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    Yumi deu um passo à frente. Takeshi cruzou os braços, já com um sorriso esquisito. Aiko nem disfarçou o brilho no olhar.

    E os outros… pareciam rezar pra eu entender sem precisar explicar.

    — Espera… — levantei as mãos, recuando um passo. — Não… Vocês não tão pensando o que eu tô pensando… tão?

    — Shin… — começou Yumi, com uma voz estranhamente doce, tentando me convencer de fazer o impossível. — Você escreveu o roteiro, não escreveu?

    — Escrevi. Mas isso não significa que…

    — Então conhece as falas — cortou Takeshi, se aproximando. — Pelo menos o bastante, né?

    E naquele instante, tudo se encaixou na minha cabeça. Horrivelmente.

    — Sem chance! — balancei a cabeça, sentindo o calor subir pro rosto. — Eu não sou ator! Eu nem queria estar no palco! 

    Mas eles estavam se fechando ao meu redor, como lobos cercando uma presa. E essa presa não tinha pra onde fugir, infelizmente.

    Antes que eu pudesse piscar, alguém jogou uma capa vermelha nos meus ombros. Outra pessoa enfiou um cinto com uma espada de plástico na minha cintura. Alguém segurava um chapéu feioso, hesitando antes de tentar colocar na minha cabeça.

    — Ei, espera aí! — falei um pouco alto, me debatendo enquanto ajustavam o figurino. — Eu não consigo fazer o papel de príncipe!

    — Shin, por favor! — disse Yumi, segurando meus ombros com força. — Não tem mais ninguém! Só você pode salvar a peça!

    — Eu!? Salvar!? — retruquei, tentando me soltar. — Eu não sei atuar! E além disso…

    Minha voz travou.

    A cena do beijo passou rapidamente pela minha mente.

    Eu sabia que era só uma encenação, uma aproximação, nada real. Mas, mesmo assim… só de imaginar, meu estômago se contorcia.

    — Eu não consigo — murmurei, puxando o braço devagar enquanto meu olhar se fixou no chão. — Escolham outra pessoa… por favor.

    O silêncio que veio depois foi diferente.

    Não era mais de espera, era de frustração contida.

    Yumi largou meus ombros, e os olhos dela, que antes pareciam implorar por uma solução, tinham se tornado em olhos carregados de tristeza. Aiko abaixou o chapéu, mordendo o lábio, e Takeshi desviou o olhar, os braços cruzados com mais peso que firmeza.

    Outros colegas também recuaram um passo. Alguns abaixaram a cabeça. Outros apenas… pararam o que estavam fazendo.

    — Então não tem mais nada que a gente possa fazer…? — a voz da Yumi saiu mais baixa, sem a força de antes. — A gente trabalhou tanto pra essa peça…

    — Sim… — murmurou alguém, quase como se falasse consigo mesmo. — Tanto esforço… e pra quê?

    Ver eles assim era… triste.

    Mas o que eu poderia fazer?

    Eu sequer consegui ensaiar sem errar com Yuki, quanto mais atuar num palco diante de tanta gente!

    Não tinha mais nada a ser feito? Nenhuma solução?

    Então, de repente, eu me lembrei.

    As tardes no pátio, a tinta pingando dos pincéis enquanto Seiji dava ordens pra todo mundo.

    A Mina perdendo a paciência pela quinta vez, só naquele dia, com Akira.

    As risadas da turma enquanto compravam os materiais.

    A Yuki ensaiando com aquele sorriso calmo.

    Os figurinos costurados à mão e as reações de todos lá na porta.

    As torres pintadas sob o sol, cheias de glitter.

    O roteiro sendo passado de mão em mão, linha por linha.

    Tudo isso era mais do que uma peça.

    Era a gente.

    Era o que construímos juntos.

    — Se a gente não subir no palco agora… — sussurrou Aiko, quase sem som — …vai ser como se nada disso tudo tivesse importado.

    Engoli em seco. O nó no peito parecia querer me prender ali mesmo, mas… ao olhar para todos aqueles rostos, alguma coisa dentro de mim mudou.

    A tristeza, o cansaço, a frustração, tudo estava claro neles. E entre todos, Yuki. Sentada no canto, segurando o roteiro com firmeza. Ela ergueu o olhar e, por um segundo, nossos olhos se encontraram.

    Não havia cobrança naquele olhar, nem medo. Só… uma compreensão silenciosa.

    Como se ela estivesse me dando a coragem que eu precisava naquele momento.

    Eu respirei fundo.

    — Não — falei, a voz saindo rouca, baixa, mas firme. — Não vou deixar isso acabar assim.

    — O que você… — Takeshi começou, mas logo foi interrompido.

    — Me dá o roteiro — cortei, falando direto.

    — O-o quê? O roteiro… — uma garota se virou, quase tropeçando até a mesa. — Aqui está!

    Ela me entregou o bloco com as páginas marcadas. Meus dedos fecharam sobre ele com força.

    — Shin, você vai mesmo…? — Yumi se aproximou.

