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    Gravis ponderou sobre o que poderia ter impedido Orthar de ascender. As duas possibilidades que lhe vieram à mente foram interferência de Meadow ou do Céu. Porém, se fosse o Céu, Orthar provavelmente não estaria mais vivo. Afinal, o Céu raramente mantinha vivos aqueles que causavam problemas.

    — O que aconteceu? — perguntou Gravis.

    — Alguém me contatou, dizendo que você ainda estava neste mundo e que eu apenas precisava esperar você reaparecer — respondeu Orthar.

    — Você reconheceu essa voz? Era Meadow? — perguntou Gravis.

    — Não era a governante — respondeu Orthar. — Era uma voz masculina. Sua voz irradiava uma sensação indescritível de autoridade e poder. Quando ouvi essa voz, parecia que a própria existência estava falando comigo. Meu ser inteiro rejeitou aquela voz, como se minha essência não pudesse aceitar que algo assim pudesse existir.

    — Oh! — exclamou Gravis. — Provavelmente era meu pai.

    — Seu pai? — Orthar perguntou. — Você me disse que ele é incrivelmente poderoso. Mas ele é tão poderoso a ponto de ver minhas ações do seu mundo natal?

    Gravis assentiu. 

    — Meu pai me observa quando estou em outro mundo. Ele faz isso para garantir que o Céu não tente algo traiçoeiro. Ele sabe que somos companheiros e informou você para esperar. Como ele entrou em contato com você, isso provavelmente significa que ele concorda que você pode voltar comigo para o mundo mais alto.

    Orthar ficou em silêncio por um momento. 

    — Então, entrei em contato com um dos dois seres mais poderosos que existem — comentou Orthar, quase em um sussurro.

    — Ah — disse Gravis com um gesto despreocupado. — Ele não é tão ruim. Vou apresentá-lo a você quando voltarmos ao mundo superior.

    Orthar não tinha certeza se realmente queria conhecer o dono daquela voz. Todo o seu ser dizia que ele não deveria entrar em contato com aquele homem. Orthar sentia que, se o fizesse, estaria quebrando um tabu, cometendo algo imperdoável.

    Gravis percebeu a mudança sutil em Orthar e gemeu. 

    — Ah, qual é! — disse Gravis. — Meu pai é apenas um humano. Enquanto isso, você tem uma quantidade insana de tentáculos, e há olhos espalhados por todo o seu corpo. Se for por aparência, você é quem parece ser a figura que ninguém gostaria de encontrar.

    Sim, a aparência de Orthar havia mudado. Em vez de apenas oito tentáculos, agora ele estava coberto por muitos tentáculos longos e finos, com uma infinidade de olhos espalhados por todo o corpo.

    — Cara, se eu não te conhecesse, pensaria que você parece com…

    Gravis de repente parou.

    Sim, havia outro ser que parecia semelhante a Orthar.

    Orthar percebeu que Gravis parou de falar e ficou interessado. Não esperava uma reação assim de Gravis.

    — Orthar — disse Gravis em tom sério — por que escolheu essa forma?

    Orthar percebeu a mudança no tom de Gravis. Ele não parecia mais amigável, mas altamente desconfiado, como se suspeitasse de traição.

    — Sinto-me mais próximo das Leis com essa forma — respondeu Orthar. — Quando me tornei um Imperador, decidi deixar as Leis guiarem minha evolução. Foi assim que acabei com tantos olhos.

    Gravis olhou fixamente para Orthar, como se quisesse discernir se ele estava dizendo a verdade. Após um tempo, suspirou.

    A explicação de Orthar fazia sentido. Afinal, Azure também escolheu uma forma semelhante à humana pelo mesmo motivo.

    — Certo — disse Gravis. — Isso faz sentido.

    — Gravis — Orthar disse. — Parece que você sabe algo sobre por que essa forma me faz sentir mais próximo das Leis. Por favor, me diga.

    Gravis notou o uso de ‘por favor’, algo raro em bestas. Orthar parecia ter aprendido muito sobre como agir como um humano.

    Gravis suspirou novamente. 

    — É lógico que essa forma o aproxime das Leis.

    — Afinal, você se parece muito com o Céu — disse Gravis.

    O Céu do mundo inferior tinha a forma de um longo verme negro com vários olhos. Da mesma forma, Orthar agora possuía muitos olhos. Esse aspecto estranho e antinatural os tornava visualmente similares. Além disso, se alguém cortasse um dos tentáculos de Orthar, cheios de olhos, pensaria que era um pedaço do Céu.

    — Eu me pareço com o Céu? — Orthar perguntou, genuinamente surpreso. Ele não fazia ideia de como o Céu realmente era, mas teria tomado uma forma similar subconscientemente? Era possível?

    Enquanto Orthar refletia sobre sua aparência, Gravis notou outras semelhanças. A mentalidade fria e lógica de Orthar ao administrar poder também lembrava a conduta do Céu. Orthar só considerava os ganhos, sem se importar com lealdade ou companheirismo.

    Se Orthar liderasse um mundo em vez do Céu, Gravis imaginava que ele agiria de forma muito semelhante.

    Ainda assim, havia também uma diferença entre os Céus individuais. Orthar não era nem um pouco semelhante ao Céu inferior. O Céu inferior agia como uma criança com poder demais. Além disso, era extremamente incompetente.

