Capítulo 1: Eu Não Quero Mais Nadar no Oceano

O dia amanheceu, mas Jimmy desejou, por um instante, não ter acordado. A escuridão do quarto parecia ser o único refúgio, o único lugar onde ele não precisava enfrentar o peso esmagador que o consumia por dentro. A cada novo dia, uma batalha silenciosa se travava em sua mente, uma tentativa de dar sentido a um mundo que se tornava cada vez mais sombrio. Ele puxou as cobertas até o queixo, tentando bloquear os pensamentos, mas, como sempre, eles o invadiam: a ansiedade que o sufocava, o espelho que lhe devolvia uma figura estranha, uma fome que ele havia aprendido a ignorar. Sentia-se dividido entre quem era e quem deveria ser, preso em uma solidão invisível, que ninguém via. Lá fora, o mundo seguia, alheio ao seu tormento, mas dentro de Jimmy, tudo estava despedaçado.
Murmurando, implorava a si mesmo apenas mais cinco minutos. Sabia que precisaria se levantar, mas isso parecia uma tarefa impossível em sua mente. A simples ideia de encarar as pessoas, as inúmeras faces que veria ao longo do dia, fez aqueles cinco minutos se transformarem em horas. Mas ele não podia ficar ali. Não mais. Sua única opção era se levantar e continuar vivendo sua vida falsa.
A luz do dia parecia mais fria, como se quisesse invadir o quarto e forçá-lo a encarar o que ele preferia evitar. Jimmy se arrastou para fora da cama, os pés tocando o chão gelado, mas nem isso parecia real. Seus movimentos eram mecânicos, como se o corpo estivesse em piloto automático, enquanto sua mente tentava se esconder em algum lugar distante. No espelho, ele mal reconheceu a imagem que lhe devolvia o olhar: os olhos cansados, o semblante pálido, a expressão vazia. Tudo o que ele via era uma versão de si mesmo que não sabia mais como carregar. No fundo, sabia que o mundo não pararia por ele, que ninguém perceberia as fissuras que se abriam em seu peito. E assim, ele seguiu em frente, como sempre fazia: ocultando as feridas, disfarçando a dor, e fingindo que tudo estava bem.
Caminhando lentamente até seu guarda-roupas, ele o abre e logo encara todas aquelas roupas. Eram muitas e muitas roupas, porém todas em preto e branco. Talvez elas representassem sua vida? Ele agarrava uma camisa de manga longa completamente branca, e a vestia. Logo após, colocava uma calça bem larga da cor preta. E por fim um par de tênis preto em branco. Logo após se vestir, ele se vira para o espelho, se encarando fixamente. “Porque um olho tá maior que o outro?” Se perguntava enquanto tentava arrumar o tal defeito em sua face, esfregando seu punho ao seu olho. Mas nada adiantava. “Meu rosto tá lotado de espinhas.” Diz Jimmy enquanto respira fundo.
Acordando para a realidade, ele pega sua mochila e sai do seu quarto. Se deparando com um longo e denso corredor. Talvez apenas seu quarto fosse seu lugar de conforto, e tudo ao seu redor apenas um vazio imenso.
Andando mais um pouco, ele se depara com uma escada de madeira, E logo começa a desce-la. Ao terminar sua descida, ele logo avistava sua mãe que estava assentada á mesa, já tomando seu café da manhã. “Mãe porque a senhora não me acordou?” Perguntava Jimmy.
“Você já está grandinho demais pra saber a hora que tem de acordar.”
Respondia sua mãe enquanto tomava uma xícara café.
“Ah, tanto faz.”
Responde o garoto enquanto pega uma torrada encima da mesa e sai para escola. “Menino mais ingrato…” Resmunga sua mãe enquanto termina seu café.
Correndo até seu ponto de ônibus, o garoto liga seu celular.
“Eii Jim, vc vai vir pra aula hj né?”
Recebendo a mensagem de seu melhor e único amigo, Lucas.
