Capítulo 279: O Aviso da Dríade
Todas as aulas da manhã encerraram e os alunos conduziram-se ao refeitório. Após o almoço, houve uma pequena calmaria antes do barulho de passos apressados recomeçar.
Na Universidade Mágica de Andeavor, as tardes eram reservadas para que os alunos fossem aos seus clubes ou trabalhassem em projetos pessoais, e também havia alguns professores que ficavam à disposição para dar aulas suplementares.
Só não era permitido aos estudantes o ócio.
Cynthia Sophiette, assim como a maioria dos calouros, ainda precisava escolher atividades para participar durante o turno vespertino, e hoje ela decidiu visitar o clube de culinária com as suas amigas esnobes.
A nobre ficou desapontada por Kurone não poder acompanhá-la, mas não havia muito o que pudesse ser feito, afinal já tinha um compromisso para essa tarde…
— Droga, aquela mulher me deu uns calafrios…
[Ela também sente uma aura incomum emanando da professora, mas não consegue entender o motivo.]
O garoto estava em frente à porta da sala que teve aula de botânica mais cedo. Como imaginou, a presença da professora Sprout Ruderalis não podia ser sentida, mas sabia que ela já estava ali dentro, aguardando-o, afinal a bonsai possuía uma presença forte.
Não entendia o motivo da pequena árvore ter uma presença mais forte que a mulher.
Mas de nada adiantava pensar demais. Sem mais hesitar, empurrou a porta de madeira e adentrou a sala mal-iluminada por uma única janela.
A primeira coisa que viu ao adentrar o local foi a sua professora de botânica jogada sobre a mesa, com a boca aberta e roncando. Podia imaginar vários “ZZZ” flutuando pelo ar, como nos desenhos animados.
Um demônio insano como Azazel van Elsie estava infiltrado na Universidade Mágica, essa monstruosidade podia atacar a qualquer momento, e a professora sequer se preocupava com a sua segurança.
— Cof! Cof!
Com o barulho proposital feito com a boca, Sprout abriu um olho e esfregou o outro. Demorou um tempo até que a mulher ficasse sentada sobre a mesa, ainda bocejando e com os cabelos despenteados.
— Hmmm? Ah! Você é a Cynthia Sophiette, não é mesmo?
— Iolite! Eu sou o Iolite! E que cara é essa de quem não tá entendendo nada? Você que me mandou ficar aqui para as aulas suplementares.
Lentamente, a informação chegou à mente da professora e ela bateu o punho sobre a sua mão aberta com um “é mesmo!”.
“Como será que essa pessoa virou professora da Universidade Mágica?”
[Ela imagina que deva haver relações políticas envolvidas na contratação dessa pessoa.]
— Bem, — começou a professora Ruderalis — o que faz aí, então? Sente-se logo, vamos começar a aula para que eu termine o mais rápido possível.
— Acho que seria melhor nem ter sugerido isso se você não tá com o mínimo de vontade de ensinar.
— Como pode dizer isso? Sou uma educadora, estou sempre disposta a… ensinar!
“Na moral, ela usa umas substâncias pesadas.”
Mesmo contra a sua vontade, Kurone sentou-se nos bancos da frente. Não esperava que Sprout fosse lhe ensinar algo de útil, mas pelo menos fingiria prestar atenção para essa aula terminar rápido, queria aproveitar o resto da sua tarde para estudar de verdade.
— Diga-me, Iolite, o que achou da sua nova companheira?
— Companheira?… Ah, o salgueiro. Pelo visto ele vai me dar trabalho, vai me ensinar algum macete pra não deixar ele morrer e eu não me ferrar nessa matéria?
— Muito me impressiona, — o tom de voz da professora Ruderalis mudou de repente — um Gênio como você foi bem descuidado em compartilhar sua mana com uma das minhas folhas.
Ouvindo as palavras da pessoa sobre a mesa, o garoto saltou de onde estava, já materializando a sua fiel Boito .20.
Houve um estampido às suas costas: era a porta da sala fechando bruscamente por raízes que se espalhavam pela parede e se originavam da bonsai ao lado da mulher de cabelos esverdeados.
As raízes também se apoderaram da janela e apagaram as tochas, fazendo a sala ser tomada pelo breu.
— Fez um bom trabalho, querida — disse Sprout, acariciando as folhas da pequena árvore flutuando ao seu lado. — Não se sinta culpado, ninguém é melhor em ocultar a própria presença quanto a natureza. A mana e as plantas têm uma afinidade perfeita.
— Eu só espero que isso aqui não seja nenhum tipo de prática esquisita — retrucou Kurone, levando o braço coma escopeta na direção da bonsai. Estava claro que a árvore era um ser consciente e que…
— Você é um garoto esperto. — A professora Ruderalis tirou o seu óculos e sua feição mudou, diversas raízes, como veias protuberantes, tomaram conta do seu rosto. — Este corpo morreu há muitos anos. Sprout Ruderalis foi uma pessoa que fez de tudo para se conectar à natureza.
— Até formar um contrato com um demônio-árvore, ou algo assim?
— “Demônio” é um termo ofensivo. Sou uma Dríade, um espírito da natureza.
— É? E o que é que a senhorita Dríade tá querendo comigo?
