mas, Kaen sabia de que, quando ela acordasse, já teria a resposta de onde seu filho havia se metido. Não precisara ser muito esperta para deduzir, e ela era.
O sol ainda não aparecia por completo, não havia ninguém nas ruas, exceto por um jovem, que parecia senhor, debruçado no chão, usando apenas uma bermuda imunda. Um drogado. Desnutrido e sem perspectiva. Kaen o conhecia, não era o único dependente químico que vagava por ali.
Estava frio. Os postes, ainda ligados, alaranjavam o terreno. Kaen vira a casa de Ryo e, casualmente, abria a porta. Tinha a chave reserva de lá. Não tinha medo de ser atacado, Ryo morava sozinho.
Kaen, por coincidência, vira seu amigo no sofá. Porém, ao contrário de Kaen, Ryo não estava fardado, mas sim, num sono profundo, usando apenas uma cueca levemente rasgada.
— Acorda, vagabundo — dizia Kaen, dando uns tapinhas no rosto de seu companheiro.
Ryo se levantara rapidamente e empurrara Kaen.
— Merda! Que susto do cacete! — gritava Ryo.
— Eu te avisei hoje cedo que viria para cá.
— De madrugada?
— O horário não importa. Vai se trocar, retardado.
— Olha essa hora, pelo amor de Deus — dizia Ryo, sua voz se esvaía enquanto se afastava de Kaen.
Algumas horas depois, ambos se encontravam em frente a C.E.R. Deslumbrante. A sede parecia infinita.
— Acho que aí dentro caberia umas cinco escolas, Ka!
— Mais! — respondia Kaen, animado.
Os dois iam em direção à sede, adentravam. O local, inicialmente, havia poucas pessoas, via-se apenas alguns corredores indicativos, além de inúmeras portas que se estendiam. Kaen e Ryo se encontraram com a recepcionista da sede. Ela também era uma Operadora, via-se no crachá. Kushina, seu nome.
— Boa tarde, meninos.
— Boa tarde, moça. Viemos aqui como solicitação do professor Nakamura — dizia Ryo.
— Certo — dizia Kushina, teclando em seu computador. — De qual escola vocês são?
— Rosalvo — respondia Kaen, com rapidez.
— Bem… deixe eu conferir se está registrada… Sim. No final daquele corredor — sinalizava com o indicador —, há uma sala. Vai estar escrito “Teste de Jovens Recrutas Operadores” na porta. Passem esses cartões pelo scanner.
— Como? — perguntava Ryo.
— Olhe, tem uma tela na parede, é só aproximar os dois cartões.
— Certo…
Os dois ainda estavam confusos, mas, iriam se virar.
Se dirigiam ao espaço destinado, aproximavam o cartão e a porta se abria automaticamente. Nakamura os esperara, com mais dezenas de alunos sentados ao chão. Todos fitaram os dois.
Alguns, os encarando agressivamente, outros, curiosos.
Ryo os encarava de volta, forçando uma careta furiosa.
Kaen batia em seu ombro.
— Para.
Um largo sorriso surgia na face de Nakamura.
— Olha eles aí! O menino que viu um Devastador e seu amigo — dizia Nakamura, ainda sem saber o nome dos dois.
— Viu um Devastador? — ecoava, de algum lugar.
— Esse cara?
— Ele é forte?
— Sabia que eles eram encrenca.
Uma veia surgia na testa de Ryo, se estressava com os comentários.
Nakamura continuava.
— Sentem aí! O teste já já vai começar.
A sala, grande, se cercava por brancas paredes extensas e mais nada em volta, exceto por um grande aparelho sonoro no teto. Kaen o observava enquanto sentava ao chão.
— Olha lá, Ryo — dizia, sussurrando.
— Oxe. Uma caixa de som? Pra quê isso?
— E eu sei lá.
— Pouco me importa. Só sei que tem uns aí olhando pra gente com uma cara feia. Tô me estressando. Você me ajuda a bater neles?
— Pô, cara, para com isso. Só quer brigar, toda hora.
— Eles que começaram.
Nakamura batia uma palma. Forte, causava um grande impacto sonoro. Todos se atentavam ao que ele tinha a dizer, imediatamente.
— Vai começar! Acabou a hora de esperar. É o seguinte, vocês vão ficar aqui trancados até desistirem.
— O quê?
— Como assim?
— Esse cara enlouqueceu?
Ryo olhava para baixo, pensativo. Certo…
Kaen se mantinha empolgado.
— Calma, gente. Nem me deixaram terminar. Antes de começar o real teste, precisamos saber quem realmente quer ser membro da C.E.R. Não me levem a mal, é para o bem de vocês. Ser um Operador ou Operadora não é brincadeira, não é fácil. Podem morrer a qualquer momento. Cruelmente. Então, temos de ter a certeza que vocês não estão aqui só para ganhar mais dinheiro. Só passarão os que sonharem com isso.
Os olhos de Kaen brilhavam. Apertava seus punhos e sorria para Ryo.
— Se você desistir, eu te mato.
— Só saio daqui morto.
Nakamura abria os braços.
— Então, que comece!
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