“Já tô até indo kkkk”
Responde enquanto abre um leve sorriso no rosto.
E quando já se dava conta do tempo, ele já estava em seu ônibus.
“Hoje agnt tem aquela prova de geografia né? Eu nem estudei ainda , topa estudar um pouco no intervalo?”
Diz Lucas em suas mensagens.
“Pode ser! Eu tô com a matéria toda cmg.”
Diz Jim encerrando o assunto.
Saindo do ônibus em frente á sua escola, Jimmy já se depara com seu amigo
Jimmy desceu do ônibus com passos lentos e arrastados, cada um mais pesado que o último. Lucas acenava para ele da entrada, o rosto amigável iluminado com um sorriso que, de algum jeito, conseguia trazer um pouco de calor ao peito de Jimmy. Mas aquele sentimento era rapidamente substituído pela onda de pensamentos ansiosos, como uma barreira que não o deixava se conectar verdadeiramente com a alegria do amigo.
“Finalmente chegou, cara! Eu tava achando que tinha te dado uma pane matinal de novo”, brincou Lucas, dando um leve soco no ombro de Jimmy.
Jimmy forçou um sorriso, tentando ignorar a agitação que sentia ao entrar no prédio da escola. Cada passo em direção às salas e aos corredores apertados era um lembrete das olhadas, das risadas baixas, das palavras duras que, mesmo sem serem ditas, ele sentia no ar.
Enquanto caminhavam até os armários, Jimmy ouviu as risadinhas abafadas de alguns colegas no corredor. “Olha só, lá vai ele, o estranho do espelho”, cochichava um garoto, enquanto outro dava risada. Jimmy apertou os lábios e fingiu que não ouvira, mas Lucas notou.
“Ei, esquece esses idiotas, eles nem sabem do que estão falando”, sussurrou Lucas, tentando consolar o amigo. Mas Jimmy não conseguia esquecer. Aquelas palavras ecoavam na sua mente, alimentando a distorção que ele via toda vez que olhava no espelho. O rosto, os olhos, o corpo – tudo parecia errado, deformado, como se ele estivesse vivendo em uma versão distorcida de si mesmo.
A primeira aula começou, e Jimmy se esforçou para focar na lição, mas sua mente vagava, presa em um turbilhão de pensamentos autodestrutivos. Ele via o reflexo no vidro da janela da sala e, mesmo sabendo que era só a sua imagem, sentia-se enjoado. “Por que você é assim?” perguntava a si mesmo, incapaz de encontrar respostas.
Durante o intervalo, Jimmy tentou comer alguma coisa, mas a comida parecia não descer, como se houvesse um nó em sua garganta. Ele pegou uma maçã, olhou para ela por alguns segundos e, sem pensar duas vezes, jogou no lixo. A fome parecia algo que ele não merecia sentir.
Lucas se aproximou, interrompendo seus pensamentos. “Cara, você tá bem? Tá meio pálido…”
“Só não dormi direito”, mentiu Jimmy, sentindo a culpa se acumular, mas incapaz de compartilhar o que realmente se passava em sua mente. Não queria sobrecarregar Lucas; já tinha o suficiente para lidar sozinho.
No intervalo, Jimmy e Lucas caminharam juntos pelo pátio em direção ao canto mais isolado, onde costumavam sentar. O barulho e o movimento de tantos colegas o deixavam inquieto, e ele preferia ficar afastado. Enquanto isso, Lucas puxava conversa, tentando distraí-lo:
“Eu tava pensando, depois da escola a gente podia jogar um pouco de videogame lá em casa, o que acha?”
Jimmy hesitou, encarando o chão. “Acho que não hoje… tô meio cansado.”
Lucas deu um suspiro, percebendo o tom distante de Jimmy. “Tá bom, só… não esquece que eu tô aqui, tá? Você sabe que pode falar comigo sobre qualquer coisa.”
Jimmy assentiu, forçando um sorriso, mas a verdade é que ele sabia que não seria fácil explicar. Nem ele mesmo entendia totalmente o que se passava em sua mente. Às vezes, queria apenas desaparecer.
