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    O som suave do despertador ecoou pelo quarto, mas, dessa vez, eu já estava acordado. Era estranho, eu costumava ser um dos últimos a se levantar. Até mesmo Akira, que costumava pular no mesmo instante que o despertador tocasse, ainda estava roncando, resmungando algo entre os lençóis.

    Sentei-me na cama, espreguiçando e respirando fundo. O ar fresco da manhã que entrava pela janela me dava uma sensação diferente. Meus ombros pareciam de alguma forma, muito mais leves.

    — Hoje vai ser um bom dia… — disse para mim mesmo.

    Era a primeira vez em dias que eu realmente acreditava nisso.

    Levantei, olhei ao redor, e sorri ao ver Akira ainda mergulhado nos cobertores. Ele ia odiar ser o último a acordar. E, claro, não perdi a chance de provocar.

    — Ei, Akira… O café já tá quase acabando! — eu disse, com um tom de brincadeira. Não era algo que eu costumava fazer, mas naquele momento parecia apropriado.

    Ele resmungou algo incompreensível, enquanto Taro continuava a roncar, alheio a tudo. Até Seiji parecia mais calmo, enrolado no travesseiro. Sorri, sentindo-me mais vivo do que nos últimos dias.

    Depois de escovarmos os dentes, descemos para o refeitório. O hotel estava movimentado, com todos os alunos agitados para mais um dia de passeio na cidade. O cheiro de pães frescos e café voava no ar, trazendo aquele ambiente confortável… e de dar fome.

    Puxei uma cadeira e sentei à mesa com Seiji, Akira e Rintarou e outros colegas, que já estavam se servindo com o apetite de sempre.

    Enquanto eles discutiam sobre as visitas do dia, Kaori apareceu, mais uma vez, com uma bandeja lotada, equilibrando pães, doces e suco, como se estivesse participando de uma competição de quem conseguia empilhar mais comida.

    — De novo!? Caramba, Kaori, você tá alimentando uma família inteira? — disse Seiji, levantando as sobrancelhas ao ver a montanha de comida.

    Ela mordeu um pedaço de torrada, claramente orgulhosa de sua escolha.

    — Isso aqui? Isso é apenas a entrada! — Ela fez uma pose exagerada, tentando parecer elegante. — Eu não disse ontem? Isso aqui é uma entrada digna de uma garota fofa igual a mim!

    Akira, sentado ao lado, não perdeu a oportunidade de fazer graça.

    — Garota fofa… — disse Akira, enquanto ria sem parar. — Nem você acredita nisso, fala sério, Kaori…

    Kaori fez uma careta, mas logo devolveu na mesma moeda.

    — Pois é, Akira. Diferente de você, que só come besteira e nem tem energia pra andar direito depois. — Ela piscou, enquanto Seiji e Takeshi riam da provocação.

    — Eu não deixava…! — respondeu Seiji, enquanto Akira fingia uma expressão de dor dramática, como se tivesse sido ferido gravemente pelas palavras.

    — Vocês só me pegam no café da manhã! — disse Akira, gesticulando de forma exagerada, arrancando mais risadas da mesa.

    Eu não conseguia evitar de sorrir. O clima entre nós estava leve, divertido, e isso só reforçava o quanto a tensão dos últimos dias finalmente estava ficando para trás.

    Kaori fez uma careta para ele, mas depois virou-se para mim, me observando de perto por um momento. De repente, ela abriu um sorriso brincalhão.

    — Oh, Shin, você não parece mais com um panda! As olheiras sumiram!

    Antes que eu pudesse responder, Seiji entrou na brincadeira, me cutucando com o cotovelo.

    — Deve ter sido picado por um bicho aí de noite… Tá parecendo uma outra pessoa.

    Revirei os olhos, mas acabei rindo também.

    — …Talvez, eu só tenha dormido bem. O que, aliás, é algo que você devia tentar, Akira. — Olhei para ele, que ainda parecia meio tonto de sono

    Todos riram de novo, e o clima leve do café da manhã me fez relaxar.

    Enquanto tomava um gole do meu suco, notei algo no canto do olho. Olhei para o lado e, por um momento, meus olhos encontraram os de Yuki, que estava sentada com algumas amigas em outra mesa. Ela sorriu levemente para mim, um sorriso discreto, mas sincero.

    Meu estômago deu um leve nó, e, antes que eu pudesse retribuir o gesto, acabei desviando o olhar.

    Por que fiz isso?

    Eu não sabia ao certo. Talvez fosse só por hábito.

