Capítulo 18: Além da Queda
Kazuki e Yuki continuaram conversando, e eu voltei a focar na corda, tentando afastar os pensamentos negativos.
Eu sabia que Kazuki era um cara legal, mas a inveja ainda queimava em meu peito, misturada com um sentimento de inadequação que eu não conseguia superar. Sentia-me sozinho, mesmo cercado por amigos, e aquela cena só tornava tudo mais evidente.
Voltei para junto de Seiji, Rintarou e a turma, cabisbaixo
O cabo de guerra começou. Estava acirrado, com gritos de “Vamos, puxem com mais força!” de um lado e “Não vamos perder!” do outro. O time vermelho acabou ganhando. Seiji fez uma careta para Aiko, que ficou nervosa.
Era então chegado a hora dos 200 metros masculinos.
— Sua vez chegou, Shin — disse Rintarou.
Fiquei nervoso no mesmo instante. Eu nem queria competir, mas fui meio que forçado a me inscrever, eu tinha que participar em pelo menos uma atividade do festival.
— Infelizmente… Vou indo.
— Tente não tropeçar! — disse Seiji, rindo.
Enquanto caminhava até as posições dos corredores, por algum motivo, lembrei-me da vez no fundamental em que tropecei no meu cadarço e caí, na frente de todos, durante a corrida de 100 metros. Foi uma memória vergonhosa que, por algum motivo, nunca consegui esquecer. E que, naquele instante, estava voltando pra mim.
Chegando na marca, vi que Kazuki estava ao meu lado. Decidi levar a sério. Queria ganhar na frente dos meus amigos, colegas de classe e principalmente na frente da Yuki. Meu coração batia acelerado, como se quisesse sair do peito. Senti uma mistura de ansiedade e determinação.
— Em suas marcas… preparar… vai!
Todos começaram a correr. O chão tremia sob os meus pés enquanto eu me lançava para frente, tentando acompanhar o ritmo de Kazuki. A torcida vibrava ao nosso redor, mas o som parecia distante. Tudo o que eu conseguia ouvir era o som da minha própria respiração e os batimentos rápidos do meu coração.
Kazuki saiu na frente, suas pernas se movendo com facilidade, enquanto eu lutava para manter a velocidade. Sentindo os músculos das pernas queimarem a cada passo. Olhei rapidamente para o lado e vi Seiji e Rintarou me apoiando com gritos encorajadores, mas a distância entre mim e Kazuki… só aumentava.
Enquanto corria, sentia o vento contra o rosto e o som dos gritos da torcida ao longe, como um eco distante. Estava tão focado em alcançar Kazuki que tudo ao redor parecia desfocado. Foi então que um corredor do time amarelo passou por mim, a velocidade dele me deixando para trás como se eu estivesse parado.
Um nó de frustração se formou no meu estômago, mas não havia tempo para pensar nisso.
Continuei correndo, mas foi quando senti algo errado que mudou tudo. Meu pé escorregou levemente, e, antes que pudesse entender o que estava acontecendo, meu corpo foi lançado pra frente.
Meu cadarço… estava desamarrado.
O mundo pareceu desacelerar, e eu só conseguia pensar:
“De novo não… essa vergonha outra vez não…”
O chão se aproximava rapidamente. Tentei me equilibrar, mas era tarde demais.
Caí.
O impacto foi duro, meus braços e joelhos rasparam contra o chão, e uma dor forte percorreu meu corpo. A poeira se levantou ao meu redor, o que tornava o momento mais humilhante. Por um instante, o som das vozes na torcida parecia distante, abafado, quase inexistente.
Mas a adrenalina tomou conta. Mesmo com o joelho doendo e as palmas das mãos queimando, me levantei rapidamente. O calor da vergonha era mais forte do que a dor.
“Levanta, Shin. Rápido.”
Essas palavras ecoavam na minha mente.
