Índice de Capítulo


    — Qual o seu nome?

    — K-Kurone Nakano…

    — Qual a sua idade?

    — 11 anos.

    — Sabe onde está?

    — Na construção abandonada… eu acho.

    — O que está sentindo?

    — Minha cabeça tá pegando fogo.

    — Umm…

    O homem de rosto severo diante do garoto anotava todas as respostas em uma prancheta. Ele vestia um longo jaleco branco e a cabeça era careca. 

    Kurone havia acabado de acordar. Não sabia exatamente quanto tempo se passou, mas podia chutar que dormiu por um ou dois dias. Os braços e pernas do menino ainda estavam presos na cadeira de madeira por correias de couro.

    — Argh! — gritou ao sentir uma pontada na cabeça. Estavam distantes, mas ainda conseguia escutar as vozes infernais reverberando em seu crânio.

    Olhou ao redor e percebeu a escuridão na sala. A única luz do local vinha de uma pequena lanterna na mão do homem apontada para Kurone.

    — Onde estão o meu pai e o meu tio? — perguntou com a voz rouca. Naquele momento, ele percebeu que estava com sede.

    — Seus olhos estão ardendo? — O homem ignorou a pergunta do garoto.

    — Um pouco…

    — Nos vemos amanhã. — Ele anotou uma última coisa na prancheta e saiu da sala sem responder a pergunta do menino.

    A circulação sanguínea começava a incomodar, pois estava na mesma posição há muito tempo. Kurone passou a língua nos lábios desidratados e sentiu o gosto de ferro. Um pensamento vampiresco de se hidratar com o próprio sangue percorreu sua mente.

    “Será que minha mãe está preocupada?”, pensou enquanto encarava a escuridão da sala. Apenas quando pensava, as vozes paravam de berrar. O braço onde fora injetada a droga ainda latejava de maneira insuportável. “Preciso voltar para casa… Quando meu pai aparecer, vou dizer que não quero mais isso…”

    No entanto, ninguém apareceu. O estômago do garoto começou a rugir e queimar. Já não tinha mais sangue nos lábios para sugar e a circulação estava machucando muito as pernas.

    — Ooooooi!!! Eu quero sair!! Tem alguém aí!!? — berrou desesperado pela enésima vez. — Pai! Tio! Alguém me tire daqui!

    Toda a resposta que tinha era o eco dos seus gritos se repetindo na sala. Ele tentou se livrar das correias, mas estava muito fraco.

    Repentinamente, a porta se abriu e o homem careca entrou na sala, atrás dele estava o senhor Nakano.

    — Desculpe por te deixar aí por tanto tempo, mas entenda que isso é necessário para a nossa pesquisa — explicou o pai enquanto tirava as correias do menino. — Você sabe há quanto tempo está aqui?

    — Não sei… um ou dois dias?

    — Duas semanas.

    — Duas semanas…? — repetiu incrédulo.

    — Não lembra das outras sessões de perguntas? Você estava gritando desesperado, parecia uma besta rugindo, mas apagou no quinto dia da segunda semana. Parece que está melhor agora.

    Kurone sentiu o sangue voltar a correr quando teve as mãos libertas. Lágrimas escorreram pelos olhos do garoto. 

    — Eu liguei para a sua mãe — começou o pai —, disse que você ia passar uns dias na minha casa em Hokkaido. Amanhã mesmo você já pode voltar para casa, tivemos ótimos resultados.

    O senhor Nakano conduziu o filho até uma nova sala. Dessa vez o local estava bem-iluminado e com pessoas de jalecos brancos transitando de um lado para o outro. O cheiro da carne assada fez o garoto salivar.

    — Essa é a nossa cantina, pode comer o quanto quiser, você merece, filho.

    Kurone sentou-se em uma das mesas e devorou rapidamente quatro pratos cheios. Ele não conseguia lembrar o que acontecera nos últimos dias, mas sabia que não tinha comido nada.

