Capítulo 12: Vão
Progenitor das Sombras
Caderno 1 – Sangue de Magma
Capítulo 12
{Esse capítulo pode conter gatilhos, extremo cuidado ao continuar}
RECOMENDAÇÃO DE MÚSICA PARA ESSE CAPÍTULO: Nathan Wagner – House Of The Setting Sun – YouTube
Partes de meu corpo se descascavam aos poucos, meus olhos doíam.
Observando um teto escuro, desconhecido, não tentei me mover, sabia que seria pior caso tentasse.
“Por quê? Apenas… por quê… porque não posso ser como os outros, e usar livremente meu poder…” fechando os olhos, permiti o tempo passar, lentamente, sem conseguir dormir por um segundo sequer.
— Até agora vocês não encontraram nada sobre aquela coisa?… O que estão fazendo!! MERDA!
“Guardião prateado…” Apesar de não poder virar o rosto para confirmar, reconheci a voz que a cada instante parecia se aproximar.
— Não é nossa culpa senhor Katastroff, os batedores morreram bem antes de conseguirem se aproximar — disse alguém com uma voz chorosa.
— E a resposta de Claudio?
— Bom… — A voz chorosa se calou, como se soubesse que a pessoa na armadura não iria gostar da resposta — … independente da criatura, não devemos recuar…
— DROGA!! — Junto a voz forte do guardião, o som de algo se rachando ecoou pela sala. Apesar de não poder me mover, a curiosidade me atiçava, e foi quando tentei observar de canto de olho. — Então está acordado. — Os passos metálicos soaram junto a voz mecânica, que vinha em minha direção, e, aos poucos, pude ver melhor a silhueta malhada da armadura prateada.
— Rhh… — Tentei forçar a voz, mas apenas um chiado estranho saiu da minha boca.
— Vou deixar você descansar, há uma peça de roupa no criado mudo. — O som dos passos metálicos ecoou em direção a saída. Por um instante o silêncio tomou o ambiente, até os gritos daqueles que ainda lutavam se evidenciar. Eu estava sozinho, mas não conseguia nem imaginar quantos problemas o guardião estava tendo com aquelas criaturas.
— Além disso — a voz do guardião soou novamente, abafada, vinha de trás da porta — felizmente a criança não foi contaminada pelo sangue das criaturas. Você sabe que ela não o agradecerá, talvez até o amaldiçoe no futuro, porém, uma vida é uma vida, se sinta orgulhoso; mesmo não conseguindo salvá-los, você deu o seu melhor…
A voz novamente se calou, respirando profundamente, soltei o ar turvo para fora do pulmão e, fechando os olhos, me foquei na escuridão da minha mente. Por um instante pensei que a única coisa a me acompanhar naquela longa viagem ao nada seriam os gritos abafados dos cavaleiros, e foram, pois eu estava sozinho…
…
“Se eu pudesse…”
— Não existe “se”, — respondi a mim mesmo, tirando aqueles pensamentos da minha mente — faça, se não der certo, refaça, quebre a escuridão em seu coração, controle o vazio em sua mente, para o encontro de sua divindade…
O som de estalos ecoava pelo quarto enquanto eu me levantava, já estava melhor, apesar de ainda sentir algumas dores. Observando os arredores, vi que realmente estava em um quarto pequeno, escuro, com uma cama de palha desconfortável e, no piso de pedra, uma marca funda de um pé.
“A armadura é forte, quanto de poder eu teria que usar para derrubá-la?” Assim que pensei na possibilidade, ignorei esse pensamento. Eu estava indo embora, não ia voltar, provavelmente nunca mais iriamos nos encontrar.
Pegando as roupas no criado mudo, comecei a me vestir, quando a imagem daquela mulher me veio à mente. Uma pessoa gentil, que se empenhava a me ajudar mesmo nos mínimos detalhes, para que não sofresse nas mãos daqueles nobres. Seu pensamento era de que, desde que eu me vestisse bem, agisse como alguém nobre, eles me veriam como igual. Ela estava errada, pois sempre fui odiado.
