Capítulo 299: Parede
— Você é péssimo em falar com garotas — Manuel disse do lado, arrancando um olhar de canto de Gravis. — Ei, não quis dizer dessa forma — Manuel falou com um sorriso. — Sei que você está tentando ajudá-la ao mostrar a dura e crua verdade do mundo, sem filtros, mas às vezes o jeito direto não é o mais eficaz.
Gravis franziu as sobrancelhas. — Por que não? Se eu não falar como é, não vai ser tão eficaz ou descritivo.
Manuel suspirou, sem saber o que fazer. — Isso é verdade, mas só para pessoas que conseguem controlar bem as emoções. Nem todo mundo consegue manter suas emoções completamente sob controle e pensar racionalmente, mesmo quando estão abaladas.
As sobrancelhas de Gravis permaneceram franzidas. — Mas cultivadores com uma Aura de Vontade conseguem controlar as emoções.
Manuel coçou a cabeça. — Normalmente, eu concordaria, mas Joyce é um caso especial.
Agora, Gravis levantou uma sobrancelha. — Como você sabe disso? Você acabou de conhecê-la — Gravis perguntou.
Manuel fez uma expressão de quem não sabia muito bem como responder. — Bem, é meio óbvio — disse ele com um tom impotente. — Eu não a conheci antes, mas já ouvi falar dela. Sei que ela é do Clã Freya e que cultiva o Raio da Vida. Se você quiser alcançar ela, deve falar com ela como se fosse uma mortal, e não uma cultivadora.
— Isso seria como falar de forma condescendente. Por que eu falaria com cultivadores como se fossem mortais inexperientes? Isso seria desrespeitoso à toa — Gravis respondeu calmamente.
O grupo de Joyce apenas observava o vai e vem da conversa com sorrisos sem jeito, preferindo não se meter.
— É aí que você está errado — Manuel disse com uma expressão séria. — Você diz que os mortais são inexperientes, mas a maioria dos mortais consegue viver uma vida sem arrependimentos. Não é isso que todos nós buscamos? Esse não é o propósito da nossa busca pelo cultivo? Queremos ser livres e buscar nosso próprio destino — Manuel afirmou.
Gravis coçou a cabeça. — Hm, talvez nesse sentido você esteja certo. Mas os mortais não sabem como o mundo funciona para nós, cultivadores. Claro que eles terão menos arrependimentos.
Manuel sorriu. — Verdade, mas isso não muda o resultado. Mais mortais levam vidas plenas do que cultivadores. Isso é um fato. Você não pode mudar isso.
Gravis queria argumentar, mas percebeu que não tinha contra-argumentos. Era verdade que ele não podia mudar esse fato. Se ele não conseguia refutar, provavelmente significava que estava errado. Gravis coçou o queixo, interessado. “Interessante. Talvez Manuel esteja falando a verdade.”
Então, Gravis olhou para Manuel com um olhar curioso. — Me fale mais.
Manuel ficou um pouco surpreso com a mudança rápida de mentalidade de Gravis, mas logo se recuperou. O sorriso de Manuel se transformou em algo mais genuíno. — Acho que o problema de muitos cultivadores estarem tão estressados, cruéis e sérios o tempo todo é que somos obrigados a suprimir nossas emoções. Afinal, se não fizermos isso, sentiríamos pena de cada inimigo que matamos, choraríamos por dias quando nossos entes queridos morressem ou tomaríamos decisões erradas em combate. Não podemos nos permitir ser emocionais, porque as emoções podem nos custar a vida.
Gravis pensou sobre isso e assentiu. “Faz sentido.”
— Então — Manuel continuou, levantando o dedo indicador direito. — Sentimos menos raiva, menos tristeza e também menos piedade. Mas não podemos simplesmente escolher quais emoções queremos suprimir. Não funciona assim. Por causa disso, também sentimos menos felicidade, menos empolgação, menos amor, menos amizade e menos proximidade em geral. No fim, nossa visão da vida se torna focada em resultados e cinzenta. O mundo perde suas cores. Canalizamos todas as nossas emoções positivas em um objetivo, e se não conseguimos alcançá-lo, sentimos um imenso arrependimento.
Gravis refletiu sobre essas palavras e também sobre si mesmo. “Isso é verdade? Bem, fiquei feliz pelo avanço do velho, mas não tão feliz assim. Quando Joyce condensou sua Vontade de Unidade, também não fiquei particularmente empolgado. Quando vi muitos discípulos da Seita do Relâmpago condensarem seu Raio de Destruição, eu também não me importei muito.”
Gravis coçou o queixo, pensativo. “Progredir no meu cultivo ou vencer uma luta me deixa feliz. Mas, o único momento no Continente Central em que fiquei feliz e que não estava relacionado ao meu cultivo foi quando entrei na Seita do Relâmpago.”
