Progenitor das Sombras

    Caderno 1 – Sangue de Magma

    Capítulo -1 parte final

    Um sorriso se abriu no rosto de Cláudio ao ver o cavaleiro abaixar a espada, ele a observava com antecipação. Agora eu tinha certeza, pois era algo que esse homem nunca faria em uma situação comum, aquela arma era especial.

    — Você não deve fazer isso — disse o cavaleiro — não implore, isso não é digno de seu nome.

    — Vá embora daqui! — Ezequiel gritou se prendendo ainda mais forte na perna de Cláudio — VAI! Você está atrapalhando tudo!!

    — Aprendi sobre esse mundo e vim buscá-lo, há muito do conhecimento que você desejava. Vou levá-lo para o…

    — Não importa, apenas vá embora… — Antes que Ezequiel pudesse terminar, Claudio o lançou para longe com seu pé. O cavaleiro tentou se mover, mas logo em seguida algum tipo de estaca apareceu do chão, cortando o ar em minha direção. O cavaleiro me protegeu com sua espada, mas Cláudio já estava novamente com Ezequiel.

    — Eu me lembro, era assim que seu pai fazia, fiquei sabendo que você fez o mesmo com uma criança na cidade — disse Claudio apertando o pé contra a cabeça de Ezequiel na areia escura. — Não, ele fazia diferente — Chutando a cabeça do menino, ele colocou o pé em sua mandíbula.

    — MALDITOO!! LARGUE-O AGORA MESMO!!!

    — Primeiro, sua mandíbula… — Claudio apertou o pé, o garoto tentou resistir, mas o som de seus ossos se quebrando ecoou pelo deserto. O cavaleiro correu em direção a eles, brandiu sua espada imbuída em chamas com extrema ferocidade, mas assim que se aproximou o suficiente, Claudio tirou um segundo arpão de sua roupa, o lançando em minha direção. O cavaleiro tentou agarrá-lo, mas passou direto por sua mão. Nem ao menos pude fechar os olhos, apenas vi o item se aproximar, mas mesmo se pudesse me mover, não ia conseguir desviar. Porém, junto ao arpão, outra coisa vinha em minha direção. Foi o tempo de um piscar de olhos e o tinido do metal ecoar, senti algo cortar minha garganta, sangue se derramou, pude senti-lo escorrer, mas tinha certeza de que o corte não era profundo. Ah, meu braço também parecia ter sido perfurado por algo, maldição, a dor começou a se espalhar rapidamente.

    O ambiente já frio se tornava ainda mais, não, talvez nem fosse o ambiente; a parte interna de minha armadura tinha proteção contra o frio, mesmo assim eu sentia aos poucos estar congelando, eu estava morrendo.

    Os terremotos tomaram o chão, mesmo que o corte em meu pescoço não fosse profundo, cada segundo que passava aquilo cortava ainda mais minha garganta por causa dos tremores. Eu não queria morrer, forcei meu corpo a se afastar, mal tinha forças, mas se aquele menino naquele estado conseguia, por que eu não? Depois de uma árdua tentativa consegui ver o que acontecia: Claudio segurava a cabeça do Cavaleiro das Trevas, que estava caído na areia, ajoelhado. Ezequiel gritava, tinha certeza disso pelos movimentos de sua boca, mas já não conseguia ouvi-lo.

    Maldição, agora eu via o que perfurava meu pescoço, era a espada do cavaleiro, que por causa dos tremores descia cada vez mais em minha direção. O quão pesada ela devia ser? Não faria diferença quando minha morte chegasse. Talvez conseguisse me mover melhor se não estivesse com a armadura, mas estava feliz por estar com ela, já que a muito tempo éramos companheiras, e infelizmente cheguei ao meu limite. Nenhum milímetro do meu corpo se moveu, a espada ainda descia, mas agora pude ver aquilo que aos poucos lançava a morte sobre meu pescoço, a criatura que gerava os terremotos.