De repente, um grupo de garotos passou ao lado deles, e um deles esbarrou propositalmente no ombro de Jimmy, fazendo-o tropeçar.
“Olha só, Jimmy, tem que cuidar melhor desse corpo frágil aí, hein?” provocou um dos colegas, com um sorriso maldoso no rosto.
Jimmy não respondeu, desviando o olhar para o chão, mas seu rosto corava de vergonha. Lucas deu um passo à frente, olhando fixo para o garoto.
“Deixa ele em paz, cara! Qual é o problema de vocês?” protestou Lucas, indignado.
O grupo deu de ombros e riu, saindo de perto enquanto um deles ainda murmurava algo como “esquisitão”. Jimmy engoliu em seco, sentindo-se exposto e vulnerável.
Lucas se virou para ele. “Jimmy, você não precisa aceitar isso, sabia? Esses caras são uns idiotas.”
“Eu sei, Lucas”, disse Jimmy, com a voz baixa, quase sussurrando. “Mas é como se… como se eu merecesse, sabe? Como se tudo o que eles falam fosse verdade.”
Lucas o olhou, a preocupação estampada no rosto. “Você não merece, Jimmy. Não deixa eles te fazerem acreditar nisso.”
Jimmy assentiu, mas a voz de Lucas parecia distante, como se fosse algo que ele não pudesse alcançar. Ele se sentia tão perdido que, por um momento, considerou a possibilidade de que Lucas estivesse melhor sem ele.
Durante as próximas aulas, Jimmy mal conseguia se concentrar. As palavras dos garotos ecoavam na sua mente, alimentando o turbilhão de pensamentos. Ele se questionava se todos ao redor também viam nele as imperfeições que ele próprio não conseguia suportar. A imagem no espelho de manhã, os detalhes que ele odiava, tudo parecia ressurgir com ainda mais força.
No fim da aula, Jimmy se isolou no banheiro, em um dos boxes. Ali, ele pôde deixar as lágrimas escaparem, cada uma trazendo à tona a dor acumulada que ele tentava esconder. Ele deslizou as mangas para cima, observando as cicatrizes finas e novas marcas em seus braços. Era uma dor que ele podia controlar, algo que trazia alívio, ainda que momentâneo, ao caos de sua mente.
Subitamente, ouviu um leve ruído do lado de fora da porta. Engoliu em seco e rapidamente puxou as mangas para baixo, ajeitando-se antes de sair. Mas, ao abrir a porta, deu de cara com Lucas, que parecia surpreso e preocupado.
“Jimmy, você tá bem?” perguntou Lucas, olhando-o fixamente.
Jimmy deu um sorriso forçado, tentando disfarçar. “Claro, só… só precisava de um tempo pra mim.”
Lucas assentiu, mas não parecia convencido. “Sabe, eu… eu sei que tem coisa acontecendo com você, e eu queria que você soubesse que eu tô aqui. Sério, Jimmy. Você não precisa passar por isso sozinho.”
Jimmy olhou para o amigo, sentindo uma mistura de gratidão e culpa. Sabia que Lucas se importava, mas sentia que sua dor era um peso que ele não queria que o amigo carregasse. Ele assentiu, sem dizer nada, e juntos, saíram do banheiro.
Naquela noite, em casa, Jimmy ainda sentia o impacto do dia, o peso das palavras, os olhares, tudo parecia crescer dentro dele. Depois do jantar, ele subiu para o quarto, tentando escapar do olhar frio de sua mãe, que parecia sempre ocupada demais para notar o que ele estava sentindo.
Mas algo o impeliu a um gesto mais extremo. Sentado no chão, ele deslizou a lâmina afiada pelo braço, o corte trazendo um alívio fugaz e dolorido. O quarto estava em silêncio, o único som era o de sua respiração entrecortada. Foi quando a porta abriu de repente, e ele congelou, vendo sua mãe parada ali, com os olhos arregalados.
