Na verdade, desde que soube da existência de um fenômeno perigoso e comum chamado “Domínio Anômalo”, e que esta enorme “Cidade-Limite” era um lugar especial conhecido como “Limiar”, Yu Sheng já imaginava que deveria haver um grupo de pessoas especializado em lidar com tais fenômenos. Não do tipo de lobos solitários (embora certamente existissem), mas organizações em grande escala, talvez até profissionalizadas e formalizadas.

    Deveria haver as oficiais, e talvez também as civis.

    Mas, como Aileen havia dito, essas pessoas normalmente não teriam contato com gente comum.

    O Domínio Anômalo está além do senso comum, no limite da razão; é como inúmeros buracos pequenos e perigosos na montanha da realidade, que parece tão estável. Uma pessoa comum poderia passar a vida inteira sem jamais interagir com as cenas escondidas nesses buracos, mas se um azarado espiasse os vislumbres que escapam deles, não haveria mais volta.

    Este era o “conhecimento” que Aileen lhe passara desde o início. Apenas por essas descrições, Yu Sheng podia deduzir que aqueles que lidavam com Domínios Anômalos certamente tentariam evitar que pessoas comuns tivessem acesso a qualquer informação relacionada a eles, incluindo sua própria existência.

    Mas se algo realmente acontecesse, eles deveriam ter seu próprio mecanismo de resposta…

    Yu Sheng ergueu a cabeça novamente, olhando para a rua deserta e fria do lado de fora.

    “Sério, quanto tempo esses ‘profissionais’ de que você fala geralmente levam para reagir?”, ele perguntou, apreensivo.

    “Não sei, não me lembro bem… mas na minha impressão, é bem rápido”, disse Aileen, balançando o corpo para frente e para trás na cadeira enquanto abraçava seu ursinho de pelúcia, com uma aparência um tanto irritante. “Eles têm um monte de métodos para detectar situações anormais. Todo o Limiar deve estar cheio de monitores deles. Era assim antes de eu ser selada, agora deve ser ainda mais avançado.”

    Yu Sheng não disse nada, apenas ficou olhando para a boneca na pintura a óleo.

    “Cla-claro, profissionais também são humanos, e todo mundo tem seu lado meio bagunçado. Ocasionalmente, eles podem ser um pouco lentos para reagir?”, Aileen de repente pareceu insegura. “Talvez eles não tenham notado a situação anormal do seu lado… embora o barulho que você fez já tenha sido bem grande…”

    “Não parece muito confiável”, Yu Sheng franziu a testa e depois suspirou. “Segundo você, esta casa inteira é um ‘Domínio Anômalo’, mas até agora ninguém apareceu. Eu duvido seriamente do profissionalismo desses seus ‘profissionais’… Ah, acho que no final das contas, vou ter que contar comigo mesmo.”

    Aileen piscou: “É-é mesmo?”

    Em seguida, ela perguntou com curiosidade: “O que você planeja fazer? Pelo que parece… você ainda pretende lidar com aquele vale e com aquela Entidade?”

    “Não sou eu que quero lidar com ela, é ela que mais cedo ou mais tarde virá atrás de mim, eu tenho esse pressentimento”, disse Yu Sheng, com um leve sorriso. Ele pensou na estranha chuva congelada e no sapo nela. “E você não disse? Uma vez que se tem contato com um Domínio Anômalo, não há mais volta. O tempo que eu tive contato com ‘Domínios Anômalos’ provavelmente é maior do que você imagina.”

    “Isso… bem, você tem razão. Muitas das pessoas que lidam com Domínios Anômalos no início eram apenas pessoas comuns que tiveram o azar de serem arrastadas para um incidente”, Aileen resmungou. “Na minha lembrança, acho que um décimo das pessoas comuns que entram em contato com Domínios Anômalos, seja por vontade própria ou não, se tornam especialistas. Afinal, é como ser assombrado por algo sujo…”

    Ao ouvir as palavras de Aileen, Yu Sheng não pôde deixar de erguer uma sobrancelha: “Só um décimo? E os outros nove décimos? Voltaram para a vida normal sem problemas?”

    Aileen ergueu o rosto: “Morreram, ué.”

    Yu Sheng: “…”

    “Ta-também há sobreviventes. Muitas pessoas são resgatadas todos os anos”, Aileen notou a expressão de Yu Sheng e explicou apressadamente, mas depois acrescentou: “Claro, parece que o número de mortos é um pouco maior.”

    “…Aileen”, Yu Sheng olhou para a boneca na pintura.

    “Sim, sim?”

    “Se não sabe o que dizer, é melhor ficar quieta.”

    “É-é mesmo?”

    Yu Sheng suspirou e levantou-se lentamente da mesa de jantar.

    “Morrer ou não, para mim, não faz muita diferença, mas eu realmente preciso encontrar uma maneira de obter mais informações sobre os Domínios Anômalos. Esses ‘profissionais’ de que você falou… se eles não podem vir, então eu terei que ir até eles”, disse ele, pensativo. “Afinal, sua memória e experiência também não são muito confiáveis.”

    “Ir atrás deles?”, Aileen não pareceu se importar com a segunda parte da frase de Yu Sheng, ainda parecendo animada. “Então… que tal você realmente dar uma olhada nos postes por aí para ver se alguma empresa de segurança de Domínios Anômalos colou uns anúncios?”

    Yu Sheng parecia desamparado: “…Estou falando sério.”

    “Eu também estou falando sério”, Aileen piscou. “Eles realmente deixam métodos de contato parecidos, para ajudar pessoas comuns como você, que encontraram um Domínio Anômalo e tiveram a sorte de voltar. Só que esses métodos de contato normalmente não são visíveis para pessoas normais, são todos tratados com ‘meios técnicos’. Mas para quem já teve contato com um Domínio Anômalo é diferente. Eles passam por uma espécie de ‘despertar da percepção espiritual’ e têm uma grande chance de notar esses ‘símbolos secretos’ que normalmente estão escondidos.”