    Ou talvez ainda estivesse um pouco desconcertado depois de tudo que aconteceu.

    Enquanto me forçava a não pensar demais sobre aquele momento, o professor Tanaka entrou no refeitório, batendo palmas para chamar nossa atenção.

    — Pessoal, o horário hoje é cheio novamente, então aproveitem bem o café da manhã! — Ele levantou uma prancheta. — Não se atrasem, vamos partir em breve!

    A turma respondeu ao mesmo tempo, e logo começamos a nos preparar. Todos animados para o dia à frente.

    Depois do café da manhã, nos reunimos no saguão do hotel. Mochilas nas costas, câmeras em mãos e a animação evidente em cada rosto. O dia estava claro, com o sol brilhando sobre a cidade e um céu azul, criando o cenário perfeito para explorar. O ar era fresco, e o clima, leve.

    Senti uma expectativa diferente no ar, algo no meu peito parecia dizer que aquele seria um dia memorável.

    — A primeira parada de hoje é o Santuário Fushimi Inari! Não se afastem do grupo e aproveitem bem o passeio! — anunciou o professor Tanaka, tentando controlar a excitação crescente entre os alunos.

    Fushimi Inari, o famoso santuário com seus milhares de torii vermelhos, era um dos lugares mais conhecidos e fotografados de Kyoto. Eu tinha visto várias fotos antes, mas estar lá, caminhando entre os corredores infinitos de portões vermelhos, seria uma experiência completamente diferente.

    Akira, como sempre, tentou assumir o papel de líder, indo na frente e guiando o grupo com uma animação renovada. Óbvio, não demorou muito para ele começar a errar o caminho, já que o santuário era gigante e cheio de trilhas. A cada virada errada, as risadas ficavam mais altas.

    — Akira, se continuar assim, a gente vai acabar do outro lado da cidade — provocou Seiji, rindo enquanto Akira tentava manter a pose de guia.

    — Relaxa, eu sei exatamente onde estou indo! Confia em mim, mano! — respondeu Akira, apontando para uma trilha aleatória.

    — Claro que sabe… — eu murmurei, acompanhando o grupo, sem conseguir evitar sorrir. O clima era leve, e por um momento, consegui me esquecer de tudo o que havia me preocupado nos últimos dias.

    O santuário era realmente incrível. Assim que começamos a caminhada pelos portões vermelhos, todos pareciam ter a mesma reação que eu: abismados. Os portões, enfileirados um atrás do outro, criavam um túnel interminável de vermelho, o que fazia, basicamente, um contraste com a floresta verde ao lado.

    Era quase… hipnotizante. Tão bonito.

    — Uau, isso aqui é ainda mais bonito do que nas fotos! — Kaori exclamou, já com a câmera em mãos, pronta para capturar cada ângulo possível.

    Enquanto continuávamos a caminhar, passando por pequenas lojas e barracas que vendiam amuletos e lembranças, meus olhos, como de costume, procuraram por Yuki. Ela estava mais à frente, junto de Kazuki e outras garotas. Ela ainda parecia para baixo, mas eu já sabia o motivo disso.

    — Tá pensando em algo? — Kaori perguntou, notando que eu estava um pouco distraído.

    — Ah, nada de mais… — respondi, tentando soar despreocupado.

    O dia seguiu com mais passeios pelos caminhos do santuário, paradas estratégicas para comprar sorvetes ou amuletos de sorte, e, claro, muitas risadas. Durante o almoço, nos sentamos em uma praça movimentada, cercada por barracas de comida vendendo de tudo: frango grelhado no espeto, macarrão grosso, frituras locais e outras comidas.

    Akira foi o primeiro a pular na fila para comprar algo, já devorando um prato de costeleta de porco empanado, antes de se sentar.

    — Isso aqui é incrível! — ele exclamou com a boca cheia, como de costume.

    — Akira, se você continuar assim, vai explodir cara! — disse Takeshi, balançando a cabeça enquanto todos riam da situação.

    — Shin, você tem que provar esse ramen aqui! Ele é muito bom! — disse Seiji enquanto se acabava em um prato de ramen.

    O clima era leve e, por um momento, me permiti relaxar e aproveitar. Mas, então, um rumor começou a circular entre os grupos:

    Yuki tinha desaparecido.


    O grupo de Kazuki parecia agitado, conversando entre si, e logo alguém anunciou que ela tinha se perdido do grupo.

    — Onde ela está?! — ouvi uma das amigas dela perguntar, olhando ao redor, preocupada.