    — Vou — confirmei, com uma nova certeza. — Eu vou fazer o papel do príncipe.

    Eu não deixaria tudo aquilo ir embora.

    Não depois de tudo o que construímos juntos.

    Um som abafado escapou de alguns dos colegas mais próximos. Um deles até soltou uma pequena comemoração com os punhos no ar. Takeshi riu e me deu um tapa nas costas tão forte que me fez tropeçar um passo.

    — É isso! — disse ele, quase orgulhoso.

    Peguei o roteiro e abri na parte marcada com o nome do príncipe. As falas estavam ali, pequenas, espaçadas… mas com um peso novo. O figurino ainda incomodava. A capa pesava. Mas eu já não sentia tanto o desconforto.

    Sentia outra coisa:

    Propósito.

    Foi quando um celular vibrou. O garoto que segurava o espelho da Rainha Má pegou, leu a tela, e baixou os olhos.

    — É do Kazuki… — disse ele, sério. — Ele ainda não achou a Sasaki.

    Por um momento, o silêncio voltou. Mas daquela vez, ele não parecia nos segurar.

    Era só uma confirmação de que tudo estava nas nossas mãos.

    Respirei fundo, erguendo os olhos para o grupo à minha frente.

    — Tá… — falei, endireitando os ombros. — Vamos fazer isso.

    Comecei a reler o roteiro com atenção. O príncipe não tinha tantas falas, só algumas frases sobre coragem, um discurso meio… vergonhoso demais pra mim e engraçado, e claro… a cena do beijo. As palavras estavam ali, simples.

    Mas dizer era diferente de interpretar.

    Ajeitei a capa no ombro e tentei uma das falas em voz baixa:

    — “Pelo reino… eu te salvo…” — Minha voz saiu travada, ridícula. Yuki olhou para mim e segurou uma risada, e eu desviei o olhar. — Eu realmente não tenho jeito pra isso…

    — Você só precisa de prática — disse ela, sorrindo. — Vai se sair bem, Shin. Eu sei que vai. Ainda temos tempo.

    No palco, a turma da 3-B ainda se apresentava. Risadas abafadas vinham da plateia, junto com o som de espadas de brinquedo e falas exageradas. Mas eu mal ouvia. Só conseguia pensar nas minhas falas.

    E… na última cena.

    Levantei os olhos e vi Yuki de novo, que se afastou e estava terminando de ajustar o figurino com ajuda dos colegas que faziam os anões. Mesmo de longe, dava pra ver que ela estava concentrada, repetindo uma fala com expressão calma.

    Era estranho pensar que, dali a poucos minutos, seria eu ali com ela no palco.

    Continuei lendo, linha por linha, guardando tudo na cabeça. Foi então que o som da plateia explodiu em aplausos. A 3-B terminou mais rápido do que eu esperava.

    O apresentador subiu novamente, o microfone chiando brevemente.

    — Desculpem o atraso, pessoal! — disse ele, com um riso nervoso. — Tivemos uns probleminhas, mas tá tudo certo agora! E agora… a próxima apresentação é da turma 2-A! Uma adaptação de um conto clássico… A Branca de Neve!

    Mais aplausos e alguns gritos de incentivo. O barulho da plateia voltou com força total, e meu coração acelerou naquele instante.

    Nos bastidores, a turma se reuniu num círculo apertado. Um por um, fomos colocando as mãos no centro. Yumi, Aiko, Takeshi, Mai, os anões, a rainha e, por fim, Yuki. Eu fui o último, coloquei minha mão sobre as outras, sentindo o calor dos dedos de todo mundo ali.

    Unidos por um só motivo.

    — Precisamos de um discurso! — disse um dos anões, olhando ao redor.

    — É isso! — Yumi concordou. — Vamos ouvir o príncipe!

    — Shin, fala alguma coisa! — pediu Aiko, com um sorriso grande no rosto.

    — Eu!? Ah… tá. É… — engoli em seco. — Nós tivemos um imprevisto. Eu não sei exatamente o que houve com a Sasaki… mas a gente trabalhou muito por isso. Cada um aqui deu o seu melhor. Então… agora a gente vai fazer isso dar certo.

    Todos ali assentiram e os olhos brilharam.

    — Vamos dar o nosso melhor! — disse Takeshi, com aquele ar confiante.

    — Por ela… e por nós — murmurou Aiko, com um leve sorriso no rosto.

    Yuki não disse nada. Mas apertou firme a mão no centro. Um gesto simples, mas que dizia tudo que precisava saber.

    — Vamos fazer isso dar certo — falei, mais firme.

    — Certo! — responderam em coro, com as vozes abafadas pra não vazar pro palco.

    Erguemos as mãos pro alto, num pequeno grito sussurrado. As cortinas já estavam prestes a abrir à nossa frente. As luzes do palco já estavam acesas, enquanto a plateia nos esperava.

    E então, com um último suspiro, demos o primeiro passo.

    A peça, finalmente, estava começando.

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