Capítulo 285: Minha Esposa-Irmã-Conselheira-Melhor-Amiga
— Novamente, agradeço pela ajuda no tribunal. Permita-me me apresentar devidamente: sou Iyard, um elfo exilado da vila de Hyze, que atualmente faz parte do bando de Nie — explicou o homem de orelhas pontudas sentado em frente à fogueira.
Kurone sentou-se contra o elfo, porém toda a sua atenção era direcionada para a garota à sua esquerda. Sua guarda ainda não estava baixa, continuava a verificar sempre a posição da professora Ruderalis e das outras pessoas encapuzadas.
— Foi um pouco rude, mas foi a única maneira de trazer você até aqui sem levantar suspeitas — falou Sprout. — Precisamos ser objetivos, pois as pessoas enfrentando a Inquisidora têm ordens de não a machucar…
— Será questão de tempo até ela os derrotar e vir atrás de você — completou Iyard. O elfo ficou incomodado pela troca de olhares constantes entre o menino loiro e a sua líder. Como o personagem que entende o clima na comédia romântica, o elfo limpou a garganta ruidosamente e disse: — Vamos averiguar a floresta, pessoal.
Os outros membros do grupo não entenderam bem o que Iyard quis dizer, mas o obedeceram sem questionar. Sprout Ruderalis demorou alguns instantes até finalmente deixar Kurone e a garota chamada “Nie” a sós.
Kurone foi quem tomou a iniciativa:
— Nie…
— Você fala como se me conhecesse. E eu sinto que conheço você…
[É a possibilidade que Kurone pensou antes. A deusa Annie teve suas memórias afetadas durante a viagem no tempo.]
O garoto engoliu em seco de forma audível.
Sonhou tantas vezes com o seu reencontro com Nie, criou muitas expectativas a respeito desse momento, mas estava um pouco decepcionado. Annie não se lembrava dele, isso era doloroso. Por mais que tivesse se preparado, ainda doía.
E, em contraste com a sua ligeira decepção, seu corpo todo também tremia com felicidade. Memórias eram algo que poderia ser recuperado de alguma maneira, o importante era que a sua amada deusa estava bem e na sua frente.
Sentiu vontade de abraçá-la, mas se conteve, Annie poderia se assustar e tentar atacá-lo.
“Essa versão da Nie é bem legal…”
O menino analisou a nova aparência da deusa da cabeça aos pés. Ela estava ainda mais baixa que antes, seus cabelos continuavam prateados, contudo o que mais se destacava na nova skin eram as orelhas pontudas.
Por algum motivo, agora Annie era uma elfa. E por outros motivos, ela era líder de um bando de criminosos ligado com a organização Corvos. E Sprout Ruderalis apoiava eles… Havia muita coisa ali a ser explicada.
— Você não sabe quem eu sou, né?
— Kurone Nakano, você se apresentou assim na carta. Eu jamais tinha ouvido falar nesse nome antes, mas assim que o escutei, senti algo estranho, como um choque. — A respiração dela estava um pouco pesada.
“Deve ter sido um choque igual àquele de quando encontrei a Cynthia pela primeira vez.”
O choque, confundido com “paixão à primeira vista” pela jovem Sophiette, era um mecanismo ativado sempre que duas pessoas que possuíam relações no futuro se reencontravam no passado.
No caso de Cynthia, a garota reencarnaria no futuro como Flugel, uma pessoa preciosa para o garoto, mas Annie era um caso diferente.
— Espero que você comece a me explicar o que está acontecendo aqui — começou a garota, sacando uma faca da cintura. Sua respiração normalizou-se um pouco, apensar dos ombros continuarem tensos. — Eu fiz a nossa maga usar a escuridão para nos trazer até aqui, e também tive que trazer todo o bando, porque eu sei que isso não é algo que eu devo ignorar.
Kurone segurou a risada. Uma Annie fingindo ser valente era novidade para ele, isso fazia o seu coração disparar.
— Do que você está rindo?!
— Não é nada, Nie, é só que você tá sendo fofa como sempre.
— Então você… Hein?! O que você acabou de dizer?! Para de brincadeiras!
Após o grito de raiva, misturado a uma pitada de vergonha, a elfa atirou sua lâmina na direção do garoto. A faca foi evitada por um simples movimento do alvo.
— Você tem coragem de dizer algo assim. Já esqueceu em qual posição você está aqui? Se continuar brincando assim, vai acabar morto. Quando me contaram sobre você, imaginei que fosse alguém mais sério.
[Ela pensa que o tempo que a deusa Annie se tornou independente devido às circunstâncias.]
No mundo de Niflheim, apenas os fortes prevaleciam. Em algum momento, Annie acordou sem memórias ali e teve de fazer o máximo para sobreviver, isso deve ter a transformado em alguém complemente diferente da deusa fofa que o garoto conhecia, no entanto…
“Os traços fofos não desapareceram.”
Kurone continuou a reprimir seu sorriso enquanto observava a elfa esconder o rosto corado, ela foi totalmente afetada pelas últimas palavras do garoto.
— Na verdade, Nie, — recomeçou o menino — você e minha idol. Tô até indeciso se você tá mais fofa agora, ou antes. Uma Nie séria era uma coisa que eu não tava esperando.
Enquanto cuspia besteiras, o garoto viu a sua interlocutora cerrar os punhos e ranger os dentes. Annie pareceu pronta para avançar sobre Kurone, mas apenas soltou um “eu já devia saber” e começou a correr para a escuridão da floresta.
O garoto loiro não soube como reagir com o acontecimento repentino. Ele estendeu a mão na direção das costas magras se afastando, seus pés fizeram menção de se mover, entretanto, nada foi feito no fim e a figura de Annie desapareceu.