Gravis continuou pensando, e conforme o tempo passava, sua expressão ficava mais séria. “Esse foi literalmente o único momento no Continente Central. E no Continente Intermediário? Fiquei feliz quando conheci Skye. Também fiquei feliz quando a acompanhei e conversei com ela. Gostava da companhia de Aion, mesmo sabendo que ele se tornaria meu inimigo no futuro. Quando tirei um tempo para descansar, me senti mais feliz do que o normal.”
Agora, Gravis estava franzindo o cenho. “No Continente Intermediário, tive mais momentos de felicidade do que no Continente Central. E no Continente Exterior? Não seria errado me chamar de um desastre emocional naquela época. Sentia raiva, frustração e ódio, mas até coisas pequenas me deixavam animado. Fiquei empolgado quando conheci Joyce. Fiquei animado ao conversar com os bandidos. Hoje em dia, eu nem ligaria para essas coisas.”
Gravis suspirou enquanto os outros o observavam com interesse. O rosto de Gravis ficava cada vez mais triste com o passar dos segundos. “Quanto mais progredi, menos altos e baixos emocionais senti. Quando vi o cadáver do pai de Skye, achei que não senti nada. Mas isso é verdade? Será que, honestamente, não senti absolutamente nada?”
Gravis buscou dentro de si e tentou olhar para seus sentimentos. No entanto, em certo momento, ele sentiu como se tivesse tocado em algo perigoso. Era como uma parede ou uma represa bloqueando alguma coisa. Essa parede parecia negra para ele, e ele não queria olhar para ela. Pela primeira vez em muito tempo, Gravis sentiu medo de algo. Ele não queria tocar nessa parede. Sentia que, se a tocasse, cairia em um abismo.
Gravis respirou fundo, tremendo. “Será que vivo sem arrependimentos? Será que realmente não me importo em estar sozinho? Sim, tenho a Seita do Relâmpago, mas realmente sinto que faço parte dela? Oficialmente, sim, mas as únicas pessoas na Seita com quem tenho conexão são o velho e Lasar. E se um desses dois morrer?”
Gravis permaneceu em silêncio, imerso em seus pensamentos. “Eu me sentiria mal se eles morressem? Gosto de acreditar que não, mas será que isso é verdade?”
— Gravis! — Manuel gritou, tirando Gravis de seus pensamentos. — Sei o que você está passando agora. Passei por algo semelhante há cerca de um ano atrás. Aconteceu nos dias após meu mestre morrer. Fiquei surpreso com o quão pouco senti quando meu mestre e mentor de toda a vida morreu, e fiquei refletindo sobre isso por um longo tempo. Após pensar bastante, percebi que, na verdade, me sentia incrivelmente mal. Não apenas pela morte do meu mestre, mas também por muitas outras coisas.
Manuel se aproximou de Gravis e colocou a mão em seu ombro. — Agora não é a hora. Deixe isso para quando você tiver tempo e não houver inimigos por perto — Manuel disse com compaixão.
Gravis respirou fundo e retomou o controle de suas emoções. Em praticamente nenhum tempo, ele voltou a ser o que ‘sempre’ foi. Ele se virou para Manuel e assentiu. — Obrigado, de verdade — ele disse com sinceridade.
Manuel deu um tapa no ombro de Gravis. — Não foi nada! — Então, Manuel sorriu. — Se eu tivesse te dito diretamente a fria, dura e crua verdade, você teria acreditado de imediato?
Gravis suspirou. — Não — admitiu.
O sorriso de Manuel se alargou. — Viu? Às vezes, para fazer as pessoas entenderem, você precisa guiá-las até a verdade devagar. Apenas explique lentamente, com termos e sentimentos que elas compreendam. Tente isso quando falar com Joyce. Afinal, você vai precisar levar em conta os sentimentos dela se quiser ter uma chance com ela.
Gravis franziu o cenho para Manuel. — Não é assim.
— Sim, claro, claro — Manuel respondeu displicentemente, voltando para seu lugar. — Joyce expõe suas emoções à flor da pele. Ela não tem a mesma força que você, mas também não tem a mesma fraqueza. Tudo tem suas vantagens e desvantagens. Já ouviu essa frase antes?
Gravis riu amargamente. — Sim, eu uso bastante.
— Ótimo! Tente se lembrar disso. Pelo que vejo da sua vontade, talvez você tenha passado por muito mais do que muitos de nós juntos, mas não é só a quantidade que importa. Pessoas diferentes passam por experiências diferentes, que ensinam coisas diferentes. Uma visão diferente não necessariamente é uma visão mais fraca — disse Manuel com um sorriso antes de voltar a absorver suas Pedras de Energia.
Gravis suspirou de novo, refletindo sobre essas palavras. No entanto, ele não respondeu. Não havia necessidade.
Com a conversa encerrada, Gravis voltou a focar em seu objetivo e na luta que se aproximava. Essa Provação do Céu poderia ser considerada um confronto direto entre ele e o Céu. Se quisesse vencer e sobreviver, precisava estar em sua melhor forma.
Assim, vários minutos se passaram.
E então, Joyce voltou.
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