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    Ponto de Vista de Sasaki

    Eu não sabia como tudo tinha chegado até ali, naquele lugar. Só sabia que, de repente, estava parada em frente à turma, com o professor ao meu lado. A turma toda parecia me encarar, como se me odiassem.

    Mas bem, eles tinham motivo para isso.

    Não é?

    — A Sasaki diz que tem algo para falar com vocês. — a voz do professor ecoou pela sala, fazendo meu coração acelerar ainda mais do que já estava.

    O momento tinha chegado.

    O momento em que eu deveria dizer tudo. Mas então… meu corpo gritava o contrário. Só falava pra correr.

    Desaparecer.

    Só que, ao mesmo tempo… eu sabia. Sabia que não podia sair dali em silêncio. Não outra vez.

    Não depois de tudo que aconteceu.

    Comecei a sentir minhas mãos tremerem. O suor escorrendo pela testa. A força das minhas pernas sumindo.

    Mas eu precisava fazer aquilo. Precisava enfrentar.

    Porque a culpa… era minha. Toda minha. Não era de mais ninguém.

    Abri a boca lentamente, enquanto algumas pessoas olhavam para mim. Curiosos. Provavelmente me julgando, como sempre faziam.

    Ainda assim, tudo que eu conseguia pensar era:

    “Por favor, não olhem para mim…”

    Abaixei minha cabeça levemente, em forma de reverência. Meus dedos agarraram a barra da camisa com tanta força que começou a doer. Sentia meu rosto ficar quente, enquanto minha visão ficava levemente embaçada.

    — De… — comecei, mas minha voz saiu baixa de mais para ser ouvida.

    Ridícula.

    Eu me odiei por isso.

    — …D-desculpa! — finalmente consegui soltar.

    Eu era realmente patética.

    Quando foi que me tornei assim?

    Não, não.

    Que pergunta idiota.

    A verdade é que eu sempre fui assim… Apenas demorei tempo demais pra aceitar.

    Sempre fraca. Sempre pequena. Sempre fácil de ignorar. Alguém ridícula, detestável.

    Sempre tão… eu.

    Achei que, quando o ensino médio começasse, tudo mudaria.

    Achei que eu mudaria.

    Achei que, talvez, finalmente, eu conseguiria me tornar alguém melhor. Alguém que não era patética. Alguém livre dessas correntes que me prendiam faz tanto tempo.

    Mas… não foi isso que aconteceu.

    Nada mudou.

    O mundo seguia girando, como se minha ausência, ou presença, não fizesse diferença alguma.

    Eu continuei sozinha. Como sempre.

    Talvez por ser alta demais. Diferente demais. Estranha demais. Ficava sempre de lado. Sempre nas bordas das conversas. Nas sombras das risadas.

    Nunca fui de muitos amigos. Se tentasse contar, talvez nem chegaria a uma mão cheia.

    E mesmo esses… talvez nem tenham sido amigos de verdade.

    Sempre fui a escolha de último caso. A pessoa que sobra. Aquela que nunca é lembrada de primeira.

    Sempre a última opção. Sempre.

    Sempre.

    Sempre.

    “Olha pra ela!”

    “Que mico!”

    “Ela realmente achou que seríamos amigas disso aí!?”

    Toda vez que tentei me enturmar, algo dava errado. Sempre dava errado.

    Eu tropeçava nas palavras, no tempo certo, na energia certa. Nada dava certo…

    E então, ela vinha.

    Aquela pergunta. Sempre a mesma pergunta:

    Por que só eu?

    Por que não consigo ser… alguém normal?

    Durante um tempo, essas perguntas me acompanhavam todos os dias. Mas depois… elas cansaram. Ou melhor, eu me cansei.

    E parei de perguntar.

    Aceitei.

    Aceitei que seria assim. Que estaria sozinha até o fim do ano escolar. Que era só isso que tinha que aguentar.

    Continuei sempre no meu canto, fazendo as minhas coisas. Cumpria os dias de aula. Sobrevivia às horas.

    Mesmo que, de vez em quando, quando eu olhava para os outros sorrindo… conversando… sendo vistos… 

    Ah… isso doía.

    E não era pouco.

    Aquele buraco fundo no peito. Uma inveja silenciosa, escondida atrás de um cara neutra. E, pra abafar isso, eu apenas dizia, todo santo dia, para mim mesma:

    “Tá tudo bem.”

    Tentava me convencer de que estava tudo certo em ser assim.

    Em estar só.

    Mas, no fundo, bem no fundo mesmo, eu sabia que era mentira.

    Porque tudo o que eu mais queria… era pertencer.

    Ser parte de algo.

    Ter um motivo real pra levantar da cama e ir pra escola.

    Queria ter alguém esperando por mim no intervalo para conversar ou apenas caminhar. Contar piadas e rir.

    Queria sentar no refeitório sem sentir que estou ocupando um espaço que não me pertence. Sem sentir que todos me olhavam eu sozinha, enquanto todos estavam rodeados por seus grupos.

    Queria ser escolhida para fazer parte de grupos de trabalhos escolares.

    Queria rir durante as aulas com alguma piada contada por alguém do meu lado.

    Mas isso… isso nunca aconteceu.

    E então, continuei do mesmo jeito.

    Sozinha.

    No meu canto.

    E isso continuou. Até aquele dia.

    Naquele dia em que ouvi meu nome… vindo da boca de outra pessoa.

    E essa pessoa era Yumi.


