Capítulo 41 – Mais Humano
Um barulho alto de explosão de repente ecoou pela caverna escura, pega desprevenida, Cecília congela no lugar. Mal teve tempo de pensar quando seu corpo se moveu por vontade própria.
Usando as rochas da parede como apoio, ela seguiu pelo único caminho por onde Ezequiel poderia ter ido. A passagem era extremamente quente e úmida, diferente da área próxima à piscina de pedra, que era tomada por um ar fresco.
Cecília toca a parede à sua esquerda, estava úmida, tanto que seus dedos escorregaram pelas rochas pontiagudas. Era incômodo não ter um bom suporte, mas um grunhido estranho quase imperceptível a incomodava bem mais que aquilo.
Imediatamente a garota imaginou que Ezequiel era quem estava por trás disso. Desejando saber como ele fazia para impedir as bestas de se aproximarem daquele lugar, ela seguiu rumo ao barulho.
Não demorou para que ela o encontrasse – apesar de não ver Ezequiel ou a besta, pois se escondeu na curva do caminho ao ver algo grande caído num canto da passagem. Ela ouviu passos, um caminhar leve deslizando pelas poças poças de água perto da grande criatura caída, um búfalo. Sua respiração ofegante e suspiros forçados demonstravam o quanto estava acabado.
Através do som Cecília mentalizava a cena: Ezequiel se aproximava do corpo da besta que respirava com dificuldade. Seus passos afastavam o sangue denso, que havia jorrado das feridas da criatura e se espalharam por todo o arredor. Ele não se incomodava de pisar ali, apenas parou ao lado do monstro e o atacou.
O *splat* de algo penetrando a carne da besta fez um arrepio percorrer a espinha de Cecília. Ela tapou os ouvidos, tarde demais, o som do interior do monstro sendo revirado fez seu estômago embrulhar. E o pior, algo a fazia acreditar que ele não estava apenas revirando o corpo do monstro. O som de mastigação escoava pelo túnel.
“Droga, por que ele tá fazendo isso?”, ela se perguntou preparada para tirar a prova daquela situação inacreditável. Deu um passo em direção à passagem quando algo a segura por trás, tampa sua boca e seu nariz.
Cecília joga seu braço direito para trás, porém, acerta a parede de rochas pontiagudas fazendo uma ferida em sua pele. Seu pé escorrega, seus sapatos suados já estavam estragados a muito tempo. Estava totalmente impossibilitada de se mover agora.
— Sua tola, o que está fazendo aqui? — soa a voz de Ezequiel, que a arrasta para trás depois da garota se acalmar ao ouvir sua voz. — Não podemos voltar, vamos ter que continuar por esse caminho. Fique em silêncio.
Soltando a boca e o nariz de Cecília, Ezequiel passou a mão por sua cintura e a instruiu: — Vou guiá-la, respire e olhe para a esquerda. Se preferir feche os olhos, ‘ela’ só a enxergará se você a olhar. Mantenha sua respiração.
Sentindo o garoto a empurrar com seu corpo, Cecilia se torna inquieta. O som de mastigação ainda perdurava, e ela passaria bem ao lado daquela criatura?
“Não! De jeito nenhum!”, ela tenta expressar seus pensamentos em palavras, mas é parada por Ezequiel. Tapando a boca da menina, ele diz:
— Protegi você até agora, só estaremos em perigo se não me ouvir. Me ouça. Enquanto fizer isso, nunca correrá real perigo.
Respirando profundamente, a menina sente Ezequiel a conduzir. Sua mão segue em direção a parede à sua esquerda, raspando de leve nas pedras perfurantes.
Ela tentou ficar o máximo que pode à esquerda do túnel, principalmente ao se aproximar do monstro que ainda se alimentava.
“Apertado”, ela pensou depois de alguns passos, ao começar a sentir a respiração pesada da besta se alimentando do búfalo à sua frente.