— Eu não tenho nada a tratar com você, Iolite, estou apenas fazendo um favor para alguns amigos. Nie e o seu bando pediram para que eu o procurasse, ela quer se encontrar com você em três dias.
Suor frio escorreu pelas costas de Kurone. O nome “Nie” era um gatilho para ele, afinal esse era o nome da sua amada deusa.
A cada dia que passava, ansiava o seu reencontro, entretanto não imaginou que fosse receber a notícia de que logo a veria tão repentinamente. Seu coração não estava preparado para isso, por isso disparou violentamente.
— E p-por que eu deveria acreditar em você?
— Porque eu sei tudo sobre você, Iolite. Sei que você foi o responsável pelo ataque no tribunal, que trabalhou com Sylford Sophiette para enganar a Santa e mandou uma mensagem para a Nie Acha mesmo que eu não teria vazado essas informações para a Inquisidora se eu quisesse te prejudicar?
Apertou com força o punho da sua escopeta. As palavras dela eram convincentes, mas sabia que não podia confiar em ninguém desse mundo tão facilmente.
— Minha promessa a Sprout Ruderalis foi que eu seguiria suas ambições. Ela era uma pessoa boa que amava a natureza e repugnava a corrupção humana. Sprout, garoto, juntou-se à Corvos para tornar este em um mundo melhor, mas infelizmente o destino colocou uma doença grave em seu caminho.
— Pera aí, tá querendo dizer que…
— Sprout Ruderalis já estava à beira da morte quando fez seu contrato comigo. Seguindo seus desejos, eu continuo a ajudar a Corvos.
— Não tá me passando tanta credibilidade assim você dizer que tá envolvida com a Corvos.
[Ela pensa que a organização Corvos dessa era ainda não está corrompida pela maldade.]
Kurone compartilhava de mesma opinião de Ellohim. A organização com esse nome que conheceu no futuro foi responsável pelo sequestro da princesa Elisabella e da tomada de Andeavor, mas isso não queria dizer que inicialmente ela não fosse um grupo de pessoas boas.
“O que deve ter destruído a Corvos provavelmente foi a entrada dos nobres. A nobreza é a escória desse mundo.”
— Vai continuar me tratando como inimiga mesmo após tudo o que eu disse?
Relutantemente, e com um longo suspiro, Kurone baixou a sua escopeta. Como sempre, não tinha acredita cegamente no que foi dito, mas percebeu que as palavras da Dríade tinham sentido.
— E qual o teu nome de verdade, posso saber?
— Continue me chamando de Sprout Ruderalis, continue a pensar que sou Sprout Ruderalis e seja respeitoso com a figura de Sprout Ruderalis.
Por algum motivo, sentia que a Dríade possuía um respeito incomum pela pessoa que ela possuiu o corpo. Por enquanto, respeitaria os sentimentos dela sem questionar, afinal conhecia bem como era a relação entre pactuantes.
— Como foi que você soube que eu era a pessoa certa? Não usei meu nome na mensagem que mandei.
— “Kurone” foi o nome usado, ainda fiz buscas sem sucessos por um aluno com esse nome. Por isso recorri às minhas folhas, elas permitiram que o grupo de Nie usasse cada folha como se fosse seu próprio olho. Foi assim que a pessoa que você salvou no tribunal identificou o seu rosto.
— Droga, eu peguei nessas folhas na maior inocência.
— Sprout Ruderalis diria que está tudo bem. Você é jovem, ainda tem muito o que aprender sobre o mundo e as experiências irão melhorar a sua percepção das coisas.
Após o fim da fala, as raízes no rosto da professora desapareceram e as que impediam a saído do garoto e a entrada da luz recolheram, retornando para a pequena bonsai flutuante.
— A Universidade Mágica… — Kurone começou, um pouco desgotoso de ter que dizer isso — a Universidade Mágica pode ser atacada a qualquer momento por Azazel van Elsie. Se puder, dá uma ajuda na hora da luta.
A Dríade pareceu pensativo após as palavras do garoto. Sinceramente, não era essa a reação que ele esperava de alguém que falou tanto sobre fazer o bem.
— Nesse caso, eu devo fugir.
— Hã?!
— Eu jamais poderia colocar o corpo de Sprout Ruderalis em perigo. Garoto, Azazel van Elsie é uma monstruosidade que está além do nosso alcance, nem mesmo a Santa e o líder do clã Sophiette poderiam cuidar dela facilmente.
— Então a situação tá feia mesmo, porque nem Sylford a gente tá tendo.
— De fato. Não confio em suas palavras, mas se um ataque a de Azazel van Elsie realmente ocorreu, farei qualquer coisa para fugir e salvar o corpo de Sprout Ruderalis. Por isso, não conte com a minha ajuda, garoto. Inclusive, espere o pior, pois posso me tornar sua inimiga se for necessário.
Kurone não disse mais nada e virou as costas, pronto para deixar a sala.
— A propósito, use isso todos os dias no seu salgueiro. — Ela jogou um frasco ao garoto. — Se o suposto ataque for uma mentira, você ainda precisará do salgueiro vivo no fim do ano.
Não agradeceu, não estava com humor para isso, apenas apertou o recipiente com um líquido verde e deixou o recinto.
Ainda precisava encontrar a Santa e a Inquisidora mais tarde, se a conversa tivesse o mesmo rumo dessa, terminaria o dia com três novos inimigos.
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