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    Na mesa do clube, eu, Rintarou, Mai e Taro revisávamos as últimas páginas do roteiro, ou pelo menos a parte que já estava quase pronta. Rintarou ajustou os óculos, franzindo a testa enquanto lia uma página cheia de anotações riscadas.

    — A cena final precisa de um ajuste — ele começou com a voz calma, mas com um tom que deixava claro que não tava satisfeito. — O beijo do príncipe ainda está… vago.

    Mai bateu levemente a caneta na mesa, o som ecoando no silêncio da sala.

    — Não dá pra detalhar muito — respondeu ela, olhando pro teto como se a resposta estivesse lá. — A Sasaki já disse que quer manter simples.

    Taro, largado na cadeira com os olhos semicerrados, deu um bocejo longo antes de murmurar:

    — Só coloca “o príncipe salva ela” e deixa eles se improvisarem o resto… — A voz dele saiu tão arrastada que parecia que ele ia dormir ali mesmo.

    Olhei pro meu caderno, as linhas cheias de rabiscos tortos, e senti um aperto leve no peito, por algum motivo.

    Talvez fosse o fato de que Yuki simularia um beijo com outra pessoa…

    — Vamos entregar o que temos por enquanto — sugeri, empilhando as páginas com um pouco mais de força que o necessário. — Eles precisam começar os ensaios logo.

    Na sala de aula, Yuki e Sasaki já folheavam as primeiras cenas que tínhamos entregado. Akemi, uma aluna que acabou ficando com o papel da Rainha Má, ria alto enquanto lia o roteiro, a voz dela ecoando pela sala

    — “Majestade, esse penteado tá um desastre”? — disse ela, segurando as páginas com um sorriso largo. — Isso tá muito bom!

    Mai apontou a caneta pra mim, um sorrisinho malicioso no rosto.

    — Essa foi uma ideia do Shin.

    Eu cocei a nuca, sentindo o rosto esquentar um pouco. Yuki olhou na minha direção, o sorriso dela suave e quente, e por um segundo esqueci o que estava fazendo. 

    — Tá ficando bom mesmo — disse Yuki, virando uma página. — A Rainha Má engraçada vai fazer todo mundo rir!

    Sasaki assentiu ao lado dela, tímida como sempre, mexendo nas mangas do uniforme.

    — Só espero não tropeçar nas falas… — murmurou ela, quase pra si mesma.

    Yumi riu, dando um tapinha no ombro dela.

    — Vai ficar tudo bem, Sasaki! Você vai arrasar de príncipe!

    Eu abaixei a cabeça pros papéis, tentando não imaginar a peça inteira se desenrolando na minha frente — ou a Yuki num vestido de princesa. Precisava de foco naquele momento.

    O pátio da escola era um caos que, de algum jeito, parecia fazer sentido. Tábuas de madeira empilhadas num canto, latas de tinta abertas espalhando um cheiro forte que grudava na roupa, rolos de tecido colorido jogados no chão como se alguém tivesse desistido de organizar eles.

    Seiji gritava ordens pra um grupo que cortava uma tábua meio torta, o som da serra se misturando com risadas e murmúrios abafados.

    Akira, segurando um pincel, tentava pintar uma parede do castelo, mas deixava mais machas que qualquer coisa.

    — Não, Akira! É pra pintar reto! — gritou uma garota chamada Mina, apontando pro desastre na madeira.

    — Tsc. Eu tô tentando, tá?! — resmungou, limpando tinta da testa e espalhando ainda mais no rosto.

    Eu estava no canto, segurando meu caderno ainda pensando no final do roteiro, tentando me misturar com as sombras das árvores pra ninguém me notar.

    Eu estava trabalhando no roteiro, então não precisava trabalhar, certo? Sim, certo, certo.

    Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, Seiji virou a cabeça rapidamente na minha direção.

    — Ei, Shin! — ele gritou, apontando uma serra na minha direção com um sorriso que não aceitava não como resposta. — Pega aquela lata de tinta e vem ajudar aqui!

    — Mas eu… — comecei, levantando o caderno.

    — Nada de “mas”, preguiçoso! — ele interrompeu, já me entregando um pincel sujo de tinta verde.

    Fala sério…

    Suspirei, largando o caderno num banco próximo, parecia que não tinha escapatória. Me juntei ao grupo, afundando o pincel na tinta e tentando pintar uma parte do castelo sem fazer muita bagunça.

    Ah, o uniforme já começava a sujar…

    Enquanto pintávamos, Aiko passou correndo, carregando uns rolos de tecido azul que parecia maior que ela.

    — Vocês tão indo bem, pessoal! — gritou ela, parando só por um segundo pra nos apoiar. — Esse castelo vai fazer as outras turmas comerem poeira! 