Algo gelado percorre seu braço direito, a sensação gélida e gelatinosa a desconcerta. Era a pele da criatura.
— Calma — Ezequiel sussurra pegando sua mão direita. Ela se acalma um pouco, até sentir ele prensar sua mão contra a pele do monstro.
— O que está fazendo!? — ela pergunta com nojo em sua voz, como se estivesse tocando em uma barata.
— Te mostrando, faça silêncio.
O búfalo era tão grande que ocupava quase todo o túnel, o outro parecia pequeno. Era apenas impressão, os dois tinham quase o mesmo tamanho, porém, o caçador era bem mais comprido que o búfalo.
Cecília viu algo longo se mexer mais a frente no túnel, era o vulto de uma cauda. Imediatamente ela imaginou ser de um réptil, e não estava errada.
— Quanto mais medo sentir dessas criaturas, mais elas te caçarão. Se souber o que elas são, onde elas caçam e quando atacam, não passam de bichinhos de estimação.
— Estimação? — ela perguntou incrédula com o pensamento do garoto.
— Está tocando em sua pele agora, o que mais pode ser se não um animal de estimação? — ele respondeu com uma risada. — Assim como fez comigo, tenta sentir a energia no corpo dele.
Engolindo em seco, a menina fecha os olhos e tenta sentir o primeiro fio da energia no corpo do lagarto. Um traço vem a sua mente, e ela abre os olhos o perseguindo. Um conglomerado de linhas vermelhas tão finas quanto uma agulha tomam o corpo da criatura, formando um corpo de energia.
Excitação toma o peito de Cecília, ela consegue ver a besta quase por completo em sua mente. Ela tinha quatro metros de comprimento, e eles estavam se aproximando de seu abdômen, que era tão grande quanto parecia.
— Irei guiá-la. — Ezequiel diz colando seu corpo no de Cecília.
Deslizando seus dedos sobre a parte de trás da mão de Cecília, ele mostra algo que ela inicialmente não entendia, mas conseguia sentir. Com um pouco mais de foco ela percebe a energia em movimento em seu próprio corpo, percorrendo sua pele e principalmente suas veias. Ezequiel estava realmente a guiando.
Seus dedos seguem para o corpo da criatura, e com eles, parte da energia da garota. — Não tente controlar, apenas siga o ritmo — ele instruiu.
Fazendo como ele disse, Cecília apenas deixou sua energia seguir a mesma rota que a energia da criatura. Aos poucos, cada vez mais as linhas se tornavam visíveis para ela, ao ponto dela percebê-las mesmo sem querer.
O som de um batimento ressoa no ouvido de Cecília, tão lento que ela ouvia o sangue se mover.
“O som do coração dele?”, ela pensou se referindo ao réptil.
Algo quente em seu peito faz ela fechar os olhos, ela tenta se aprofundar naquele sentimento. Algo como uma grande paixão incontrolável, um caminho novo e único.
Ezequiel puxa sua mão, trazendo a garota de volta ao mundo real.
— Isso…! — ela grita irritada, porém, faltavam palavras para completar a própria frase. Sua respiração e sua mente estavam completamente pesadas e inquietas.
— Essa é uma besta do tipo Guardião. Confia em mim, você não pode domar essa criatura.
— Domar? — ela perguntou ofegante.
— Você deve transformar o ‘Elemento’ em ‘Origem’ para domar essa criatura. Posso ensiná-la se quiser.
Apesar de não entender, Cecília sabia que era algo especial. Ela conhecia o elemento, mas que tipo de poder era essa tal Origem? — Você faria algo assim? Eu quero.
— Parece ter perdido o medo dela já que está falando tão alto.
Com um sorriso, Cecília tomou a frente rumo à saída. Ezequiel a guiava, impedindo que ela caísse em algum buraco.
Durante o percurso ele explicou porque as criaturas não se aproximavam daquele lugar. Ela nunca imaginaria ser outra criatura o motivo para isso.
