Capítulo 269: O poder de Astarte pode restaurar

Boooooom!
Explosões coloriram o céu.
Não eram belos rojões como os do Continente Oriental, contudo não deixavam de ser elegantes. Os ocidentais se apropriaram do costume da queima de fogos de Zhongu e adaptaram em seguida, incluindo músicas locais e disparos de ataques mágicos para as estrelas.
Kurone estava no jardim da mansão Sophiette, acompanhado de rostos conhecidos.
Os fogos em questão vinham da capital, sua intensidade era suficiente para ser visualizado em qualquer um dos extremos do reino — ou até mesmo de fora da sua jurisdição. Músicas extravagantes tocavam nas vizinhanças, sendo a mais alta originada de Fallen.
— É realmente belo.
— De fato, senhorita Cynthia, até mesmo mais belo que aqueles usados no oriente.
George e Cynthia Sophiette vislumbravam o céu com religiosidade. Coitados, mal sabiam que isso mal se comparava à beleza do fim de ano de Zhongu vista por Kurone.
Na lateral, a irmã Daisy estava nos braços de Loright, distantes do grupo de pessoas no jardim. Para eles, esse cenário era romântico — era bom para Loright relaxar um pouco.
Sylford possuía uma expressão difícil em seu rosto. Talvez fosse gratidão por viver mais um ano? Era bem provável, o trabalho dele, como líder do clã Sophiette, era realmente perigoso, como prova disso, há poucos meses ele enfrentou um Duque do Inferno.
Cada um possuía uma expressão diferente no rosto. O efeito causado pelo encerramento de um ciclo e o começo de outro pegava a todos, sem exceção.
“Feliz ano novo, Ellohim.”
{Ela deseja o mesmo, porém também parabeniza você pelo seu aniversário, embora Ela saiba que você queria escutar tais palavras de outra pessoa.}
O aniversário dele era no dia um do primeiro mês. As palavras da anja em sua mente o fez lembrar de Annie. A deusa gentil disse algo parecido quando passaram a virada de ano em um vilarejo de Zhongu.
Fungou um pouco… Achou que já conseguia controlar as suas lágrimas depois de tantas experiências. “Parece que o ano novo é muito poderoso, não consigo lidar com ele.”
A mão foi levada aos olhos algumas vezes, numa tentativa discreta de limpar a visão nublada pelas lágrimas. Sentiu uma pressão sobre os ombros: sua tentativa foi inútil.
Direcionou os olhos para a parte sendo tocada e viu a mão delicada de Sylford. Seguiu o membro que após o pulso era oculto pela manga de uma roupa cara e, após passar pelo pescoço com um pomo de adão discreto e um queixo fino, mirou o rosto bonito do jovem Sophiette.
— Não tem problema demonstrar seus sentimentos em um momento como esse… — o líder do clã Sophiette colocou um belo sorriso na face — todos somos humanos com sentimentos, no fim das contas.
Acenou com a cabeça, deixando a timidez de lado e passando o antebraço no rosto para limpar ambos os olhos marejados.
Após ter acesso à biblioteca da mansão Sophiette, há alguns dias, Kurone quase não teve tempo de conversar com Sylford, passava a maior parte do dia lá e, quando saía, o jovem loiro estava atarefado.
Chegou a cogitar que essa distância era proposital, afinal agora tinha muito conhecimento acerca da verdade de Niflheim. Porém vendo Sylford nesse momento, considerou que não foi bem isso, o líder do clã estava até mesmo mais amigável.
“Vou me preocupar com isso mais tarde.”
— Feliz ano novo, Sylford.
— Igualmente, Iolite.
Depois da troca de felicitações, ambos seguiram rumos diferentes. Kurone fez uma reverência a George, recebida com desprezo, e abraçou Cynthia afetuosamente.
