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    O corredor da escola continuava um caos. O festival ainda estava cheio de risadas, o som dos tambores nas barracas de jogos, o cheiro das comidas se misturando no ar quente, mas também estava pesado.

    Minha cabeça ainda girava com os aplausos da peça, o acidente com a Yuki, e as palavras do Kazuki sobre a Sasaki…

    “Não achei ela em lugar nenhum pela escola…”

    Tentei respirar fundo, mas parecia que o próprio festival queria me engolir. Nossa turma começava a sair dos bastidores para dar lugar à próxima apresentação, quando uma voz conhecida me pegou de surpresa.

    — Olha só o príncipe do festival! — Seiji apareceu com aquele sorriso malicioso de sempre, balançando um espeto na mão. — Tá tudo bem… alteza?

    — Cala a boca, Seiji… — retruquei, virando o rosto.

    — Ainda não consigo acreditar que você conseguiu antes de mim… — ele deu uma mordida no espeto e passou o braço pelos meus ombros.

    — Hã? Do que você tá falando? — perguntei, confuso.

    — Do que mais seria? A escola inteira tá comentando sobre o seu beijo com a Yuki!

    Quase engasguei com a própria saliva.

    Claro que tinha gente que pensava que eu a Yuki tínhamos realmente beijado.

    — Não teve beijo nenhum! — Minha voz saiu mais alta do que eu queria. Um grupo de alunos que passava por perto olhou e começou a cochichar.

    Seiji soltou uma gargalhada, jogando a cabeça pra trás.

    — Relaxa, príncipe. Tô só brincando — disse ele, embora o brilho nos olhos dissesse o contrário. — Mas se você diz que não teve beijo… então bora comer alguma coisa!

    — …Tô sem fome — murmurei, olhando para o espetinho que ele estava comendo. — Vai na frente, eu apareço depois.

    Antes que ele respondesse, Takeshi e Aiko surgiram no meio da multidão. Aiko ainda carregava o chapéu de anão pendurado no ombro, e Takeshi segurava um copo com um canudo torto.

    — Isso é loucura… — disse Takeshi, rindo. — Só ouço gente falando da peça… ou melhor, do seu beijo, Shin.

    — …A gente não se beijou. Dá pra mudar de assunto, por favor? — resmunguei, sentindo o rosto esquentar de novo.

    Mas sabia que aquilo não ia sumir tão cedo. Os boatos já estavam correndo soltos, e não iam parar tão fácil.

    Só conseguia pensar em uma coisa:

    O que a Yuki estaria achando disso tudo?

    — Mas, de qualquer forma… — Aiko deu um tapa leve no meu ombro, o sorriso largo e alegre no rosto. — A gente arrasou, e você foi o destaque! Aposto que os juízes já decidiram que somos os vencedores!

    — Duvido muito… — falei, mas um sorriso escapou. A energia da Aiko era impossível de ignorar, mesmo quando eu só queria desaparecer.

    — Cara… Ainda bem que você topou ser o príncipe — disse Takeshi, tomando um gole da bebida antes de suspirar. — Sem você, a gente tava perdido.

    — Falando nisso… — Seiji se intrometeu, me encarando. — Por que foi você? Não era pra Sasaki fazer o papel? O que aconteceu lá nos bastidores?

    Ah, claro… Quem estava na plateia realmente não tinha ideia da troca de papéis. Rintarou se aproximou nesse instante. Não disse nada, só observava.

    — Eu… — tentei falar, mas a voz falhou. As palavras ficaram presas na garganta. — Acabei entrando no lugar dela porque… a Sasaki desapareceu na hora.

    Por um segundo, o som do festival pareceu sumir.

    — Hã? Como assim, “desapareceu”? — Seiji perguntou, franzindo a testa.

    — A gente também não sabe o motivo… nem pra onde ela foi — Aiko respondeu em voz baixa, olhando pro chão.

    — Kazuki tentou encontrar ela, mas não teve sinal — completei.

    Rintarou suspirou e ajeitou os óculos.

    — Isso parece sério. Talvez não tenha sido só um imprevisto. — Ele me lançou um olhar firme.

    Era exatamente o que eu estava começando a pensar também. Alguma coisa tinha acontecido, e não parecia ser por acaso.

    — Nesse caso, é provável que ela nem esteja mais na escola… — Akira surgiu do nada, como se estivesse ouvindo a conversa há um tempo. Segurava um chaveiro entre os dedos. — Mas, por que não deixamos isso de lado um pouco e tentamos curtir o festival?