    Orthar também não era semelhante ao Céu intermediário. Esse Céu intermediário seguia as ordens de seus ancestrais como se fossem decretos sagrados. Seguir ordens sem pensar por conta própria não combinava com Orthar.

    Em vez disso, Orthar parecia mais semelhante ao Céu mais elevado.

    Ambos seguiam uma lógica fria. Ambos usavam todos os meios possíveis para obter o máximo de ganhos. Além disso, ambos eram incrivelmente habilidosos em planejamentos e maquinações. O Céu mais alto era tão bom em artimanhas que nem mesmo o pai de Gravis, o Opositor, conseguia desvendar completamente todas as ações do Céu.

    “Isso é um dos esquemas do Céu ou apenas uma coincidência?”, Gravis pensou. “É muito possível que Orthar tenha escolhido essa forma apenas para se aproximar das Leis, mas também é possível que ele tenha sido especificamente criado pelo Céu para me fazer simpatizar com ele.”

    “Se eu tiver um amigo próximo que seja muito parecido com o Céu, posso desenvolver algum tipo de compreensão em relação ao Céu, o que aumentaria as chances de eu perdoá-lo por suas ações passadas. Mas também pode ser só coincidência.”

    Então, Gravis lembrou-se de algo que eliminou suas suspeitas.

    “Se isso fosse um dos esquemas do Céu, meu pai não teria impedido Orthar de ascender. Não há como meu pai não perceber se o Céu tramasse algo. Além disso, o Céu não sabia para qual mundo eu iria. Meu pai escolheu o mundo e só me contou quando era hora de partir.”

    — Esqueça — disse Gravis. — Eu estava pensando demais.

    Orthar não entendeu exatamente o que Gravis quis dizer, mas permaneceu em silêncio. Se Gravis não queria contar algo, Orthar não iria perguntar.

    — Então, o que aconteceu nos últimos 600 anos? — perguntou Gravis.

    Orthar começou a contar sobre as mudanças.

    Primeiro, não havia mais Supremos. Existiam dois Imperadores de nível cinco, mas nenhum deles era considerado um Supremo. Um era Orthar, e o outro era Meadow, a governante de todos os seres.

    Pelo que sabiam, essa situação nunca havia acontecido antes. Nunca houve um momento em que não existisse pelo menos um Supremo.

    Outra mudança significativa era o número assustadoramente baixo de Imperadores de nível quatro. Atualmente, Orthar sabia de apenas cinco. Dois eram bestas marinhas, e três eram bestas terrestres.

    Essa situação, em particular, foi algo que Orthar criou intencionalmente. A razão era controle.

    Atualmente, as regiões sul, oeste e norte das bestas terrestres tinham um Imperador de nível quatro cada. Porém, na prática, as bestas terrestres só tinham um verdadeiro Imperador de nível quatro. Isso porque Orthar implementou uma estratégia que impossibilitava sua coordenação em um ataque conjunto.

    Após as bestas marinhas tomarem o terço oriental do continente, elas pararam de expandir para fora. A governante, Meadow, decretou que cada lado teria metade do mundo. No entanto, ela não especificou como essa metade deveria ser distribuída.

    Por isso, Orthar tomou apenas um terço do mundo e criou dois enormes rios. Esses rios começavam no Grande Lago e terminavam no oceano. Cada rio tinha mais de 100.000 quilômetros de largura, muito além do alcance do sentido de qualquer besta.

    Esses dois rios dividiram os três territórios das bestas terrestres. Um rio passava pelo noroeste, enquanto o outro cruzava o sudoeste do continente. Dessa forma, os três territórios restantes não podiam se comunicar sem invadir o território das bestas marinhas.

    Além disso, Orthar ainda não havia tomado toda a sua metade. Ele ainda podia reivindicar mais 5% da área total sem violar o decreto de Meadow. Isso tornava impossível para qualquer Imperador de nível quatro sair de seu território para se comunicar com outro.

    Afinal, se um deles deixasse sua região, as bestas marinhas saberiam que aquele território não tinha um Imperador de nível quatro protegendo-o, tornando-o vulnerável a um ataque oportunista. Nenhuma das três regiões queria ser a que perderia uma grande porção de suas terras.

    Essa situação criou um cenário em que as bestas marinhas possuíam menos território, mas estavam em completo controle. Elas podiam decidir quando e onde atacar.

    Essa distribuição transformou o continente em um verdadeiro moedor de carne. Anteriormente, havia apenas duas frentes de batalha: o território do sul e o do norte tinham uma frente cada, enquanto o território ocidental não tinha nenhuma.

    Agora, cada território estava cercado por bestas marinhas. A linha de frente se estendia por toda a sua borda. Isso intensificou a guerra entre as bestas, forçando todos a participar do conflito para não serem aniquilados.

    Afinal, era importante lembrar que Meadow ordenou que os territórios fossem divididos, mas não proibiu que as bestas entrassem no território umas das outras.

    Assim, se as defesas das bestas terrestres falhassem, as bestas marinhas poderiam invadir sua região, exterminando todas as bestas sem necessariamente reivindicar o território para o mar.

    Isso transformaria os três continentes restantes em terras desoladas e mortas.

    A guerra estava mais intensa do que nunca, e as bestas marinhas estavam no comando total.

    Orthar havia vencido a guerra.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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