“Jimmy! O que você pensa que está fazendo?!” ela gritou, a voz carregada de revolta.
Ele tentou cobrir o braço, mas era tarde. O olhar de sua mãe era de raiva, e não de compreensão.
“Eu… eu não consigo… me controlar,” disse ele, com a voz baixa, sentindo-se vulnerável e envergonhado.
“Isso é um absurdo, Jimmy! Eu tenho tanta coisa pra lidar e você aí, fazendo esse tipo de coisa! Você acha que o mundo gira ao seu redor?!” ela gritou, antes de sair e bater a porta.
Jimmy ficou ali, sozinho, o vazio se aprofundando. Sentia-se ainda mais despedaçado, a dor parecendo ainda mais aguda com a rejeição da mãe.
Na manhã seguinte, Jimmy acordou com o mesmo peso no peito, mas lembrou-se de uma mensagem de Lucas na noite anterior, sugerindo que eles se encontrassem mais cedo antes das aulas. Lucas havia insistido para que tomassem um café juntos em uma cafeteria próxima, e Jimmy, embora relutante, sentiu-se curioso – era raro receber um convite assim.
Jimmy saiu de casa em silêncio, sem encontrar a mãe, e foi ao ponto de ônibus com um leve receio. Ele hesitava, mas ao ver Lucas já esperando por ele, algo em seu peito pareceu relaxar.
“E aí, dorminhoco! Achei que fosse me dar um bolo!”, brincou Lucas, abrindo um sorriso contagiante.
Jimmy deu de ombros e sorriu de leve. “Eu só… precisava de um café, acho.”
Lucas riu. “Ótimo, então vamos lá! Tô com fome também.”
Os dois foram caminhando juntos, e o breve trajeto ao lado de Lucas deu a Jimmy uma sensação de normalidade. Ao chegarem à cafeteria, escolheram uma mesa perto da janela. O ambiente era acolhedor, e Jimmy se permitiu relaxar um pouco.
“Tá afim de um donut também? Hoje é por minha conta”, ofereceu Lucas, piscando.
Jimmy riu pela primeira vez em dias. “Ah, só porque você insiste…”
Lucas fez questão de pegar os cafés e os donuts, e quando voltou, o semblante dele estava radiante. “Aqui, senhor. O melhor donut da cidade!”
Jimmy deu uma mordida, e o gosto doce trouxe uma sensação confortável, quase esquecida. Eles conversaram sobre o que iriam fazer no fim de semana, e Lucas sugeriu uma partida de videogame.
“Mas você vai ter que pegar leve comigo, porque senão é sem graça”, disse Jimmy.
“Tá falando sério? Eu sou um mestre no jogo!”, brincou Lucas.
A presença leve e descontraída do amigo ajudava a acalmar os pensamentos de Jimmy, como se, por alguns momentos, ele pudesse esquecer a escuridão que o rondava.
Já na escola, Jimmy notava que os olhares e cochichos ao redor pareciam menos intensos quando Lucas estava por perto. Em sala de aula, Lucas fazia pequenas piadas para aliviar o clima. Quando um dos professores deu uma tarefa inesperada, ele escreveu discretamente um bilhete: “Isso é tortura ou estudo?”.
Jimmy leu e segurou o riso, devolvendo uma resposta rápida: “Definitivamente tortura”. As pequenas trocas de mensagens deram a ele uma sensação de normalidade que ele tanto desejava.
Durante o intervalo, foram novamente para o canto mais tranquilo do pátio, e Lucas sacou o celular, mostrando um vídeo engraçado que ele havia salvado.
“Esse aqui é muito a sua cara, olha só”, disse Lucas, e Jimmy não pôde conter uma risada genuína ao ver o vídeo, sentindo-se mais leve.
“Cara, como você encontra esses vídeos? Acho que vou morrer de rir aqui”, disse Jimmy.
“Ah, tenho minhas fontes. Rir faz bem, sabia?”, respondeu Lucas com um sorriso tranquilo.