    — Ela deve ter se perdido na multidão… Vamos procurá-la! — sugeriu outra.

    A preocupação me atingiu como um soco no estômago. Era quase impossível afastar a sensação de que algo poderia ter dado errado. Mesmo que fosse só uma pequena confusão, a ideia de Yuki estar sozinha, perdida naquele mar de turistas e estudantes, me deixou inquieto de um jeito que eu não queria admitir.

    E a ideia de algo acontecer com ela… bem, me deixava mais nervoso do que deveria.

    Ofereci ajuda para a procurar, sem hesitar.

    Caminhei pelos jardins, o coração batendo mais rápido a cada passo. Meus olhos vasculhavam todos os cantos, tentando captar qualquer sinal de sua presença. O grupo seguia por um lado, mas algo me dizia que ela não estaria onde os outros procuravam.

    A cada passo que eu dava, o peso no meu peito aumentava.

    “Onde você está, Yuki?”, era a única pergunta que rodava na minha mente. O vento soprava suavemente, balançando as folhas das árvores, mas minha atenção estava inteiramente em tentar encontrá-la.

    Estava quase desistindo de procurar em uma certa direção, até que olhei em uns arbustos.

    E então, finalmente, a vi.

    Ela estava sentada sozinha em um banco, as mãos repousando no colo, olhando para o jardim à sua frente. Os raios de sol passavam pelas folhas das árvores, iluminando seu rosto de maneira suave. Por um segundo, hesitei, simplesmente observando-a ali, parecendo tão tranquila, mas, ao mesmo tempo, tão alheia a tudo ao redor.

    Senti uma onda de alívio me invadir. Mas junto com ela, veio também um calor inesperado, algo que eu não conseguia controlar.

    Me aproximei devagar, mas, quando percebi o quanto estava perto, as palavras saíram mais rápido do que planejei:

    — Yuki! Finalmente te encontrei!

    Minha voz saiu um pouco mais alta do que pretendia, e ela se virou de repente, surpresa. Nossos olhares se encontraram, e por um segundo, parecia que o tempo havia desacelerado.

    — Shin? O que você está fazendo aqui?

    Respirei fundo, tentando não deixar meu nervosismo transparecer. Meu coração ainda estava acelerado, mas, dessa vez, não só pela preocupação.

    — Todo mundo está te procurando… Você se perdeu?

    Ela desviou o olhar, envergonhada, e seus dedos brincaram com a bainha de sua blusa.

    — Ah… eu acabei me perdendo por causa da multidão. Desculpa… não queria causar problemas.

    Houve algo em sua voz, um toque de vulnerabilidade, que me fez querer aliviar a culpa que ela parecia estar sentindo.

    — Tá tudo bem — respondi, e me surpreendi com a sinceridade na minha própria voz. — Eu só… fiquei preocupado com você.

    As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar, e imediatamente senti meu rosto esquentar.

    Por que falei isso assim tão… direto?

    Só esperava que ela não tivesse prestado atenção a essa última frase…

    Ela ergueu o olhar para mim, os olhos um pouco arregalados, claramente surpresa.

    — Você ficou preocupado… comigo?

    Ah.

    Aquela pergunta, com o tom suave e quase tímido, me deixou mais nervoso do que eu gostaria de admitir. Meu cérebro entrou em curto por um segundo, e só consegui gaguejar uma resposta.

    — Ah… é… quer dizer, claro, todo mundo estava preocupado… Mas… — Desviei o olhar — Eu também… estava.

    Ela me olhou por mais alguns segundos, como se tentasse entender o que eu realmente queria dizer. Então, para minha surpresa, um sorriso leve e genuíno apareceu em seus lábios.

    — …Obrigada, Shin — Ela agradeceu de forma tranquila, mas com uma sinceridade que fez algo dentro de mim relaxar. — Eu não percebi que tinha me afastado tanto… desculpa por ter te preocupado.

    O calor no meu rosto só aumentou com aquelas palavras, mas, dessa vez, não tentei disfarçar.

    — N-não tem problema. Vamos voltar?

    Ela apenas assentiu, o sorriso ainda presente no rosto, e se levantou do banco. Começamos a caminhar de volta em direção ao grupo, e o silêncio entre nós foi… confortável. Por mais que houvesse coisas que eu quisesse perguntar, talvez não fosse o momento.

    — Às vezes… — ela disse de repente, quebrando o silêncio enquanto caminhávamos. — Eu tenho um péssimo senso de direção. Tipo, muito ruim. Acho que deveria andar com um mapa colado na testa ou algo assim. — Ela riu de si mesma, encolhendo os ombros de um jeito meio engraçado… e fofo?