— E quem se importa com poder? — disse em voz alta, passando a fivela do cinto na calça. — Se poder trouxesse felicidade, esses nobres se contentariam com o que tem e não viriam até mim, se humilhando para conseguir o apoio de Cláudio.
Dando algumas batidas com a bota no chão, a ajustei no pé, seguindo logo em seguida para os arpões dourados próximo a porta.
— As vidas e almas, às quais se apagam por minhas mãos, me acompanharão pela eternidade em minha arma.
Pegando os arpões, sai do pequeno quarto, mais parecido com uma caverna na muralha. O céu escuro era tomado por uma película azulada de energia, provavelmente era a barreira da cidade já estando mais ativa, mesmo assim, ainda desligada.
Havia algo de errado naquela manhã – quando a barreira caiu – a névoa estava densa ao ponto de coisas a cinco passos de distância serem impossíveis de se ver, a questão é, aquele que possui controle sobre a barreira; ele a derrubou por vontade própria sem dar avisos prévios, ou, ela simplesmente teve algum defeito interno?
Ignorando o assunto, segui em direção ao portão da muralha. Estranho, nenhum dos guardas tentou me impedir, apenas me observaram caminhar entre eles. Conhecendo meu tio, ele com certeza mandou alguém para me parar, então, por quê? Com isso em mente, continuei atento aos arredores.
Nada mudou, até que o chão de pedra de repente acabou, era o fim daquela vida, de tudo, eu estava a um passo de sair da muralha. Um certo frio subiu pela minha barriga, embrulhando meu estômago.
“Vai ficar tudo bem, vou dar um jeito, nem que eu tenha que comer um demônio. A carne é venenosa, mas não vou morrer, então, que diferença faria?”
Respirando fundo, tentei continuar, estava a um passo de sair, há apenas um passo, mas algo me impedia, como se dissesse: “Não vá” Uma voz feminina, maldita fosse, como ela estava? será que havia almoçado? Na verdade, que horas eram? O mundo lá fora era tomado pela noite eterna, não importa o quanto esperasse, nunca seria dia.
— Ela é alguém de fora, não temos o mesmo sangue, nem sei seu nome, então, para que me preocupar? Já deixei algo para ela poder viver, já chega, tenho que continuar, é meu caminho, e foi o que escolhi… — Suspirando, forcei minha perna para frente, que desceu até a areia desnivelada do piso. Por um instante senti uma falta de ar, não, não era bem isso, era como um peso no coração.
O guardião prateado estava na linha de frente, sua lança azul e prata descia e subia levando a areia do chão, gerando ventos que derrubaram as magras criaturas e enchendo seus olhos de poeira.
Aproveitando da oportunidade, me lancei ao vasto deserto negro.
“Existem tantas coisas lá fora, eu preciso encontrá-las, preciso descobrir… eu PRECISO!!” Meus pés não pararam, não podiam parar, eu tinha certeza, pois se olhasse para trás naquele momento, eu voltaria.
Fumaça se levantava da areia queimada, impregnando o deserto com o fedor das cinzas. À minha direita um homem gritava por socorro, dez à esquerda. Sem poder fazer nada, observava aqueles que protegiam a cidade queimar, junto às criaturas que os consumiam. Meus pés me traíram, pisando torto, senti minha perna toda se dobrar, seguido por uma dor no calcanhar.
Tentei continuar, mas algo de repente prendeu minha perna direita. Garras, tão longas quanto o próprio braço da criatura que saía da areia, um ghoul. Apertando meus arpões, tentei fincá-los em seus braços antes que ela pudesse me atacar, quando uma dor angustiante percorreu todo meu braço direito; dentes furiosos de um cachorro se encontravam lá, não, um demônio, Cães do inferno, via isso em seu olhar.
Cerrando os dentes, resisti à vontade de gritar, fincando o arpão livre no pescoço do demônio, tentei me soltar, até perceber outro cão do inferno vindo da esquerda. Imediatamente tentei puxar minha arma da cabeça da criatura, mas algo pareceu prendê-la. Respirando profundamente, tentei usar meu “poder”, mas a criatura pulou em minha direção.