Na última aula do dia, porém, o clima mudou. Durante uma atividade em grupo, Jimmy foi colocado com colegas que ele sabia que costumavam fazer comentários maldosos. Ao fim da atividade, um dos garotos sussurrou:
“Ei, Jimmy, você já pensou em parar de fingir ser normal? Todo mundo vê que você é esquisito.”
Jimmy murchou, sentindo o calor subir ao rosto. Ele queria reagir, mas as palavras pareciam presas na garganta. Lucas, vendo o desconforto do amigo, se aproximou.
“Vamos sair daqui, Jimmy. Esses idiotas não têm nada melhor pra fazer”, sussurrou Lucas, apoiando a mão no ombro do amigo e conduzindo-o para fora da sala.
Eles foram até o pátio e se sentaram em um banco isolado, longe de todos. Jimmy, ainda em choque, permaneceu em silêncio, olhando fixamente para o chão.
Lucas, percebendo o peso da situação, ficou ao lado dele, sem forçar nenhuma palavra. Depois de um tempo, ele quebrou o silêncio com cuidado.
“Jimmy, sabe… eu sei que você tá passando por muita coisa. Mas, sério, eu tô aqui. Não importa o que esses caras falem, não deixa isso te definir.”
Jimmy respirou fundo, o olhar ainda perdido. Mas as palavras de Lucas o confortaram, como um lembrete de que ele não estava completamente sozinho.
Após saírem da escola, Jimmy aceitou o convite de Lucas para passar a tarde em sua casa. O trajeto foi tranquilo, com Lucas contando histórias engraçadas que aconteceram com outros amigos. Jimmy sentiu-se um pouco mais leve, e aos poucos começou a se empolgar com a ideia de uma noite despreocupada, apenas jogando videogame e conversando sobre coisas simples.
Quando chegaram, Lucas ligou o console e lançou um sorriso para Jimmy. “Tá preparado pra perder feio hoje?”
Jimmy sorriu, deixando escapar um pouco da ansiedade. “Acho que é você quem vai perder!”
O jogo logo os envolveu em um clima competitivo e divertido, as risadas ecoando pela sala. Lucas não se importava em deixar Jimmy ganhar algumas rodadas, e isso trouxe uma sensação rara de leveza para ele. Depois de várias partidas, decidiram pedir uma pizza e colocar um filme.
Já era tarde quando o sono começou a bater. Lucas improvisou um colchão na sala, e, enquanto eles conversavam, Jimmy percebeu o quanto era raro sentir-se tão à vontade com alguém. Lucas parecia aceitar Jimmy do jeito que ele era, sem julgamentos. Sentia-se seguro ali – uma sensação que ele desejava carregar, mas que sempre escapava quando estava sozinho.
Na manhã seguinte, porém, enquanto se vestia, Jimmy foi invadido pela lembrança da frase cruel do colega: “Pare de fingir ser normal.” Ele sabia que a dor daquela frase ecoaria por muito tempo, mas, em vez de enfrentá-la, um pensamento tomou conta de sua mente: E se eu tentasse, de verdade, ser o que eles querem ver? Talvez, se eu agisse como alguém mais descolado, eles parassem de me ver como estranho.
Com essa ideia na cabeça, Jimmy começou a adotar uma postura mais relaxada e confiante, tentando disfarçar sua inquietação. Ele colocou uma camiseta estampada que Lucas lhe emprestou, passou gel no cabelo e até se olhou no espelho, fazendo caretas, tentando ver se parecia “descolado”.
Lucas notou a diferença, mas sorriu, achando que era uma brincadeira. “Tá com um visual novo agora, Jimmy? Gostei, tá parecendo uma estrela do rock!”
Jimmy deu um sorriso nervoso. “Ah, é… às vezes é bom mudar, né?”
Lucas, sem perceber o conflito por trás daquela mudança, apenas deu de ombros. “Claro! Se você gosta, é isso que importa.”