— Trouxe ela até aqui sozinho? Isso enquanto eu corria para cá? — ela perguntou lembrando de sentir alguns machucados na mão de Ezequiel.
— É, eu tinha certeza que você não chegaria até aqui sem ajuda. Me deixou impressionado. Ter fôlego para correr tanto sem parar não é para qualquer um.
— Haha… estou um pouco acostumada. As aulas começam pelas oito e meia da manhã, tempo livre é o que não falta — ela disse envergonhada. Ezequiel caminhava ao seu lado, segurando sua mão.
— Você é uma boa garota, só falta aprender um pouco sobre as criaturas de outros lugares, há alguns livros na biblioteca sobre isso. Procure por criaturas míticas, divinas e históricas, vai te ajudar caso precise enfrentá-las.
— Pensei ser fantasia, por isso ignorei. Que tipo de besta é aquele lagarto? E o que é um Guardião?
— Criaturas Guardiãs… é complicado, apenas pense que ele é mais forte que outras criaturas. Quanto ao tipo, também não sei.
— Não sabe? — ela perguntou surpresa.
— Pois é, ela tem traços de outras criaturas, mas não sei o que é ainda. Por isso a trouxe para cá, não quero que os homens de Cláudio o descubram.
— Você me fez andar até aqui por aquele monstro? Isso não é possível! É?! — Cecília pergunta surtada.
— Ops! Se eu disser que não, você acreditaria? — rindo, Ezequiel puxa o braço da menina que estava a ponto de soltar um grito de raiva. — Esse é o melhor lugar para fazer um portal, estávamos vindo para cá desde o início. Preocupa não.
Uma fraca luz avermelhada chama a atenção de Cecília, que percebe ao longe um portal triangular com runas esculpidas em suas laterais. Mas por quê ele tinha aquele formato estranho?
— Então vamos ir por um portal? Você o fez?
— Pensa que não consigo? — Ezequiel perguntou buscando o ovo de barro um pouco mais à frente na passagem. — Posso fazer qualquer coisa que desejar. Pense em mim como um gênio da lâmpada, ou um mago. Se quiser posso mudar seu futuro, te trazer tristeza ou felicidade, amor ou solidão. É só me pedir.
— Qualquer coisa? — ela perguntou com um tom de interesse.
— Desde que traga consequências apenas a você mesma, posso fazer.
Indo até o portal com o ovo em suas mãos, Ezequiel começou a desenhar algo em sua casca. Cecília se aproximou considerando o que deveria pedir.
— Se eu pedir para ser feliz, poderia fazer isso? — ela perguntou.
— Diga-me o que é felicidade e te darei — ele falou sem pestanejar. — Me joga as sementes.
Indo até onde ele estava, Cecília entrega as sete sementes que coletou. Guardando seis delas, Ezequiel mordeu a última e a cuspiu no ovo de barro.
A escuridão da caverna diminuía a visibilidade, porém Cecília sentia algo frio vindo das mãos do garoto.
“Que curioso”, ela pensou.
— Está pronto, vem. — Esticando a mão, Ezequiel esperou que ela a segurasse, mas ela apenas sorriu.
— Talvez eu queira segurar sua mão, me sinto segura fazendo isso. Estaria disposto a segurar a minha com a mesma intenção?
— Queria saber o que se passa na sua cabeça para dizer algo tão aleatório.
— Qual o problema? — ela retrucou num tom de zombaria — Apenas leia minha mente como fez antes.
— Posso fazer isso, seria fácil. — Aproximando-se de Cecília, Ezequiel segurou sua mão. — Mas que graça teria? Se apenas deixar rolar, jogar na incerteza, consigo aproveitar cada instante.
— Eu gosto disso — Cecília exprimiu absorta nos olhos do garoto à sua frente.
— Gosta? — ele perguntou com um sorriso.
— Demais…
Puxando ela para o portal, eles passaram ao mesmo tempo e logo saíram na pequena ilha de Cecília, no mesmo lugar de onde vieram. Estava escuro, mas a ponto de amanhecer.