    — Mas eu… — comecei, hesitando.

    Tinha algo errado. Era como se, em algum lugar que ninguém tinha olhado, Sasaki ainda estivesse esperando ser encontrada.

    E eu precisava encontrá-la.

    — Se Kazuki disse que não achou ela na escola… então vamos aproveitar mais um pouco do festival! — disse Takeshi, já se juntando ao Akira com animação.

    Alguns deles seguiram em frente, voltando a aproveitar o festival como se nada tivesse acontecido. Mas eu, Rintarou e Seiji ficamos para trás, parados no meio do corredor que parecia mais barulhento do que nunca.

    — Então… o que a gente faz agora? — Seiji perguntou, se virando na minha direção e depois para Rintarou.

    — Não sei… mas eu vou procurar a Sasaki mesmo assim. Talvez ela ainda esteja por aqui, talvez não — respondi, mesmo sem muita certeza.

    — Eu e Seiji vamos pelo outro lado. Se dermos sorte, alguém viu ela — disse Rintarou, já se virando para ir, enquanto Seiji acenava com um meio sorriso.

    Se ela ainda estivesse na escola… eu precisava encontrá-la.

    Passei a próxima hora rodando o festival, de canto em canto. Procurei nas barracas de comida, no palco onde uma banda desafinada tentava manter a animação, e até no final da fila da casa mal-assombrada.

    Nada.

    Nenhum sinal da Sasaki.

    O festival continuava como se tudo estivesse normal.

    Mas não estava.


    Vi Aiko comemorando depois de ganhar um peixe dourado na pescaria, só pra perder logo depois no tiro ao alvo e jurar revanche com o garoto que a venceu. Akira e Takeshi disputaram quem comia mais salgado, Takeshi quase engasgou no último. Sora passava com várias comidas na mão, dando uma mordida em cada espetinho que segurava.

    Yuki apareceu por um instante, com um algodão-doce azul nas mãos. Me lançou um sorriso tímido antes de desaparecer na multidão com algumas amigas ao seu redor.

    Eu queria dizer alguma coisa. Chamar por ela.

    Mas… não era o momento certo para isso.

    Minha cabeça ainda estava presa em outra coisa. 

    Em outra pessoa.

    A cerimônia de encerramento chegou mais rápido do que eu esperava. Nos reunimos no auditório, todos suados, exaustos e, mesmo assim, sorrindo. A turma estava praticamente toda ali. Akira esticava o pescoço, tentando enxergar o palco onde os juízes se preparavam para anunciar os vencedores.

    — Se a gente não ganhar, eu mesma vou lá discutir com eles — sussurrou Aiko, com o punho cerrado.

    — Relaxa, Aiko — disse Takeshi, rindo. — Um segundo lugar já tá ótimo.

    — Segundo!? — Ela girou o rosto indignada. — Só aceito o primeiro lugar!

    …No fim, ficamos em terceiro.

    Não era o troféu que Aiko, ou a turma, queria, mas os aplausos da plateia, misturados aos gritos sobre… o príncipe desastrado, foram suficientes pra fazer meu rosto queimar de novo.

    Seiji, duas fileiras à frente, virou com aquele sorriso esquisito, apontou discretamente pra mim e caiu na risada.

    — Boa, príncipe!

    Eu só desviei o olhar, envergonhado.

    Ainda assim, minha mente não parava de pensar nela.

    Quando as luzes do festival finalmente se apagaram e as conversas deram lugar ao silêncio, senti um vazio estranho se espalhar dentro de mim. Um tipo de silêncio que não vinha só do fim da música ou do encerramento da peça, era outro tipo de silêncio.

    Um daqueles que parecia ficar preso no peito.

    A peça tinha acabado. O festival também.

    Mas a Sasaki…

    Ainda não.

    Caminhei pelos corredores mais uma vez, teimando em acreditar que talvez ela estivesse por ali, escondida em algum canto, observando de longe.

    Os corredores estavam cheios de alunos, pais, professores, todos indo embora aos poucos, rindo, se despedindo, tirando fotos, enquanto eu apenas passava por eles, desviando, procurando.

    Nada.

    Me encontrei com Seiji e Rintarou perto do portão, os dois com a mesma expressão que eu. Negaram com a cabeça. Nenhum sinal dela.