    — Cadê o meu tio? — perguntou após tomar um copo de Coca-Cola cheio em uma única golada.

    O senhor Nakano pensou muito antes de responder. — Acho que foi visitar a nova esposa — explicou enquanto passava um hambúrguer para o filho.

    O sabor delicioso da comida fez o menino esquecer das vozes e da dor no ombro. Apesar de comer muito, o corpo ainda continuava trêmulo.

    — Tome. — O pai entregou um pequeno saco de papel ao garoto. — É a gravação dos testes que fizemos. Não mostre a ninguém, nós pensamos que você poderia ter um lapso de memória, então gravamos tudo.

    — Se tudo deu certo, então…

    — Sim, sim. O dinheiro mensal de sua mãe será aumentado. O senhor Yaegashi ficou satisfeito com o resultado dos testes.

    — Então essa droga será injetada nos filhos dos homens dele? 

    — Sim. Talvez o processo comece no próximo ano. O que foi? Não gostou da notícia?

    — Não teria uma maneira de injetar a droga sem fazer as crianças sofrerem?

    — Ah, não se preocupe. Claro, as crianças dessa geração vão sofrer um pouco. Mas as injeções serão aplicadas em bebês recém-nascidos no futuro.

    — Entendo…

    — Bem, quando terminar de comer, vá tomar um banho. Vamos te dar alguns remédios e roupas novas antes de te levar para casa. Não queremos preocupar sua mãe, não é?


    O banheiro do local era enorme. Ao tirar a roupa, Kurone percebeu alguns hematomas e cortes espalhados pelo corpo. Os pulsos ainda estavam avermelhados por conta das correias.

    “Minha cara tá péssima”, pensou ao se olhar no espelho. O rosto estava sujo de sangue, lágrimas e ranho. O barulho insuportável das vozes persistia, porém o garoto decidiu ignorar.

    Ele entrou na banheira e deixou a água quente purificar seu corpo. “Ahhh… Ainda bem que… acabou…”

    Kurone tomou um banho demorado de trinta minutos e depois vestiu a roupa deixada por seu pai. Era outro uniforme do fundamental semelhante ao que usava antes.

    — Aí está você, tá se sentindo melhor? — perguntou o pai.

    — Um pouco, mas minha cabeça ainda tá doendo.

    — Ah! Vamos resolver isso agora! Aqui — O homem entregou uma caixa branca com uma tarja preta para o garoto. O conteúdo da caixa era um blíster com comprimidos pretos e brancos. — Eles vão diminuir os efeitos da droga. Você nunca pode parar de tomar, todo mês vou mandar alguém entregar novos comprimidos a você. É um sedativo, então tome apenas um por dia — explicou entregando o remédio ao garoto. 

    — Então, se eu tomar isso, minha dor de cabeça vai acabar?

    — Sim. A propósito, todo mês aquele homem vai te fazer uma visita e perguntar algumas coisas — disse apontando para o careca de jaleco branco. 

    Kurone escutou todas as explicações do pai. O experimento continuaria, pois queriam saber os efeitos da droga a longo prazo e se o remédio era efetivo.


    — Chegamos — o pai disse ao parar o carro.

    — Kuroneeee! — Teruhashi gritou quando o garoto pôs o pé para fora do carro. — Eu senti tanta, tanta falta!! — Ela abraçou o irmão com força e enterrou o rosto dele em seus seios modestos. Eles começaram a crescer notavelmente depois que a garota foi morar na casa dos Nakano.

    — Eu não tô conseguindo respirar!

    — Não vou soltar! É seu castigo por me deixar preocupada. Que história é essa de não avisar a ninguém que ia passar uns dias fora? — ela falou fazendo bico.

    — Desgulpa, desgulpa, desgulpa… É sério, não tô conseguindo respirar…!

    — Parece que você mudou muito — o pai comentou.