— Eu quero viver bem, e estar em paz no final — ela concluiu depois de pensar bastante.
— Posso te dar quatro caminhos felizes, sou um bom mago. O que mais você quer?
— Quero… explorar… — ela disse depois de uma longa pausa. Ezequiel pensou que ela explicaria o porquê de querer aquilo, mas percebeu que não faria.
— Está feito.
— Mais já?! — ela exclamou surpresa.
— Sou um bom mago — ele disse seguro de suas palavras.
Demonstrando descontentamento em seu rosto, Cecília responde: — Os Magos fazem o que podem pelos outros sem prejudicar as leis naturais, mas você disse ter mudado meu destino.
— Sim — Ezequiel afirmou.
— Então é capaz de fazer qualquer coisa, até alterar o destino. Não é humano, e se auto denomina um ser transcendente, um mago.
— Um ser transcendente é demais, sou apenas um humilde mago, mas e daí?
— Você é um feiticeiro — a garota disse com um olhar sério —, e um que usa de magia proibida para mudar o destino dos outros.
Se aproximando, ela enfrenta Ezequiel de frente, concluindo: — Pode me prometer algo?
— Recuso — ele disse impiedosamente.
— Leu minha mente?
— Como se precisasse fazer algo assim para saber o que está pensando.
Deixando escapar um sorriso, Cecília laça o pescoço de Ezequiel com seus braços, dando-lhe um selinho no canto da boca.
Pêgo de surpresa, ele apenas a observa sem reação. A garota ainda com um sorriso no rosto diz: — É mais divertido quando não sabemos o que está por vir. Não é?
— Seu amigo vai me odiar. Vou te assumir, terá meu sobrenome.
— Está pensando em casamento?! — Cecília pergunta soltando uma gargalhada. Por algum motivo parecia mais charmosa que o habitual.
— Casamento? Só tive certeza de algo, ele vai enciumar. O que acha, Cecília Vour D’ Lor?
— Vour D’ Lor? Esse é seu sobrenome?
— Apenas por parte de mãe, não o considero tanto. De qualquer forma, evite fazer esses ataques surpresas.
— Por quê? — Ela perguntou com um olhar de malícia — Pensa que eu sou atirada e faria a mesma coisa com ele?
— Se quiser fazer, apenas faça. Não é da minha conta — ele respondeu a afastando.
— Não mesmo — ela afirmou virando-se para o lago que circundava a ilhazinha. Acelerando seu passo, ela deu um grande pulo giratório de bailarina em direção a água.
Cecília parou de pé no ar acima do lago, como se pisasse em uma plataforma invisível, virada para Ezequiel. Uma ponte antiga se revelou. A menina que agora olhava para Ezequiel concluiu sorrindo:
— Se você não sentir ciúmes, ele também não sentirá. E você é a única pessoa além de mim que pode entrar nesse lugar. Prometa como um bom feiticeiro manter segredo e me visitar sempre.
— Você queria me pedir isso naquela hora?
— Aceitaria se fosse outra coisa?
— Pensei que pediria para esconder esse poder, ou não usar ele.
Apesar de esperar por uma explicação por parte dela, Ezequiel apenas recebeu um sorriso compassivo e um olhar apaixonado. — Alguém está me chamando lá fora. Me prometeu ensinar sobre essa Origem, não se esqueça.
Virando-se, Cecília passou pela ponte e sumiu depois de alguns passos.
— Parece haver uma barreira em todo esse lugar, pode sair agora. — Ezequiel diz aos ventos, não havia ninguém além dele naquele lugar. Porém, uma voz áspera responde:
— Está apaixonado por aquela garota?
— Apaixonado? — ele repete fingindo não ter entendido a pergunta de Artéraphos, que saia das sombras. — Disse voltar em três dias, mas voltou em apenas algumas horas.