    Falando nisso, Aileen parou de repente e olhou para Yu Sheng de cima a baixo com uma expressão séria: “Você não sentiu nenhuma… mudança acontecendo com você?”

    Mudanças após o contato com um Domínio Anômalo?!

    Ao ouvir a boneca, o coração de Yu Sheng disparou, e ele perguntou apressadamente: “As mudanças que você mencionou, seriam ficar forte o suficiente para esmagar pedras, se recuperar de um corte com algumas respirações, ser capaz de perceber as memórias e pensamentos dos outros, e de quebra, poder voltar da morte e coisas do tipo…”

    Aileen ouviu, atônita, olhando para Yu Sheng como se ele fosse um alienígena: “O quê?”

    “…Não?”

    “No máximo, você consegue ver algumas coisas que normalmente não veria! Isso que você descreveu ainda é humano? Você mudou de espécie, não foi? É melhor não ler tantos romances e animes.”

    Yu Sheng: “…”

    Vendo a reação da boneca, Yu Sheng decidiu sabiamente não continuar com o assunto.

    Sua situação era realmente estranha. Mesmo no campo do “sobrenatural”, parecia ser um pouco sobrenatural demais.

    Felizmente, Aileen não pareceu pensar muito sobre isso — provavelmente porque ficou presa por muito tempo, o cérebro da boneca não parecia estar funcionando muito bem.

    Yu Sheng soltou um suspiro e olhou na direção da cozinha.

    Uma sombra de conflito e hesitação passou por seu rosto, então ele deu um leve sorriso e caminhou em direção à cozinha.

    Aileen, na pintura, pulou da cadeira: “Ei, vai fazer o café da manhã?”

    Não se sabe por que essa criatura que nem consegue comer fica tão animada na hora das refeições.

    “Vou cuidar da ‘lembrancinha local’ que trouxe de volta”, disse Yu Sheng sem se virar.

    Aileen, segurando o ursinho com uma mão, acenou com a outra: “Ah, vá em frente…”

    A boneca parou de repente.

    Sua mente, um tanto lenta por causa do longo tempo de confinamento, finalmente processou uma coisa.

    …Desde quando os Domínios Anômalos têm lembrancinhas locais?!

    “Espere aí!”, Aileen soltou um grito agudo, quase assustando Yu Sheng, que já estava na porta da cozinha. “Que tipo de ‘lembrancinha local’ é essa?!”

    Yu Sheng entrou na cozinha, parou e se virou com um leve sorriso: “Adivinha?”

    Aileen arregalou os olhos, observando Yu Sheng, que já começava a amarrar o avental. Seus olhos vermelhos gradualmente mostraram um traço de choque e uma expressão de “será que esse cara enlouqueceu de vez?”: “Es-espere, o que você vai fazer? Você não está pensando em… não, essa coisa foi mesmo arrancada daquela Entidade?! Como um humano comum conseguiu fazer isso?! Ei, você não vai mesmo…”

    Yu Sheng fechou a porta da cozinha com firmeza, bloqueando os gritos da tagarela do lado de fora.

    Momentos depois, os gritos abafados de Aileen vieram da sala de jantar: “Ei, não feche a porta! Pelo menos me ajude a reiniciar a TV primeiro! A TV não está funcionando!”

    Mas Yu Sheng já a estava ignorando.

    Ele foi até a pia, removeu a tampa da panela que estava sobre o pedaço de “carne” e viu que a cauda decepada na pia parecia ter se aquietado completamente, apenas o músculo cortado ainda se contraía levemente de vez em quando.

    Ele olhou em silêncio para aquela cauda que uma vez perfurou sua barriga, sentindo novamente aquele… “apetite” que parecia vir de seus ossos.

    Mas desta vez, o apetite não era tão violento como no início, apenas pulsava suavemente, com uma agradável antecipação e uma agitação na medida certa.

    ‘Isso é possível? É normal? Eu ainda sou normal?’

    Yu Sheng pensou em todas essas questões, mas a reflexão não hesitou em seus movimentos.

    Preparando cebola, gengibre e vinho de cozinha, e pegando a tábua e a faca, Yu Sheng lavou cuidadosamente a cauda com água limpa, raspou as escamas, colocou-a na tábua e cortou.

    Foi mais fácil de cortar do que o esperado. Embora fosse dura como pedra quando estava no monstro, agora, a sensação ao cortar era apenas como a de uma carne bovina firme.

    E não tinha ossos.

    Yu Sheng pensou: a primeira vez que sentiu seu corpo ser “fortalecido” foi depois de morder aquele monstro.

    E depois disso, em seu segundo confronto, ele também mordeu a carne da criatura e sentiu sua força aumentar ainda mais — embora o aumento tenha sido visivelmente menor, houve uma mudança.

    Isso o levou a uma ideia ousada e… deliciosa.

    ‘E se eu cozinhar?’

    Yu Sheng cortou a carne com agilidade, seu humor melhorando gradualmente.

    Aileen, gritando do lado de fora, já não parecia tão barulhenta.

    Ele não sabia se o que estava fazendo era normal… provavelmente não era, afinal, até mesmo uma boneca selada em uma pintura a óleo achava a coisa toda muito sinistra.

    Mas, comparado a morrer e voltar à vida, um pedaço de carne suspeito não era grande coisa.

    “Eu já comi cru”, Yu Sheng murmurou para si mesmo enquanto cortava a carne. “A primeira vez cru, a segunda ao ponto…”

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