    Teruhashi voltou um olhar afiado para o homem encostado no carro negro. A jovem fez uma expressão de desgosto e afastou Kurone lentamente de seus seios. 

    — Você se divertiu com esse cara? — ela perguntou encarando o pai.

    — S-sim… Foi bem legal e… intenso, eu diria — disse desconfortável.

    — Haha, você não gosta de mim mesmo. Com certeza não vai me convidar para entrar, não é?

    — Então nem preciso ser rude. Você só precisava trazer o Kurone até aqui, pode ir embora — ela disse pegando no ombro do irmão.

    — Você foi rude de qualquer forma… — o garoto disse em um sorriso amarelo.

    — Estou ocupado de qualquer forma. Até mais, Kurone e Teruhashi. Digam a mãe de vocês que mandei um abraço para ela, a Raika e a Eriko.

    O homem deu arrancada no carro e saiu rapidamente. Teruhashi esperou ele virar a esquina e abraçou o irmão com força mais uma vez.

    — O que é isso? — perguntou apontando para a sacola na mão de Kurone.

    — São algumas lembranças.

    A garota deixou a sacola de lado e abriu a porta da casa. Naquela noite eles comeram um prato especial de espaguete italiano feito por Luna, que chegou mais tarde para ver o primo. A garotinha fez diversas perguntas, mas Kurone ignorou a maioria.

    O garoto não teve tempo para assistir à fita dada pelo pai, pois Teruhashi passou toda a semana grudada nele. O senhor Nakano visitou a casa mais uma vez, enquanto os filhos dormiam e deixou outra filha lá: uma menina de aparentemente 3 anos chamada Rin Nakano. O homem desapareceu de vez após esse dia.

    Enfim, ficou sozinho no dia que a mãe e Teruhashi foram comprar fraudas. Não estava totalmente sozinho, Rin estava dormindo tranquilamente no quarto ao lado. O garoto rasgou a embalagem rapidamente e pôs o DVD no aparelho.

    Ele acelerou as primeiras cenas, pois eram de quando tomou a droga e começou a gritar desesperado. Porém, quando apertou o botão de salto rapidamente, chegou na cena de algo que não se lembrava…

    Ele ficou estático por alguns minutos, apenas encarando o vídeo. 

    — Q…! — Segurou a boca para não soltar um grito e acordar a irmã. — Blergh! — Kurone vomitou no cesto de lixo.

    A cena reproduzida na tela era a de um garoto rindo enquanto rachava a cabeça de um homem desesperado com um bastão de madeira. Não importava o quanto o homem implorasse, o garoto aumentava as gargalhadas macabras e dava mais pancadas.

    O sangue respingava nas paredes e, mesmo quando o corpo já estava sem vida, ele não parava de dar pauladas. A porta abriu-se e um brutamonte com camisa florada entrou, ele tomou o bastão da mão do menino e o segurou enquanto outro homem aplicava uma injeção para acalmar o louco esperneando-se.

    O garoto era Kurone e o homem que teve o crânio esmagado por um bastão era seu tio. Kurone sentiu o mundo girar e uma vontade incontrolável de gritar sem parar. 

    — Blergh! — Sujou todo o quarto e ficou ofegante, mal podia ficar de pé, porém precisava se certificar de uma coisa. 

    Ele andou apoiado nas paredes, mesmo com a visão escurecendo, conseguiu chegar onde queria: o quarto da mãe, onde sua nova irmãzinha dormia profundamente. “Não é possível, por favor…”

    Aproximou-se do berço e encarou a garotinha, após alguns segundos levantou a manga da blusa dela e quase soltou um grito de espanto. Havia uma mancha vermelha no ombro da irmã, semelhante àquela que também tinha. “Desgraçado! Maldito! Monstro!”, praguejou internamente. 

    Lembrou-se da conversa que teve com o pai sobre o sofrimento das crianças, claro, o homem disse que aplicaria em bebês porque já havia testado em um, a própria filha…

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