Chutando-a, tentei acertá-la, quando seus dentes se prenderam à minha perna. Além de meu próprio corpo, não havia mais armas, mas meu equilíbrio já estava diminuindo por causa das criaturas que instintivamente me puxavam para lá e para cá.
Assim que minhas pernas fraquejaram, não consegui resistir à queda. Minha respiração se intensificou, senti algo quente correr por entre minhas veias e, parar…
Nada… sem calor, sentimento de algo esquentar ou qualquer outra coisa que pudesse me salvar.
Eu apenas aguentei, e mesmo os cães do inferno que rasgavam minha carne e se alimentavam não conseguiram me fazer gritar, mas no momento que aquelas garras afiadas como agulha subiram por meu corpo, como se mostrasse o caminho a qual faria, um imenso frio subiu por minha espinha.
Eu não sabia, mas ghouls eram especialistas em torturar, como resultado de sua morte rancorosa. E fazendo jus a seu nome, a criatura fincou suas garras em meu quadril, perfurando lentamente a pele por dentro de minha perna. Era impossível segurar o berro dentro da boca, não conseguia me mover, nem desviar das mãos pútridas da criatura, que subiam junto às suas garras de lâminas, perfurando cada vez mais.
…
Minha garganta doía, e dificilmente conseguiria tirar qualquer som dela agora. Fechando os olhos, preferi não ver o que estava acontecendo, ela já havia percebido, a criatura, eu não estava morto, nem morreria.
Perseguido pela maldição que aqueles bastardos tanto desejavam. Onde foi meu erro? Eu perguntava, tentava descobrir, tanto que minha única companhia nesses anos foram os livros daquelas velhas bibliotecas, uma no colégio e outra que eu mesmo havia criado…
“Quero voltar lá…” Minha mente aos poucos se apagava, se fosse dado tempo o suficiente, em algumas horas meu corpo se recuperaria, mas por não poder me mover, teria que sofrer daquela tortura novamente. “Eu não quero…”
Minha mente aos poucos se apagava, quando um apenas um pensamento ecoava: “Eu não quero mais sofrer…” E nesse instante, eu ouvi uma voz…
— Vasto o mundo em que vivo…
E um chamado…
— … a vida que o pertence…
“…, mas nada se compara…”
— AS SOMBRAS…
“… QUE O REGEM!!”
{Origem}
Uma onda de chamas negras se espalhou pelo deserto, queimando mesmo a poeira no ar. Cadáveres e criaturas simplesmente desapareciam, como se nunca tivessem existido. Até que uma voz soou, mais alta que qualquer outra, ecoando pelo vasto deserto, movendo as sombras e parando o próprio tempo.
— [CONTROLE] —
E o dono dessa voz, não havia outro, Claudio.
…
Tocando a cabeça de Ezequiel, ele arrumou o cabelo do menino que dormia quietamente. — Mesmo que não queira meu sobrinho, esse é nosso sangue, as “orações” fazem parte de nós.
De seu cabelo a mão desceu, percorrendo o queixo, peito, barriga, apagando as chamas negras sobre o menino, que estava coberto, revelando um corpo tão belo quanto o de um próprio anjo. Não havia marcas ou manchas, apenas a perfeição.
— …, mas, como faço para trazê-lo de volta? Meu querido?
Pegando Ezequiel nos braços, ele deu um passo, apagando as chamas negras que haviam se espalhado pelo arredor. Tanto os monstros quanto os cavaleiros não se moviam, era como se estivessem congelados no tempo.
Olhando novamente para seu sobrinho, Claudio viu um corpo magro, cheio de marcas e cicatrizes.
— … não tem jeito, parece que terei que continuar. — Caminhando em direção ao portão da cidade, ele o levou em seus braços. Aqueles que estavam ao seu redor de repente começaram a se movimentar, mas ninguém parecia preocupado em se prostrar, ou mesmo se apresentar, como se nem ao menos podiam os enxergar. — Esse é um mundo cheio de dores, onde todos estão fadados a falhar. Vamos ver, meu sobrinho, o quanto você vai aguentar…
— Próximo Capítulo – Fé —
NOTAS

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