Na escola, Jimmy começou a agir diferente: conversava mais alto, forçava risadas e falava com pessoas com quem geralmente evitava interagir. Ele se aproximou de um grupo que geralmente o ignorava e tentou se integrar, jogando algumas piadas e imitando a maneira deles de falar. Mas, ao invés de se sentirem acolhidos, os colegas pareciam confusos com aquela nova versão de Jimmy.
No intervalo, Lucas observou tudo de longe, um pouco desconcertado. Ao fim da aula, ele tentou conversar com Jimmy.
“Ei, tudo bem com você? Achei que tava um pouco… diferente hoje,” comentou, escolhendo as palavras com cuidado.
Jimmy deu de ombros, tentando agir como se estivesse tudo bem. “Só achei que seria legal tentar algo novo. Sabe como é, mudar um pouco.”
Lucas hesitou, olhando o amigo. “Eu… sei, mas… você não precisa ser outra pessoa, Jimmy. Eles não vão te aceitar de verdade só porque você tá se forçando a agir como eles.”
Jimmy sentiu um aperto no peito, mas respondeu com uma risada forçada. “Relaxa, Lucas. Tá tudo bem, sério. É só diversão.”
Lucas ficou em silêncio, sem querer pressioná-lo mais. Mas ele percebia que o amigo estava cada vez mais distante, como se uma parede invisível tivesse se erguido entre eles.
Com o passar dos dias, Jimmy continuou forçando essa nova versão de si mesmo, tentando se adequar. Começou a se afastar das conversas sinceras que tinha com Lucas e passou a adotar um tom mais sarcástico e irônico, tentando se encaixar em um papel que não era o seu. Aos poucos, Lucas sentia que estava perdendo o amigo que conhecia.
Em uma tarde após a aula, Lucas finalmente confrontou Jimmy.
“Jimmy, isso não é você. Eu sinto que você tá se afastando, e tá fazendo isso pra agradar pessoas que nem se importam com você.”
Jimmy desviou o olhar, sentindo o peso das palavras. Mas ele não queria voltar a ser visto como “estranho”. “Lucas, por que você tá pegando no meu pé? Isso não é da sua conta!”
Lucas se surpreendeu com a resposta dura e, sem palavras, balançou a cabeça e se afastou, deixando Jimmy sozinho no corredor.
Jimmy viu Lucas se afastando e sentiu um peso de arrependimento começar a se formar. Mas, em vez de encarar aquilo, ele abafou o sentimento e se convenceu de que talvez Lucas não entendesse a necessidade de mudança. Ele tentou se distrair, se envolvendo ainda mais com o grupo novo, rindo das piadas, agindo como alguém que ele imaginava ser “normal” e aceito. Mas, à medida que fazia isso, a sensação de vazio se intensificava.
Naquela noite, enquanto tentava dormir, os pensamentos de Jimmy rodavam sem parar. Ele sentia falta de Lucas, da conexão sincera que eles tinham, mas algo o impedia de voltar atrás. Ele temia que, se abandonasse essa nova versão de si, continuaria sendo alvo de desprezo. E, no fundo, isso o aterrorizava.
Na manhã seguinte, Jimmy decidiu tentar falar com Lucas, esperançoso de que ele entenderia. Procurou-o no corredor da escola, e quando finalmente o encontrou, Lucas estava conversando com alguns colegas. Jimmy esperou até que ele ficasse sozinho, mas a expressão de Lucas ao vê-lo era diferente – menos acolhedora, mais distante.
“Lucas, a gente pode conversar um pouco?” perguntou Jimmy, tentando soar despreocupado.
Lucas cruzou os braços, observando o amigo por um momento antes de responder. “Sobre o quê, Jimmy? Sobre o quanto você tá mudando pra agradar pessoas que nem se importam com você? Ou sobre como você tá jogando nossa amizade de lado?”