— O que posso fazer quando o tempo passa sem passar? Fiquei um mês procurando a casa de meu pai, quando voltei a esse mundo, apenas algumas horas tinham se passado.
— Se voltou tão cedo, devia ter vindo até mim lá embaixo. Encontrei um lugar muito bom — ele disse apontando para uma passagem obscura do tamanho de uma bola de futebol na árvore. Ela estava se fechando.
— Poderia ter ido se não sentisse o perigo que me aguardava.
— Perigo? — Ezequiel perguntou desconcertado. — Verifiquei tudo, tenho certeza que nada ali poderia te machucar.
— E você se colocou nessa verificação? Antes de qualquer coisa, devia sair em busca daquela garota, algo divertido está acontecendo lá fora.
— Algo divertido? — Atravessando a ponte antiga e saindo de dentro da barreira, Ezequiel viu a silhueta de algumas pessoas. A voz de Cecília era evidente:
— Tomaram meu lugar?! Como?!!
— E-EU NÃO SEI!! — respondeu uma voz feminina, era a amiga de Cecília. — Estou te chamando desde ontem a noite, mas não tive resposta. O que aconteceu contigo?!
— Eu… eu estava dormindo…
Olhando para trás de Cecília, a menina logo vê Ezequiel sair da barreira. — Me explica isso mais tarde, se conversarmos com o Mestre Professor Zhao, talvez ele possa recuperar seu status e te promover a Santa. Vem!
Seguindo a menina, Cecília desapareceu no horizonte. Mas ainda restavam duas pessoas além de Ezequiel e Artéraphos naquele lugar.
— O que estava fazendo com ela? — Aproximando-se de Ezequiel, um estudante de cabelos acinzentados perguntou com arrogância. Era o mesmo que havia procurado problemas com ele anteriormente.
— Isso não é de seu interesse.
Pegando Ezequiel pelo colarinho, o estudante o puxou com força, mas Ezequiel nem ao menos se moveu.
— Fique longe dela, isso não é um aviso. Meu irmão está voltando para a cidade e tomará ela como esposa.
— E daí? — Ezequiel disse com desdém. — Acha que Ethan pode fazer algo comigo?
Levando suas mãos até os braços do estudante, Ezequiel segurou seus pulsos de leve e continuou: — Faz quase nove anos desde que brincamos pela última vez. Naquele tempo eu sempre era o culpado pelas merdas que vocês faziam.
— Sente raiva por isso, é? — Apesar de sua arrogância, o estudante sente seus pulsos queimarem e tenta se libertar.Ezequiel mal o segurava, mesmo assim estava o ferindo.
— É sério, acha que consegue me impedir neste lugar? Esqueceu o motivo de eu estar aqui?
— Como esqueceria, seu assassino desgraçado! Só fique longe dela, o que traria de bom àquela garota?
— Apenas pense um pouco. Se nem meu pai conseguiu naquele tempo, seu irmão conseguiria protegê-lo de mim? — Ezequiel balançou o estudante, como se quisesse acordá-lo. — Pense! Eu realmente não ligo, faça o que quiser, mate quem quiser. Jogue a culpa em mim se sentir vontade. Mas não fique no meu caminho. Se ficar, pena será a última coisa que sentirei por sua alma. Esse é meu último aviso.
Soltando os pulsos do estudante, Ezequiel o liberou. Porém, ele apenas o fitou com um olhar esquisito antes de finalmente se dar conta de estar livre. Seus pulsos estavam doloridos e queimados.
Saindo da floresta, o estudante também desapareceu no horizonte. Agora restava apenas mais uma pessoa, e este vestia um manto que cobria o seu rosto, impedindo saber se era homem ou mulher. Mas havia algo interessante naquele manto, um símbolo de olho.
— Deseja algo comigo? — Ezequiel perguntou, mas a pessoa apenas se virou e desapareceu.
— Sabe quem é? — perguntou Artéraphos.
— Nem ideia.