    — Talvez ela realmente tenha ido embora mais cedo — disse Rintarou, mas nem ele parecia acreditar muito na própria hipótese.

    Mas… depois disso, não sobrou muito o que fazer.

    Saí da escola, após me despedir deles dois. Os sons do festival ficando cada vez mais distantes às minhas costas. O céu já estava escuro, com algumas estrelas começando a aparecer entre as nuvens, e o vento da noite trazia o cheiro distante das barracas de comida, que já deviam estar sendo desmontadas.

    O caminho pra casa parecia estranhamente longo.

    Fui andando devagar, com as mãos nos bolsos e a cabeça cheia. A cada passo, a mesma pergunta:

    Por que ela sumiu?

    Tantas coisas aconteceram em tão pouco tempo, o beijo que não foi, a peça que quase não aconteceu, as palavras do Kazuki, o rosto da Yuki…

    Mas, no fim, tudo centrava em Sasaki. Ela tinha sumido. Sem explicação.

    E isso não saía da minha mente.

    Quando cheguei em casa, as luzes da sala ainda estavam acesas. Abri a porta com cuidado, tentando não fazer muito barulho, mas a voz da minha mãe veio da cozinha antes que eu subisse.

    — Shin? Chegou?

    — Cheguei… — respondi, tirando os sapatos.

    Ela apareceu no corredor com um pano de prato na mão e um sorriso orgulhoso.

    — Vi a sua peça. Você foi ótimo!

    — Hmmm… Achei que você não fosse subir no palco… — Hana apareceu, me encarando de leve.

    — Aconteceram algumas coisas… — sorri de leve, coçando a nuca, sem saber muito bem o que dizer. — Foi tudo meio corrido… mas deu certo no fim.

    — Que bom saber.

    Subi pro meu quarto logo depois. Me joguei na cama sem nem trocar de roupa, o corpo pesado e os pensamentos ainda mais.

    A peça tinha sido um sucesso, apesar do terceiro lugar. Todos pareciam felizes, mas eu não conseguia me sentir assim.

    Talvez, porque a Sasaki não estava lá junto. E eu ainda não sabia por quê.


    No dia seguinte, a luz do sol entrava pelas janelas da sala de aula com mais força do que o normal, criando sombras nas mesas bagunçadas e nas mochilas largadas pelos cantos da sala. O brilho era intenso, mas o clima… não combinava nada com ele.

    Havia algo suspenso no ar.

    Talvez fosse o cansaço de depois do festival, de risadas, correria e lembranças da peça. Ou talvez fosse outra coisa. Algo que ninguém queria dizer em voz alta, mas que todos pareciam sentir.

    Me sentei no meu lugar e abri o caderno, tentando fingir normalidade. Peguei uma caneta e escrevi a data, mas não consegui pensar em mais nada.

    Então a porta se abriu com um barulho lento, como se também hesitasse em interromper aquele momento.

    E foi aí que eu a vi.

    Sasaki.

    Ela entrou junto com o professor, passos contidos, os olhos baixos, as mãos escondidas atrás das costas.

    Devia ser a mesma Sasaki de sempre… 

    Não que eu reparasse muito nela.

    Ainda assim… eu sabia que ela estava diferente.

    Tinha algo diferente no jeito que ela andava. No modo como o cabelo cobria parte do rosto. Nos olhos, especialmente nos olhos.

    Não sabia se era algo novo… ou se era algo que sempre esteve ali, e eu só naquele momento consegui perceber.

    A sala mergulhou num silêncio pesado, denso. Alunos que digitavam no celular pausaram os dedos. Quem escrevia, largou o lápis no meio da frase.

    Ninguém disse nada. Ninguém ousou.

    — Sasaki? — minha voz escapou antes que eu pudesse impedir. Baixa, quase um sussurro, mas o suficiente para ecoar na sala.

    Ela me olhou por um instante, e virou o olhar para a sala.

    E então o professor falou:

    — A Sasaki diz que tem algo para falar com vocês.

    Ela parou no centro da sala. Os olhos voltaram para o chão, como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. Meu peito apertou, a respiração ficou pesada. A tensão era tanta que meu coração acelerou mais do que devia.

    O que ela iria dizer?

    Por que ela desapareceu?

    Por que bem naquele dia?

    E, o mais difícil de todos os pensamentos:

    O que realmente aconteceu com ela?

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