    Não era apenas grande, era a “mãe” das criaturas. “O berço de Équidna”, uma das sete bestas da criação. Eu não podia ver o tamanho total de seu corpo, apenas sua cabeça cascuda como a de uma tartaruga, pois seu corpo era tão grande quanto o próprio “mundo”. Merda, as pessoas naquela cidade iriam morrer, nem ao menos pude completar o objetivo de minha raça.

    Se eu tivesse uma segunda chance…

    [Eu falhei, mas espero que você possa ensinar a ele tudo que eu não pude…]

    Minha visão desceu novamente para Cláudio. Rachaduras percorriam toda a extensão da cabeça do cavaleiro, algo estava estranho, algo saia daquelas fendas, uma energia escura, como se estivesse se esvaindo. Ezequiel ainda estava lá, implorado. Eu não o culpava, eu desejava fazer a mesma coisa, mas nem isso eu podia, que humilhação, tanto para ele quanto para mim…

    A espada tocou novamente minha armadura, talvez se eu conseguisse ir para baixo, fugiria de sua lâmina, mas não dava. Consegui virar minha cabeça para o céu, queria observá-lo antes de partir, agora já era, só me restava esperar…

    [Aceite]

    — AAAHHHHHHHHHH…….

    Gritos ecoaram, tão altos que pareciam ecoar em minha própria mente. Era a voz de Ezequiel, eu não o via, mas pude ver algum tipo de energia sombria subindo aos céus como fumaça em um incêndio florestal. Parecia interessante, mas já não importava. E de repente, uma luz… tão branca quanto a névoa da cidade em dias de inverno, ela tocava meu corpo, não, minha armadura, mas eu sentia como se tivesse tocando em mim. E naquele céu escuro, sombrio e solitário, vi com meus próprios olhos o nascer de uma lua, e foi quando percebi minha auréola brilhar.

    Estava acontecendo, algo que estava nos escritos dos nossos ancestrais, algo que não acontecia há tantos anos quanto era possível contar. Um novo mundo estava para nascer. Por estar mais próximo provavelmente iria ser o primeiro de minha espécie a ser chamado, tinha que aceitar, era minha chance de renascer! Éramos os mediadores, podíamos nos espalhar, então, eu só precisava aceitar antes que alguém fizesse isso em meu lugar.

    Tentei mover minha boca, mas tanto areia quanto cinzas entraram em minha boca. Não conseguia juntar ar em meus pulmões. Não! Forcei minha voz a sair… — Eyu… — e um som estranho saiu de minha boca — iYu… — Era apenas uma frase, pequena, eu devia conseguir, mas senti o desespero correr pelas minhas veias ao perceber que não funcionava. Foda-se se estava errado, eu só podia continuar. E se não desse certo… bem, nesse caso, não teria o que fazer… — aci…to…

    A luz se apagou e minha visão escureceu. Silêncio, eu sabia que não iria dar certo, provavelmente alguém tinha aceitado o trabalho antes de mim. Éramos guardiões, sempre que um novo mundo nascia alguém de nossa espécie era chamado para guiá-lo e nutri-lo.

    — Devia ter sido eu… — eu disse em meu pensamento, é, realmente deveria ter sido assim, só assim eu poderia mostrá-los como sou forte. — Queria jogar na cara daqueles que me expulsaram de casa, para que assim pudessem reconhecer o meu valor. — De repente vi minha auréola em minha frente, brilhava em um tom branco amarelado, a cor original dela antes de eu usar todo seu poder contra o cavaleiro, aquele que tentou me ajudar. Que idiota fui…

    De repente uma tempestade se formou dentro da escuridão, brilhos, pontos incessantes de luz começaram a se juntar. Não entendia aquilo, nunca tinha visto algo assim antes, mas era belo. E de alguma maneira começou a se expandir, e em questão de segundos meus arredores estavam cheios, não apenas de brilhos, mas energia, uma energia tão pura que eu nunca conseguiria controlar. Não antes, mas agora ela entrava em meu corpo por conta própria. Foi quando percebi ainda estar deitado.