Jimmy tentou argumentar, mas Lucas continuou, direto e firme: “Sabe, eu entendo que você queira se sentir aceito. Todo mundo quer isso, mas… olha o que você tá fazendo, Jimmy. Você tá tentando ser outra pessoa, mas não é feliz com isso. E todo mundo vê.”
As palavras de Lucas atingiram Jimmy com força. Ele quis se defender, mas sabia que Lucas tinha razão. “Eu só… queria ser alguém que as pessoas gostassem.”
Lucas suspirou, a expressão suavizando um pouco. “As pessoas que gostam de você de verdade já estão ao seu lado. Eu, por exemplo. Mas ultimamente… você tem sido um estranho pra mim. Parece que você tá mais preocupado com o que todo mundo acha do que com o que você sente de verdade.”
Jimmy sentiu o rosto esquentar, e desviou o olhar. Por um momento, ele quis se afastar, mas algo o fez ficar. “Eu só… queria ser aceito, Lucas. Só isso.”
Lucas colocou a mão no ombro dele, com um olhar de compreensão. “Jimmy, ser aceito não significa mudar quem você é. E honestamente, quem não aceita você do jeito que é não vale a pena.”
As palavras de Lucas deixaram Jimmy pensativo. Ele percebeu que sua tentativa de “ser normal” tinha apenas o afastado das coisas que importavam – e de si mesmo.
Depois daquele dia, Jimmy começou a refletir mais profundamente sobre quem ele queria ser. Sabia que o processo de se aceitar seria longo e desafiador, mas com o apoio de Lucas, ele começou a entender que ser ele mesmo era a melhor coisa que podia oferecer.
Jimmy sabia que reconquistar a amizade de Lucas não seria fácil, mas estava determinado a tentar. Nos dias seguintes, ele buscou oportunidades para se reaproximar, fazendo pequenos gestos – como se oferecer para estudar juntos, ficar ao lado dele nos intervalos e trazer à tona assuntos que sempre interessavam aos dois. Lucas, a princípio, ainda parecia um pouco distante, mas não recusava as tentativas do amigo.
Em um fim de tarde, enquanto jogavam videogame na casa de Lucas, Jimmy sentiu que o clima estava mais leve. Eles riam das partidas e se provocavam, como antigamente. A certa altura, Jimmy decidiu abrir o jogo.
“Eu… me desculpa por ter sido tão idiota, Lucas. Eu achei que mudando, sei lá, as coisas ficariam melhores. Mas acho que acabei afastando quem realmente se importa comigo.”
Lucas pausou o jogo e olhou para ele. “Eu entendo, Jimmy. Todo mundo tem esses momentos em que acha que precisa ser outra pessoa. Mas, cara, você não precisa disso comigo, sabe? Eu gosto de você do jeito que você é.”
Jimmy sorriu, mas era um sorriso misto de gratidão e arrependimento. “Valeu, Lucas. De verdade. Eu precisava ouvir isso.”
O jogo continuou, mas a conversa parecia ter fortalecido algo entre eles. Durante o restante da tarde, entre risadas e piadas, Jimmy sentiu-se mais à vontade, como se estivesse recuperando um pedaço de si mesmo.
Alguns dias depois, Lucas o chamou para uma conversa após a aula.
“Jimmy, eu tava pensando… você tem que viver mais, sabe? Sair, conhecer gente. E eu sei exatamente como vamos fazer isso. Tem uma festa neste sábado. Você vai comigo, sem desculpas.”
Jimmy hesitou, pensando em todas as razões para não ir, mas Lucas insistiu, colocando a mão em seu ombro. “Confia em mim. Vai ser divertido, eu prometo. E se você não gostar, eu fico do seu lado o tempo todo, beleza?”
Com a insistência de Lucas e a promessa de que não estaria sozinho, Jimmy finalmente aceitou.
No sábado, Lucas foi buscar Jimmy em casa. Ele apareceu à porta com um sorriso, vestindo uma camisa colorida e despojada que refletia sua personalidade extrovertida. Jimmy, que se esforçou para parecer um pouco mais animado, tinha optado por uma roupa mais discreta.