Ignorei tudo e todos, foquei apenas no movimento das minhas pernas, forçando meu corpo a continuar correndo. A torcida, antes um borrão confuso, parecia me puxar de volta para a realidade.
Eu podia ouvir, entre os gritos indistintos, as vozes de Seiji e Rintarou. Elas cortavam a multidão, me iluminando.
Finalmente, Kazuki cruzou a linha de chegada em primeiro lugar, seguido de perto pelo corredor do time amarelo. Apesar de tudo o que tinha acontecido, eu ainda consegui alcançar o terceiro lugar. Meu peito queimava pela falta de ar, minhas pernas tremiam, e cada músculo do meu corpo implorava por descanso.
Mas, por dentro, algo maior me pesava: um misto de alívio e derrota.
Enquanto tentava recuperar o fôlego, meus olhos instintivamente buscaram Yuki. Ela estava na lateral, junto de outros colegas de turma. Eu não sabia o que esperava ver, talvez um olhar de apoio ou uma expressão de preocupação.
Em vez disso, vi Kazuki apontando para ela, um sorriso no rosto, o tipo de gesto casual que fazia tudo ao redor deles parecer insignificante. A reação foi imediata: um barulho começou entre os colegas que estavam próximos, especulando se eles estavam namorando ou algo assim.
Aquela cena foi como um soco.
Não sabia exatamente o que eu sentia, mas meu peito parecia apertado de uma forma que a corrida nunca causaria. E então, como se não bastasse, a memória da minha queda veio à tona, trazendo consigo uma onda estupidamente grande de vergonha.
Sem olhar para ninguém, comecei a caminhar em direção à enfermaria. Mantive os olhos fixos no chão, evitando os olhares ao redor. Cada passo parecia pesar mais do que o anterior, como se eu estivesse arrastando junto minha própria decepção.
Enquanto me afastava, ouvi passos atrás de mim. Rintarou e Seiji me seguiram, como sempre. Eles não eram do tipo que deixavam alguém enfrentar algo sozinho, e naquele momento, eu me sentia imensamente grato por isso.
— Ei, Shin. Não esquenta com isso. — Rintarou disse, a voz calma, mas firme, enquanto se aproximava de mim. Ele me deu um leve soco no ombro, o tipo de gesto que carregava mais significado do que qualquer palavra. — Você foi bem lá fora. De verdade.
Seiji, como era de se esperar, tinha uma abordagem completamente diferente. Ele soltou uma risada e deu um tapinha nas minhas costas, que quase me fez cair no chão, de novo.
— É, cara, todo mundo tropeça de vez em quando. Literalmente… — Ele piscou um olho para mim, um sorriso travesso no rosto. — Mas olha só, você ainda conseguiu o terceiro lugar! Não é qualquer um que cai e ainda sobe no pódio, sabia? Você correu muito!
Eu não consegui evitar um pequeno sorriso. Era impossível não me sentir um pouco melhor com eles por perto. Eles tinham um jeito único de transformar até os piores momentos em algo suportável.
— Sim, sim… — murmurei, minha voz baixa, mas sincera.
Eles ficaram em silêncio por um instante, respeitando o espaço que eu precisava, mas sua presença era reconfortante. Com isso, continuei meu caminho até a enfermaria, onde poderia pelo menos cuidar do estrago nos meus joelhos.
A porta rangeu levemente ao abrir, e o ambiente fresco da sala foi como um alívio imediato para o calor do campo. Caminhei até uma cadeira, pronto para desinfetar o ferimento e colocar um curativo.
Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, notei que não estava sozinho. Aiko estava ali também.
Ela olhou para mim por um momento, pensativa, e então seu rosto se iluminou.
— Oh! Shin, certo? — perguntou ela, confirmando o meu nome.
— Ah, isso — respondi, meio surpreso que ela lembrasse do meu nome.
— O que você veio fazer aqui?
— Vim desinfetar e colocar um curativo — expliquei, mostrando o machucado.
