Progenitor das Sombras

    Caderno 1 – Sangue de Magma

    Capítulo 11

    A cena que eu observava era exatamente como Cláudio havia descrito da personalidade daquele garoto. 

    Gastando seu tempo com criaturas e monstros, ele os matava rapidamente, porém, algo estava estranho. As “armas” em suas mãos brilhavam em um tom incandescente e, como se não bastasse, as extremidades de suas roupas estavam completamente queimadas. Fumaça saia de sua pele, que mesmo no escuro, estava visivelmente avermelhada. Seus cabelos não se comparavam há vinte e quatro horas atrás, estavam bem maiores.

    Pelas minhas especulações, se passaram quatro horas desde que fui dormir e, segundo Cláudio, ele deveria ter chegado na muralha a seis horas atrás. Não havia nenhuma pessoa viva naquele lugar, e mesmo se houvesse, Cláudio diz que ele não é alguém que age para salvar.

    — Então, por qual razão ele demorou tanto? — Colocando a mão no chão do prédio, senti meus arredores.

    Os materiais usados nas construções da cidade – com exceção da muralha, não podiam ser controlados pelos Gaein, porém, controlar terra e rochas era apenas uma parte de nosso poder.

    “Visão da terra” Tudo há certa distância de mim poderia ser sentido, desde que tivesse contato com o chão. E foi quando percebi…

    Pulando de prédio em prédio, me aproximei sem fazer barulho. Vendo de cima era mais fácil perceber, mas apesar de estar atacando as criaturas incessantemente, nenhuma das criaturas ali estava sendo morta.

    Um barulho de repente chamou minha atenção, como o de raios elétricos entrando em curto. Olhando para cima, vi que algum tipo de película de energia tomou completamente o céu escuro.

    A barreira, ela não havia voltado completamente, e talvez demorasse mais algumas horas para se recuperar, mesmo assim, aquele era um bom sinal. 

    Voltando meu olhar para baixo, pude ver o que o garoto fazia graças a luz emitida pela barreira, e, por um instante, me surpreendi. Fincando seus arpões nos tendões das criaturas, ele as impedia de se mover, finalizando o trabalho jogando a criatura para longe de si com uma força descomunal. A besta ficava atordoada por determinado tempo, até finalmente se recuperar, mesmo assim, todas continuavam vivas.

    Era um trabalho infinito, ele nunca ia terminar.

    Pulando do alto do prédio, me joguei em cima do garoto. O som da manopla de metal acertando em sua cabeça ecoou, ele caiu instantaneamente, mas continuou acordado. Acertando sua cabeça com ainda mais força, a afundei no chão com meu punho, mesmo assim, nenhuma gota de sangue se derramou de seu corpo.

    Seus olhos caídos me observavam de canto de olho, não olhos castanhos, marrons, vermelhos ou âmbar, mas olhos tristes e escuros, agora eu entendia, aquele não era Ezequiel…

    Suas mãos tentaram se mover, mas antes que pudesse, enterrei novamente meu punho em sua cabeça, o afundando ainda mais. Porém, houve algo que me incomodou, um sussurro, foi apenas um “Mm…”, saído de sua boca, mas me incomodou imensamente.

    Observando com cuidado, tive certeza de deixá-lo desmaiado. Claudio me instruiu dizendo para não dar chances, ou pagaria por meus erros, mas o que um garoto como aquele poderia fazer? Mesmo assim, era melhor prevenir do que remediar.

    Me voltando às criaturas ao redor, observei alguns ghouls se regenerarem ao longe, eles me observavam, pareciam confusos por eu ter atacado o garoto.

    — Sombras… — Apenas uma palavra foi o suficiente e, uma a uma, cada uma das criaturas desapareceu.

    Não muito longe de mim alguém me observava, como um fantasma na escuridão. De repente outra, e aos poucos, várias pessoas começaram a se aproximar. Os servos de Claudio, aqueles que vinham de lugar nenhum.

    Se juntando ao meu redor, eles ficaram calados enquanto o líder se aproximava. Vestiam roupas escuras que tampavam desde de seus pés as suas cabeças.

    — Por que nos chama? — disse um deles.

    — Por quê? O que significa isso? — perguntei apontando para o garoto.

    — Como foi nos ordenado, devemos cuidar do paradeiro do sobrinho do…

    Sem conseguir terminar sua frase, apenas o som do metal acertando o rosto da “sombra” ecoou pela rua, seus pés desequilibraram, o fazendo cair de bunda no chão ensanguentado.

    Sangue escorreu pelo rosto do homem, agora descoberto pelo buraco deixado pela minha manopla, que também se manchou com seu sangue. Cuspindo um dente, ele se levantou, foi treinado para suportar tortura a um nivel inumano, o que me deixou com ainda mais raiva.