— Parecem estar ligados àquela garota. Ela tem o cheiro dos reinos superiores.
— Acredite ou não, ela consegue usar artes oculares e a Origem.
— Ann?! — A voz de Artéraphos saiu quase engasgada. — E ela viu através de você?
— Viu nada, ela pode apenas observar as energias em meu corpo. Mas ela deve ter encontrado sua presença.
— Eu teria percebido caso acontecesse. Espera, está tentando me fazer parecer fraco? Agora sou o herdeiro direto do Mestre criador de todas as sombras, se eu quiser, posso destruir tudo nesse mundinho. — Artéraphos disse em um tom orgulhoso.
— Você é uma sombra, naturalmente tem o poder de fazer isso. Mas tentaria algo tão idiota na minha frente? — Ezequiel retrucou com um sorriso malicioso.
— Ahh garoto, hehehe, quer disputar? — Vendo Ezequiel voltar-se ao colégio, Artéraphos o seguiu de perto.
— Tem algo para resolver por esses lados? Pensei que iria embora. — Ezequiel questionou ao ver Artéraphos o seguindo.
— Tenho alguns assuntos, não é tão importante. Tem algo me incomodando, você parece diferente de antes, parece se lembrar de tudo.
— Depende do que for tudo.
— Sua vida, seu passado com seus familiares. Aquele garoto é de sua família, certo?
— Ele é meu primo, e eu lembro do meu passado. Porquê?
Apesar de duvidar das palavras de Ezequiel, Artéraphos sabia que não podia desacreditar delas.
“Sua memória deveria ter sido consumida, como ele poderia se lembrar?”
— Ao invés de tentar especular, vou perguntar. Como consegue se lembrar?
Levantando sua mão, Ezequiel pegou um galho de árvore e o quebrou. Balançando de lá para cá como uma varinha mágica, ele apontou para um certo local à direita de Artéraphos.
— Se ali houvesse um tesouro que desejasse, você o buscaria?
— Eu buscaria.
— Mesmo se ali fosse o local de sua morte?
“Local de morte? Eu sabendo que aquele seria meu túmulo?”, Artéraphos pensou incomodado. É claro que ele não entraria se soubesse disso, porque alguém entraria?
Ezequiel completou: — Se entender por que eu entraria, entenderá o motivo de eu lembrar de tudo. Afinal, é a mesma coisa.
— Hm… você gosta de fazer rodeios. Ta parecendo a Grande mãe. Será que é filho dela? Isto faria de nós irmãos.
Ezequiel riu e perguntou: — Ela é casada? Quer dizer, bonita? Deve ter gostado de visitar sua casa.
— Desconheço a aparência dela, vi apenas sua silhueta, um reflexo. De algo tenho certeza, seu poder é insuficiente para encontrá-la. O reverberar de sua voz pode destruir a realidade, seu olhar, criar um novo mundo. Quando for forte o suficiente te levarei até a casa de meu pai para encontrá-la.
— Oh, parece divertido. — Ezequiel respondeu voltando a caminhar para fora da floresta.
Artéraphos contou como foi sua viagem à casa de seu pai, pelo menos até onde ele se lembrava. O momento antes de entrar no domínio de sua mãe ainda era um mistério, mas foi interessante o suficiente para Ezequiel ficar entretido.
“Hm… por quê ele entraria em um lugar sabendo que esse seria seu túmulo?”, Artéraphos continuou se perguntando durante o caminho. A resposta óbvia é que Ezequiel não tinha medo da morte, mas isso era simplista demais e não fazia a cara dele.
“E como devo proteger um ser imortal da morte? Ah… como esse garoto pode ser tão igual a minha mãe? As Altas Sombras tem pensamentos tão complicados.”
Com tantas coisas em sua mente, Artéraphos percebeu ter um longo caminho pela frente. Mas teve certeza que seria divertido ao observar o garoto que caminhava poucos passos à sua frente, e sorridente questionava as coisas com vontade de saber.
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