— Foi o diálogo mais idiota que eu já vi em toda a minha vida — falou uma pessoa escondida atrás da árvore.
Kurone suspirou profundamente, ainda o incomodava o fato de poder sentir a presença de Sprout Ruderalis, tanto quanto a alternância entre o tom relaxado (da Sprout original) e o sério (da dríade) dela.
— O que você está tentando fazer exatamente, menino?
As pernas de Kurone vacilaram e ele caiu de joelhos, olhando com horror para a figura da professora de botânica.
— Eu treinei tanto, mas isso foi demais pra mim… Eu entrei em pânico, achei que eu tava preparado pra encarar a Nie sem memórias, mas o desespero tomou conta…
Ele falava mais para si que para Sprout. Suas piadas eram uma tentativa desesperada de recuperar a memória de Annie. Em sua cabeça, talvez ficar cuspindo aquelas tolices ativassem algum gatilho na mente da elfa… mas isso acabou apenas a magoando.
— Nie e Iyard foram os últimos a se juntar ao grupo — Sprout disse de repente. — É estranho, não é? Alguém que se juntou recentemente ser a líder do grupo. Mas Nie provou o seu valor. Ela deve ter passado por muita coisa para se tornar tão forte.
Após juntar todas as suas forças, Kurone ficou de pé, encarando a professora Ruderalis. Entendia o que ela queria dizer, as piadinhas era a última coisa que Annie queria ouvir. Ela falou que mobilizou uma maga para vir até a Universidade Mágica, as brincadeiras do garoto estavam ridicularizando seu esforço.
— Eu pisei na bola…
Sentiu a aproximação dos outros membros do grupo. O primeiro a surgir em seu campo de visão foi Iyard, com o semblante de alguém irritado.
— Usamos o mecanismo de Ruderalis para ver tudo. Garoto, você tem sorte de eu te dever uma, senão eu quebraria sua cara. Você sabe quantas expectativas Nie tinha com esse encontro?!
As palavras do elfo chamaram a atenção de Kurone.
— Quando encontrei Nie, ela havia acabado de ser exilada da vila de Hyze, mas não se lembrava de nada. Ela estava em pânico tentando saber quem era e onde estava. Ela precisou se esforçar tanto para ficar mais forte! E, finalmente, quando pensou que poderia obter as respostas que sempre buscou, tudo que é dito para ela são idiotices!
Foi a vez do menino cerrar os seus punhos. Esteve tão preocupado com seus próprios sentimentos que negligenciou totalmente os de Annie.
Sem pensar duas vezes, ele levantou e arrancou na direção tomada antes pela elfa.
Sua ação foi realizada em um tempo tão rápido que nenhum dos membros do grupo conseguiu reagir, o garoto simplesmente desapareceu nas trevas, com os gritos de Iyard às suas costas.
Ele correu sem rumo, na esperança de encontrar a presença da sua deusa. As lágrimas e a escuridão embaçaram o campo de visão, mas não se importou com isso, precisava perseguir a tênue linha que dizia que havia uma presença por perto.
Foi nessa direção sem pensar duas vezes. Podia ser um inimigo ou a própria Azazel van Elsie que decidiu mostrar sua cara, não se importava.
“Eu ainda sou tão fraco. Droga! Treinei tanto e continuo fazendo as mesmas burradas do Kurone de antes… e é porque eu tava tão arrogante dizendo que o velho Kurone tava morto.”
Sentia nojo de si.
Ele era alguém repugnante, alguém que tinha coragem de aproveitar um momento de fraqueza de uma garota para apalpá-la. Havia noites que batia a cabeça várias vezes antes de dormir para tentar esquecer daquela cena com Noah, em um dos becos de Fallen, logo após Sophia ser levada como prisioneira.
Era tão repugnante que chegou a pensar no quão sensual era Azazel van Elsie durante seus embates com a demônia…
[Ela acha que é o suficiente. As trevas vão fazer Kurone acabar se mutilando sem necessidade. Ela pensa que Kurone não é perfeito, mas é alguém bom apenas por reconhecer que ainda precisa evoluir.]
“Ello…”
[Kurone não deve se lamentar com o que já aconteceu, mas deve aprender com isso. Ele deve reconhecer que errou, aprender com o seu erro e não o repetir mais. A Celestial sabe disso porque ela também é assim.]
O garoto parou por um momento, com a respiração ofegante. Seu plano era apenas pôr as coisas em ordem antes de voltar às suas buscas, no entanto, coincidentemente, outra pessoa resolveu parar ali também.
Annie estava apoiada em um tronco, com a respiração irregular, punhos ensanguentados e os olhos úmidos.
— O que você quer aqui? Vá embora!
As palavras engancharam em sua garganta, mas Kurone lançou um olhar firme para a garota. Ele não a machucaria novamente, jamais!
— Você quer saber a verdade, não quer? Sobre quem é você? É isso, não é?
— Eu não quero mais saber das suas brincadeiras! — ela bradou, atirando uma lâmina que o menino esquivou com facilidade.
— Você, Nie, é a minha esposa! Essa é a verdade! Foi por isso que eu não suportei a ideia de você ter perdido as memórias!
O conteúdo das suas falas não tinha muita diferença daquele de antes. Mas o tom de e a postura do menino estava diferente. Annie tremeu ao ver a convicção que ele tinha ao proferir essas palavras.
— Na verdade, você é minha esposa-irmã-conselheira-melhor-amiga!… Foi você quem me salvou da escuridão!… Não lembra, Nie?
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