    — Duvido muito… — respondeu Akira, rindo enquanto jogava um pano sujo de tinta pro lado, quase acertando Mina que ficou furiosa no mesmo segundo. — O Maid Café da Kaori vai ganhar com certeza. Ouvi dizer que eles estão fazendo até cadeiras diferentes…

    Mina bufou, cruzando os braços.

    — Cadeiras? Quem liga pra essa bomba!? A gente vai ter um castelo! Castelo! — Ela apontou para as torres que, de longe, até pareciam algo saído de um conto mesmo. — E chega de conversa!

    O barulho de martelos, serras e risadas continuava enchendo o pátio, misturado com o calor do dia grudando na pele. Enquanto pintava, vi o cenário ganhando vida aos poucos — paredes de madeira que tomavam forma, uma janela desenhada com capricho, um pedaço de tecido que seria o céu estrelado.

    Era uma bagunça, mas uma bagunça que começava a parecer real.

    No meio do caos, Mina gritou do outro lado do pátio:

    — A gente tá ficando sem tinta azul pro fundo! Alguém precisa ir comprar mais!

    Antes que me enfiassem outra tarefa pior, tipo carregar tábuas ou qualquer outro trabalho pesado, levantei a mão rapidamente.

    — Eu vou! — falei, já me levantando antes que mudassem de ideia. Seiji jogou um punhado de moedas e algumas notas amassadas na minha direção.

    — Traz o troco… e uma latinha de suco! — gritou ele, já voltando pra serra.

    Saí do pátio com um alívio gigante, o ar fresco do bairro limpando o cheiro de tinta da minha cabeça. As ruas estreitas estavam cheias de alunos correndo com sacolas, provavelmente comprando coisas pro festival.

    Enquanto caminhava em direção a loja, vi Kazuki na esquina, equilibrando uma pilha de caixas tão alta que parecia que ele ia desaparecer atrás delas.

    — …Shin? — chamou ele, a voz abafada pelas caixas. — Me dá uma mãozinha aqui, por favor!

    Coloquei o dinheiro no bolso e segurei metade da pilha, sentindo o peso nos braços. As caixas estavam cheias de papéis, fitas e o que parecia ser uma faixa dobrada.

    — Uau, isso aqui tá pesado. Pra onde vai isso? — perguntei, enquanto ajustava o equilíbrio.

    Kazuki enxugou o suor da testa com um sorriso cansado, mas ainda com aquele ar tranquilo dele.

    — Vamos deixar na sala de aula mesmo. Ainda preciso pegar outras caixas — ele respondeu, dando um passo pra trás pra não tropeçar. — Entre reuniões do conselho, checar os ensaios e carregar essas coisas, eu mal respiro…

    Vendo assim, agradecia por, naquele dia, Kazuki ter levantado a mão primeiro para ser o vice-representante da sala. Eu definitivamente morreria se tivesse que fazer aquilo tudo…

    Caminhamos juntos por alguns metros com as caixas balançando de um lado pro outro enquanto desviávamos de outros alunos com sacolas, até que ele quebrou o silêncio:

    — Falando nisso, como tá indo os cenários e o roteiro? — perguntou ele, olhando de lado com um meio sorriso. — Ouvi dizer que a Rainha Má vai ser engraçada?

    — Sim. Todos estão trabalhando no cenário, e o roteiro já está quase pronto — falei, olhando pra calçada. — Yuki e Sasaki já tão ensaiando as primeiras cenas. Espero que dê certo…

    — Relaxa, vai dar — disse ele, assentindo. — A Yuki é boa nisso. Sempre leva tudo a sério, né?

    — …Sim, ela é muito dedicada — respondi, olhando para o céu, enquanto Kazuki me olhava de canto. — Mas e a Sasaki…?

    Chegamos na sala de aula, e pousamos as caixas num canto, enquanto estávamos aliviados por estar mais fresco ali dentro. Kazuki pegou uma garrafa de água, tomando um gole longo antes de se virar pra mim.

    — Valeu pela ajuda! Fico te devendo uma! — ele disse, apontando a garrafa na minha direção. 

    — Sem problemas — respondi, me virando em direção à porta, lembrando do pedido do pessoal no pátio. — Agora preciso ir comprar mais material, te vejo por aí.

    Estava quase na porta quando ele me chamou de novo, a voz mais baixa, com um tom que misturava curiosidade… e algo mais que eu não sabia identificar.

    — Ei, Shin… estive pensando nisso faz um tempo.

    — Hm? — me virei, erguendo uma sobrancelha.

    Kazuki tinha um sorriso torto no rosto, enquanto o vento vindo da janela bagunçava seus cabelos.

    — Poderia ser que…

    O meu coração parou.

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