    Me levantei empurrando o chão vazio, era uma sensação estranha, mas funcionava. Minha auréola me seguiu à medida que me levantei, a toquei tentando pegá-la, porém, logo a soltei quando algo incomum aconteceu: O brilho dourado começou a se esvair e um preto se acumular dentro da peça. Era comum de nossa raça ter um brilho dourado em sua auréola, não devia ser assim, estava errado, mas aquela energia me chamava ao mesmo tempo que ressoava em mim, era tentador. Eu a peguei, e a energia escura de repente se condensou emanando ao seu redor uma luz meio esbranquiçada.

    Não tinha certeza do significado daquela cor escura, mas a energia sendo emanada ao seu redor significava pureza; vi isso com alguns anciãos da nossa tribo, mas nem mesmo nossos anciãos tinham em suas auréolas algo como essa cor.

    Pegando a peça, a coloquei em minha cabeça; lá estava eu, no deserto, vendo mais uma vez algo que antes eu nunca poderia imaginar…

    — O que esse tolo não conseguiu… você deve ensiná-lo… — Não tive tempo de reagir, pois no momento que peguei a espada negra na areia e a brandi na tentativa de interferir, a espada desapareceu. Meu corpo caiu no chão ao perder o equilíbrio, era uma espada tão pesada quanto eu tinha imaginado. Minha visão novamente se tornou meio turva, minha respiração ofegante, mas tinha certeza que agora não iria morrer. Porém, apenas vi a cabeça do cavaleiro desaparecer. “Vazio”, não havia nada lá, e esse foi o dia que meu mundo todo mudou.

    Uma segunda vida, uma segunda chance, mas dessa vez havia uma lua naquele mundo para me observar. E em minha própria frente vi a morte de uma criatura das sombras, não uma sem forma e irracional, mas um cavaleiro forte e sentimental.

    Ezequiel abraçava o corpo caído que como fumaça desaparecia. De repente uma luz, roxa, brilhante como a luz da lua; Ezequiel a pegou, parecia ser algum tipo de cristal, mas Cláudio o pediu. O menino se negou, o homem então estendeu a mão fazendo os braços dele caírem na areia, foram decepados até sua base. O menino abriu a boca, parecia estar gritando, mas de repente se jogou em sua mão no chão. Claudio o chutou, fazendo o cristal sair da mão decepada, mas o menino se jogou no cristal, o engolindo com areia, cinzas e tudo.

    Minha visão falhou, não conseguia enxergar àquela distância, mas de alguma forma consegui ouvir o que eles diziam:

    — Mate-me, faça isso, agora… — Ezequiel, sua voz estava cansada, meio trêmula. Cláudio não respondeu, o menino repetiu: — Faça, eu estou mandando! Se você não fizer isso agora, eu vou atrás de você.

    E então ele respondeu: — Não, você não vai, porque se for, vai estar fazendo exatamente o que eu quero de você. Ah, meu sobrinho, você não tornaria as coisas tão fácil assim para mim. — O silêncio ecoou por um instante, até que ouvi o som de algo caindo na areia. Provavelmente era Ezequiel, que devia estar completamente cansado.

    Meus olhos já não me ajudavam, não sabia o que estava acontecendo, e por um instante pensei que Cláudio faria algo comigo, mas apenas ouvi sua voz: — É uma pena, um desperdício de poder.

    O silêncio tomou o deserto, não sabia o que tinha acontecido com aquela criatura ou o que aconteceria com Ezequiel, mas ouvi uma coisa; a última coisa que Cláudio disse antes de partir, e aquilo me incomodou. Não apenas seu tom, mas a própria frase em si, aquilo imensamente me incomodou…

    — Aguente firme, meu querido sobrinho. A partir de agora, tornarei sua vida em um inferno.


    NOTAS: Nothing here too.

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