“Eu disse que ia dar tudo certo. Agora vamos, você vai se divertir,” disse Lucas, com um sorriso encorajador.
O caminho até a festa foi repleto de conversas e risadas, com Lucas contando histórias sobre algumas das pessoas que provavelmente estariam lá. Jimmy sentia um nervosismo crescente, mas a companhia de Lucas o acalmava.
Quando chegaram, a música alta e as vozes em animação quase o fizeram recuar, mas Lucas puxou-o para dentro.
“Relaxa, Jimmy. Vamos começar só observando, pode ser?” sugeriu Lucas, guiando-o para um canto menos lotado.
À medida que a festa avançava, Lucas o apresentou a alguns amigos. Jimmy sorriu, trocou algumas palavras, mas logo sua atenção foi capturada por alguém no outro lado do salão – um garoto encostado na parede, de olhar atento, observando a festa como se estivesse em um mundo à parte. Ele parecia distante, mas ao mesmo tempo presente, absorvendo tudo ao redor de maneira tranquila.
Lucas notou o interesse no olhar de Jimmy e sorriu. “Acho que alguém chamou sua atenção, hein?”
Jimmy corou, tentando disfarçar. “O quê? Não, nada a ver.”
“Ele se chama Scott,” disse Lucas, com um tom provocativo. “Ele é… diferente. Um pouco na dele, mas interessante. Vai lá, fala com ele.”
Jimmy hesitou, mas Lucas deu-lhe um leve empurrão. Decidiu então se aproximar, sentindo o coração bater mais rápido a cada passo.
“Oi, eu sou o Jimmy,” ele disse, tentando soar casual.
Scott virou-se e lhe deu um sorriso leve, como se já soubesse quem ele era. “Eu sei. A gente estuda na mesma escola. Eu sou o Scott.”
Jimmy ficou surpreso com a resposta, mas logo sentiu-se relaxado. Scott tinha uma maneira única de ouvir, com um olhar que parecia atravessar a superfície e captar os sentimentos escondidos. A conversa começou tímida, mas, conforme falavam, Jimmy sentia que algo ali era diferente.
“Você não parece gostar muito dessas festas, né?” arriscou Jimmy.
Scott deu um meio sorriso. “Ah, é legal às vezes. Mas eu prefiro um canto mais quieto. Acho que a maioria das pessoas aqui nem nota a minha presença.”
Jimmy riu, sentindo que havia algo em Scott que ele compreendia. Era como conversar com uma versão mais tranquila e segura de si mesmo. Aos poucos, ele começou a se abrir sobre suas ansiedades, falando de um jeito que nem ele sabia que era possível.
“É estranho, mas eu sinto que, sei lá, você entende as coisas de um jeito que ninguém mais entende,” confessou Jimmy.
Scott o olhou, com um sorriso compreensivo. “Eu acho que todo mundo sente isso, de um jeito ou de outro. A diferença é que alguns escondem, e outros falam sobre isso. Fico feliz que você tenha falado.”
A noite avançou, e eles continuaram conversando em um canto mais tranquilo, rindo, compartilhando histórias e inseguranças. Jimmy sentia algo novo e inesperado crescendo dentro dele, algo que não sabia explicar, mas que fazia seu coração bater mais forte.
No fim da festa, quando Lucas se aproximou para dizer que já era hora de ir, Jimmy sentiu uma mistura de ansiedade e entusiasmo. Ele se despediu de Scott, com um sorriso que não conseguia esconder. Nos dias seguintes, ele não conseguia parar de pensar no novo amigo, no conforto que sentiu ao seu lado e no desejo crescente de conhecê-lo mais.
Para Jimmy, Scott não era apenas alguém interessante. Ele era como um reflexo, uma versão diferente e mais segura de quem ele gostaria de ser. E talvez, pela primeira vez em muito tempo, Jimmy sentia que o mundo ao seu redor tinha algo de novo e promissor a oferecer.
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