Por sorte, a maioria das crianças do orfanato pegaram no sono assim que jantaram, então o trabalho de desejar um “feliz ano novo” aos ainda despertos foi rápido. Com isso feito, foi a vez das irmãs e, por último, Loright e a irmã Daisy.
A sacerdotisa loira o deu um abraço que provocou uma ponta de ciúmes em Cynthia e Loright, e quanto a esse último, ele apertou a mão do menino.
— A Luminus tinha me falado que o seu aniversário é hoje. Parabéns — Kurone falou após hesitar um pouco. Usar a palavra “Luminus” deixava o clima muito tenso.
— Obrigado… — respondeu Loright, um pouco sem jeito. — Já que é o meu aniversário, eu poderia te pedir um presente?
— Eu ainda não tô com dinheiro suficiente pra comprar coisas de nobre, mas se for algo simples, pode ser. Diz aí o que é.
— Iolite, lute comigo.
Já devia estar esperando algo como isso. Dessa vez, não podia negar.

Passos e gritos ecoavam pelo ar frio, sobrepondo o barulho da explosão dos fogos.
Uma luz intensa alastrou-se pelo vilarejo; fogo espalhado por ninguém menos que Luminus.
Os pés pequenos se moveram contra a vontade da menina. Ela sabia bem para onde eles desejavam ir, não podia permitir que a vida de outra criança inocente fosse tomada.
Embora a visão estivesse escura, dessa vez a garotinha podia sentir tudo o que acontecia ao seu redor, como se assistisse a uma peça teatral do mezanino.
Se ainda tinha consciência, então só precisava resistir. Por mais que a aparência tivesse mudado muito nos últimos anos, esse ainda era o seu corpo, o Sistema, Astarte, ou fosse lá quem fosse o responsável por isso, não iria controlá-la tão facilmente.
Ela se esforçou ao máximo, colocando toda força que conseguia. Enfim, os olhos começaram abrir, devagar, e ela avistou o pandemônio ao redor. As flamas consumiram quase tudo e várias pessoas rastejavam pelo chão.
O que percebia enquanto estava com os olhos fechados era nublado, contudo teve certeza que a responsável por salvar alguns dos moradores dessa vila do fogo foi Cecily. A deusa ainda não entendia bem a empatia, mas devia ter sentido que era correto salvar essas pessoas.
Luminus estava desperta, mas o corpo ainda se movia. No seu campo de visão, via pequenos círculos na cabeça das pessoas, e uma marcação maior e avermelhada focava no seu alvo: a nobre loira.
[Aviso! Foi detectada uma tentativa de resistência. É contra as regras ignorar um Fragmento de Astarte.]
Cerrou os dentes, mas ainda assim os passos não cessavam, ela continuava a seguir na direção do círculo avermelhado responsável por revelar a localização da portadora do estilhaço da deusa.
[Aviso! Foi detectada uma intenção assassina, iniciando combate automático.]
Um rugido surgiu e foi precedido por uma explosão quando o soco de alguém tocou a neve com força.
A figura de um meio-humano corpulento apareceu na frente da garotinha, ele tinha o semblante de alguém pronto para matar a responsável pelo caos, mesmo que ela fosse uma criança.
Sem hesitar, o meio-humano avançou, brandindo uma lâmina curta na direção do pescoço delicado da menina à frente. A velocidade dele foi perfeita, sem brechas para falhas, contudo a ponta da lâmina parou segundos antes de tocar a garganta da garotinha.
Luminus, manipulada pelo Sistema, fez apenas um movimento e segurou a mão do meio-humano, que ficou desnorteado, sem entender o que realmente ocorreu.
Ela não permitiu que o entendimento chegasse à cabeça da pessoa à frente, seus pés se moveram e o corpo girou, desferindo um chute violento no abdômen do homem.
Tentou controlar ao máximo a força do ataque, contudo ainda sentiu a ponta do seu pé tocar alguns órgãos vitais do meio-humano. Pelo menos resistiu ao desejo de continuar atacando-o.
“Me desculpe por isso!”