Ela sorriu gentilmente e se aproximou.
— Ah! Me deixa te ajudar com isso.
Não resisti, e apenas sentei e deixei que ela cuidasse do meu ferimento. Enquanto ela me tratava, um silêncio confortável se instalou. Aiko era habilidosa e cuidadosa, o que me fez sentir um pouco menos constrangido com a situação.
No meio do silêncio, ela finalmente quebrou o gelo.
— Hmmm. — disse ela, suavemente. — Eu vi o que aconteceu na pista de corrida.
Fiquei com vergonha e virei a cabeça, tentando evitar seu olhar.
Parecia que todos tinham visto a queda…
— Não se preocupe. Eu mesma já caí muitas vezes. — Ela disse, apontando pro joelho dela com algumas machucados pequenos. — Cair não é motivo de vergonha, mas não levantar e desistir é que é.
Aquelas palavras me pegaram de surpresa. Aiko continuou, enquanto terminava de desinfetar o ferimento e aplicava o curativo.
— O que eu vi foi alguém que, mesmo após cair, teve a coragem de se levantar e continuar. Isso é algo para se orgulhar, Shin.
— Ainda assim, foi bastante vergonhoso… — respondi, coçando a nuca.
Ela terminou de tratar o meu joelho e sorriu para mim.
— Hm? Não pense que foi uma vergonha. Pelo contrário, foi uma demonstração de força. — ela continuou, enquanto mostrava um grande sorriso no rosto. — Digo, você levantou e continuou, né?
Fiquei em silêncio por um momento, absorvendo suas palavras. Elas eram mais profundas do que eu esperava, e me fizeram sentir um pouco melhor sobre o que aconteceu.
— …Obrigado, Aiko — disse, finalmente, levantando-me.
— Nada! E lembre-se, sempre que precisar, tô por aqui… tratando do meu joelho também — ela riu suavemente.
Nos despedimos, e saí da enfermaria com os passos mais lentos do que o normal. As palavras de Aiko ainda ecoavam na minha mente, leves, mas carregadas de algo que eu não conseguia explicar.
A área do refeitório improvisado para o festival estava movimentada, cheia de vozes altas, risadas e sons de talheres ecoando pelo espaço aberto. Famílias inteiras estavam sentadas juntas, conversando e compartilhando comidas feitas em casa ou compradas no local.
Era o típico caos alegre que parecia dar vida ao festival esportivo.
Mas, diferente de quase todos, eu estava sozinho. Tinha pedido para minha família não vir ao evento, achando que seria mais fácil não ter ninguém assistindo.
Talvez fosse, se eles tivessem visto aquela queda…
Ainda assim, enquanto me sentava em um canto mais afastado, com o almoço cuidadosamente preparado por minha mãe em mãos, essa decisão parecia um pouco amarga no momento.
Enquanto comia, avistei Yuki à distância. Ela estava parada, olhando ao redor com uma expressão nervosa, segurando algo na mão. Não conseguia ver o que era, e ela o apertava contra o peito, como se contivesse algo importante.
Só consegui pensar no que poderia ser tão importante para deixá-la assim.
Quase sem perceber, levantei e dei alguns passos na direção dela, mas hesitei. A curiosidade lutava contra minha timidez.
Perguntar o que estava acontecendo parecia o certo a se fazer, mas… e se ela me achasse intrometido?
Yuki olhou em minha direção por um breve momento, e senti um frio na barriga. Mas, antes que eu pudesse reagir, seu olhar já havia se desviado, como se eu nem estivesse ali. O objeto em suas mãos e seu comportamento inquieto me deixaram ainda mais intrigado.
Mesmo sem entender, aquela cena permaneceu na minha mente pelo resto do dia. Algo parecia fora do comum, mas talvez fosse apenas impressão minha.
Ou talvez… fosse o começo de algo que eu ainda não conseguia enxergar.
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