    Me aproximando, o segurei pelo pescoço, realmente queria matá-lo ali, mas tinha que ter pelo menos uma boa razão.

    — Vocês estavam fazendo a porra de seu trabalho?! — Apontando para o meio da rua, virei o rosto do homem para os vários cadáveres humanos jogados por todos os lados. Não apenas a rua, mas toda aquela área foi impregnada com o cheiro de sangue.

    Espalhados por todos os lados, corpos sem vida completamente despedaçados demonstravam uma crueldade sem fim, todos mortos sem nenhuma misericórdia.

    — Não é nosso trabalho…

    Minhas mãos se moveram sozinhas, e quando percebi, já estavam nos dentes desse maldito: — NÃO ERA SEU TRABALHO?! — Uma, duas… cinco… nove vezes, cada vez que o acertava um pouco da raiva se apaziguava, até que por falta de ar, o homem gemeu tossindo um bocado de sangue, caindo alguns dentes de brinde. Porém, aquilo não traria de volta as vidas daqueles que morreram injustamente nesse lugar. Apertando o pescoço do homem ensanguentado, o joguei em cima de um cadáver, não era um homem, nem uma mulher, mas de uma criança. — espero que tenham observado bem a morte de cada um deles, e que consigam dormir sabendo que cada um deles morreu pelas suas mãos.

    Todas aquelas vidas perdidas sem nenhum motivo, assim como as vidas daqueles cavaleiros na muralha, que tanto batalharam para proteger esse povo, e eles, mortos por não ser o trabalho de alguém.

    Caminhando em direção ao menino no chão, me abaixei e toquei a pele descoberta em seu pescoço, pude sentir certo calor aos poucos se espalhar pelo metal da minha manopla. Não foi algo lento, em questão de segundos pude sentir meus dedos queimarem por dentro da armadura. Claudio me disse para tomar cuidado, ele estava certo, porém, com esse garoto nesse estado, com certeza eu o venceria.

    Um sentimento amargo tomava meu peito, largando Ezequiel, andei alguns passos em direção a certa cavidade entre dois estabelecimentos, cavidade essa destinada às lixeiras, e havia uma lá, mas assim que a puxei, pude ver com meus próprios olhos…

    Envolto num pano dourado, uma criança me observava com atenção, um bebê, não parecia ter mais que alguns meses: — Você fez bastante silêncio, em pequenino… — Como se soubesse que eu fosse pegá-lo, a criança estendeu um dos braços que havia saído do pano dourado e, enquanto tocava a superfície gelada da armadura com seus pequenos dedos, sua feição aos poucos mudava, como se descobrisse algo novo.

    Olhando para trás, observei que as “sombras” já haviam partido, deixando para trás os corpos daqueles cidadãos. Era possível imaginar os gritos, o desespero que cada uma daquelas pessoas tiveram que passar e, mesmo assim, eles apenas observaram.

    Humanidade, solidariedade, conceitos vindos dos humanos, que eles criaram para justificar suas ações como um ser vivo, para diferenciá-los de bestas, mas não passavam de ficção.

    Indo até Ezequiel, o peguei pela gola da roupa. Não me importava seu status ou sua descendência, ele era um humano, assim como todos aqueles que serviam a Cláudio, e por um instante, parei para observar o rostinho desengonçado da criança em meus braços. Vendo aquilo, não conseguia entender como seres tão puros podiam se tornar aqueles monstros, mas nesse mundo, era assim que os humanos eram, não se importavam com o que não fosse de sua conta, eles só pensavam em seu próprio bem estar.

    — Ei, pequenino, não seja como essas pessoas, seja melhor…

    Caminhando de volta para a muralha, pude ouvir o som dos pés de Ezequiel sendo arrastados pelo chão. O puxando para cima, o peguei pela cintura, sentindo logo em seguida a lateral de minha armadura esquentar. mesmo assim, era o mínimo que eu podia fazer.

    — … caso seja algo inevitável de sua espécie, pelo menos seja como esse garoto, criança, afinal, foi ele quem o salvou.

    Desde meu nascimento meu povo cultivava ódio por humanos, me ensinaram a odiá-los, diziam ser impuros, que sempre foram seres ruins, porém, agora que eu sentia o quão quente minha armadura ficava apenas pelo toque de sua pele, imaginava o quanto ele teve que passar para resgatar aquela vida.

    Seu corpo estava sujo, destruído, sua pele se descascava e seus cabelos caiam ao mesmo tempo que cresciam tão rápido ao ponto de eu conseguir ver a olho nu. Porém, vendo aquilo eu finalmente percebi o significado de seu sussurro, palavra que mesmo depois de tudo isso ele insistiu de sussurrar-lá.

    — … Você conseguiu, Ezequiel… foi só um, mas foi o suficiente…

    — Próximo Capítulo – Vão —


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