A próxima pessoa que surgiu em seu campo de visão meio turvo foi Cecily, acompanhada de três aventureiros. Por algum motivo, não havia uma marcação no rosto da deusa loira como no do trio ao lado dela.
O motivo era desconhecido, provavelmente estava relacionado ao fato dela ter relação com a deusa Astarte.
— Por favor, me permitam cuidar disso — disse Cecily, fazendo sinal para que os aventureiros tomassem mais distância.
Ela não queria que eles morressem ou seu objetivo era ter mais liberdade para liberar o seu poder? Era difícil de dizer, mas Luminus sentiu um alívio apenas da sua companheira estar ali para ajudá-la.
Na época de Mirim, também foi salva por ela — apesar de que na época a deusa loira chegou tarde demais para salvar a vida da garotinha.
— Ce… cily…
Foi quase impossível enunciar a palavra. O seu corpo ainda estava sendo controlado, ele continuava a seguir na direção do alvo vermelho.
— Luminus, tente lembrar das aulas que tivemos, você precisa controlar esse poder se quiser alcançar os seus objetivos.
Quem diria que a mesma deusa responsável por sequestrá-la e obrigá-la a matar monstros estaria pedindo para que controlasse o seu poder e não matasse as pessoas dessa vila?
Se Cecily quisesse, já podia ter usado seus poderes para neutralizá-la de alguma forma, contudo a deusa preferiu acreditar que Luminus conseguiria se controlar sozinha. Ela estava depositando confiança na menina, embora nem entendesse esse sentimento.
Foi tocada por essa confiança. Luminus reduziu ainda mais a velocidade das suas passadas. O seu corpo não concordou com o ato e expeliu uma aura ainda mais opressora por toda a vila, fazendo até os mais habilidosos ficarem de joelhos.
Todos os alvos em seu campo de visão pararam de se mover, inclusive o vermelho.
— Eu definitivamente não vou perder para você, Astarte!
— É assim que se fala, Luminus — falou a deusa loira. Apesar de toda a sua força, as pernas dela tremiam um pouco, ela estava se esforçando ao máximo para continuar de pé.
Suor pingou pelo rosto delicado. Era difícil conter o fluxo desordenado no seu interior. As vozes ficaram intensas e surgiram tantas notificações do Sistema em seu campo de visão que se tornou impossível saber o significado de todos.
Os dentes superiores bateram contra os inferiores com força e a garotinha continuou a suportar o poder querendo tomar posse do seu corpo.
Ainda resistindo, ela levantou a mão para os céus, seus olhos miravam o cenário caótico com ódio e dor. Cecily hesitou por um momento, parecia que Luminus estava pronta para atacar tudo à frente com força máxima.
Mas a deusa loira decidiu confiar um pouco mais na garotinha e não agiu.
As mãos da Reencarnação de Astarte se moveram e, no mesmo instante, diversas bolhas de água foram formadas e dispararam em várias direções.
Não, não eram Feixes d’Água. Quando as bolhas tocavam o fogo, apagavam-no, quando acariciavam as pessoas feridas no chão, curavam as suas feridas.
Era a primeira vez que o poder de Astarte era usado para restaurar, não destruir.
O corpo de Luminus ainda tremia e cambaleava, passava a impressão de que poderia desabar a qualquer momento. A menina resistiu ao máximo e baixou os braços apenas quando as chamas foram totalmente extintas.
Ela sorriu. Todo o seu empenho deu resultado, a possibilidade de controlar o poder de Astarte era real. Não precisaria matar crianças e coletar os Fragmentos de Astarte se…
— Luminus!!!
A visão escureceu de repente.
Sua consciência simplesmente desapareceu. Era igual a quando alguém caía sem motivo algum e só podia ver o mundo girando, sem explicação.
Uma risada de deboche reverberou pela escuridão.
[Um Fragmento de Astarte foi coletado.]
[Total de Fragmentos coletados: 02.]

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