    Houve um tom leve e descontraído em sua voz, que me fez relaxar um pouco. O jeito natural com que ela admitia isso era quase… cativante.

    — Sério? — perguntei, tentando segurar o riso. — Um mapa na testa não parece uma ideia muito prática. Mas, sabe… até que poderia funcionar.

    Ela riu um pouco mais alto dessa vez, o som tão leve quanto o vento que soprava pelas árvores ao nosso redor.

    — Olha, não seria a pior ideia que já tive — ela brincou, balançando a cabeça. — Acho que preciso de uma bússola também. Ou de um GPS humano… tipo você.

    Meu rosto esquentou com o comentário, e eu virei o rosto, fingindo estar interessado nas árvores ao redor.

    — Bom, se você precisar, acho que posso te ajudar a não se perder de novo… — murmurei, meio sem jeito, mas com um sorriso.

    Ela me olhou de lado, ainda rindo, mas com um brilho mais suave nos olhos.

    — É bom saber disso. Vou te contratar como meu guia pessoal então. — Ela piscou, com um pequeno sorriso no rosto.

    — Pode deixar — respondi, rindo um pouco agora, sentindo que o clima entre nós estava muito mais leve do que antes.

    Conforme caminhávamos de volta ao grupo, o silêncio que se seguiu não era desconfortável. Pelo contrário, era como se estivéssemos encontrando uma nova forma de conversar, sem a tensão dos últimos dias.

    Era pequeno, mas a conexão entre nós parecia um pouco mais forte.

    Quando finalmente voltamos ao grupo dela, ela deu um pequeno aceno e voltou a se juntar às amigas, que a cercaram com perguntas preocupadas. Eu, por outro lado, fiquei parado por alguns segundos, apenas observando de longe.

    Uma coisa era certa:

    Algo entre nós tinha mudado. Não sabia exatamente o que era, mas… estava ali. E, pela primeira vez, isso me fez sentir uma leve esperança.

    O resto do dia seguiu em um ritmo leve, entre mais visitas, risadas e conversas descontraídas. A sensação de companheirismo e diversão estava no ar, e, pela primeira vez em muito tempo, eu realmente me deixei levar por ela.

    Quando finalmente voltamos ao hotel, o cansaço físico era evidente em todos, mas havia uma satisfação compartilhada. Todos estávamos exaustos, mas era aquele tipo de cansaço que vinha depois de um dia bem aproveitado.

    O jantar foi rápido e animado, com todo mundo relembrando os momentos mais engraçados do dia. Akira e Seiji, claro, estavam fazendo piadas sobre qualquer coisa e arrancando gargalhadas de todos. Mas, depois de tanta diversão, as energias começaram a baixar, e logo cada um foi se dispersando para seus quartos.

    Akira, com aquela sua energia estupidamente anormal, sugeriu mais uma rodada de jogos, seus olhos brilhando de animação.

    — E aí, Shin? Vamos jogar mais uma antes de apagar as luzes? — Ele sorriu, já sabendo que eu provavelmente recusaria.

    Eu sorri de volta, balançando a cabeça.

    — Acho que vou pular dessa vez. Preciso descansar um pouco… — Na verdade, eu só queria um momento para processar tudo que tinha acontecido.

    Ele deu de ombros, rindo.

    — Beleza, velhote. Vou ter que dar uma surra nos outros então!

    — Ein? Quem você pensa que tá chamando de velhote?! — ri com a provocação, mas me despedi do grupo, voltando para o quarto em silêncio.

    A verdade é que, depois de um dia tão cheio de descobertas e pequenos momentos significativos, eu precisava de tempo. Não era cansaço físico; era como se a minha mente estivesse tentando reorganizar tudo.

    Ao me deitar, o silêncio finalmente me envolveu, contrastando com o barulho distante das conversas e risadas pelos corredores. Fechei os olhos, sentindo a tranquilidade se espalhar. Pensamentos sobre Yuki e tudo o que havia acontecido surgiram na minha mente, mas, pela primeira vez, não senti o peso de uma preocupação esmagadora.

    Em vez disso, havia uma leveza. Um alívio. Era como se as peças estivessem finalmente se encaixando, e, com isso, veio uma sensação de paz que eu não sentia há muito tempo.

    O dia seguinte seria o último antes de voltarmos para casa, e, de alguma forma, eu me sentia pronto para o que quer que acontecesse.

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