    — Então… que tal a Sasaki? — Ela disse, virando para mim, enquanto a turma discutia sobre o Festival Escolar.

    Por um instante, tudo ao meu redor parou. As vozes sumiram. Ouvir meu nome sair da boca de alguém que não era eu era… estranho.

    Meu coração disparou. Não de nervoso, exatamente. Eu estava… feliz.

    Foi um susto… bom.

    Eu não estava feliz por ter sido escolhida para fazer o papel do príncipe da peça. Não, não. Isso não passava de um detalhe naquele momento.

    Era porque… alguém sabia que eu existia.

    Alguém sabia meu nome.

    Talvez eu tenha ficado sozinha por tanto tempo que bastou isso. Bastou ouvir “Sasaki” em meio à multidão… para que algo dentro de mim mudasse.

    Abaixei a cabeça, tentando esconder o sorriso que escapava.

    Era pequeno, mas era genuíno.

    Algo tão natural quanto respirar. Um sorriso que eu sequer sabia que conseguia dar.

    — Eu…? — murmurei, olhando para Yumi. Eu precisava ter certeza. Precisava confirmar que era mesmo comigo. Não podia aguentar mais uma decepção.

    Ela sorriu, sem hesitar:

    — Claro, né!

    — Você é alta, tem aquele ar confiante e misterioso… — disse outra garota, rindo. — É perfeita pra ser o príncipe!

    Outra pessoa.

    Outra voz.

    Falando de mim.

    Eles sabiam.

    Calma.

    Eles me… viam?

    — Ei, espera aí… a Sasaki é uma garota — comentou alguém, no fundo.

    E por um segundo, achei que tudo fosse desmoronar. Achei que era ali que iriam rir de mim. De novo.

    Mas…

    — E daí? — Yumi respondeu, sorrindo com aquela leveza que só ela tinha. — É só atuação! A gente dá um jeito!

    Ouvir as palavras da Yumi, e incentivos da turma, acendeu uma chama em mim. Algo que nem sabia que ainda estava lá. Talvez estivesse adormecido. Talvez apenas escondido.

    Ou esperando ser acendido no momento certo.

    Uma vontade, não, uma necessidade, de sair da minha gaiola. De me libertar das correntes. Depois de tanto tempo sozinha, eu provavelmente recusaria, mas eu precisava. Eu precisava me agarrar naquelas mãos que me alcançavam para me tirar da escuridão.

    — Hm… tá bom. Eu aceito o papel de príncipe — respondi, baixo, mas o suficiente para confirmarem que eu tinha aceitado. 

    — Então tá decidido! — Kazuki levantou a voz, batendo o marcador no quadro antes de escrever os nomes com letras firmes: “Sasaki – Príncipe”.

    Fiquei olhando por segundos que pareceram horas. Eu queria gravar aquilo na memória. O meu nome ali… como se sempre tivesse pertencido.

    E pela primeira vez em tanto tempo…

    Eu tinha que fazer isso dar certo.


    Quando a aula terminou, algo aconteceu. Até cheguei a me perguntar se eu estava sonhando.

    Se fosse um sonho, queria continuar ali pra sempre.

    Fui cercada… cercada por colegas. Pessoas me fazendo perguntas, me elogiando, sorrindo pra mim. Me tocando o ombro, me chamando pelo nome.

    Me incluindo.

    Eu não sabia lidar com aquilo. Mas eu estava… feliz.

    Tão feliz que doía.

    O Festival, que antes era só mais uma data para suportar, tinha feito meu peito se encher de uma ansiedade boa.

    Pela primeira vez, eu queria que algo chegasse logo.

    Pela primeira vez… eu estava contando os dias.


    Eu acompanhava Yuki, que ia até a sala do Clube de Literatura. Era ela quem ia ver como o roteiro estava indo, eu só a seguia. Mas era como se, de repente, eu fizesse parte de algo.

    — Ei, Sasaki… você também tá nervosa? — ela sussurrou, de lado,

    — Hã!? Ah, nervosa? Pela peça?

    — Sim! 

    — Ah, sim. Só de saber que eu vou ficar na frente de tanta gente… — minha barriga começou a doer no mesmo instante. — …me deixa ansiosa.

    Ela arregalou os olhos, surpresa.

    — Tá falando sério!? — Ela olhou pra mim, surpresa, e depois suspirou. — Ah, ainda bem. Achei que era a única que ficava nervosa com esse tipo de coisa…

    — Você…?

    Eu nunca imaginaria isso vindo dela.

    Yuki, com toda a confiança dela, nervosa? Não fazia sentido. Pra mim, ela era o tipo de pessoa que sempre soube onde pertencer. Sempre segura, sempre sorrindo, alegremente.

    Mas ali estava ela, aparentemente, tão nervosa como eu. 

    — Hm? Sim. Pensar em ficar na frente de um monte de gente… também me deixa nervosa, Sasaki — disse, com aquele sorriso gentil que só ela tinha. — Mas vamos dar o nosso melhor, certo?

    — S-sim…

    Entramos na sala do clube, onde algumas pessoas estavam reunidas ali debatendo sobre algo.

    — Olá, pessoal! Como o roteiro tá indo? — ela falou num tom animado.

    — Não muito ainda, mas tá começando a tomar forma — Shin respondeu, apontando pro papel. — A Rainha Má vai ser mais engraçada do que má, por enquanto.

    — Engraçada? Hmm, isso parece ótimo!

    Eu fiquei só escutando, tentando sorrir no ritmo deles. Mas por dentro, meu coração batia forte.

    Pensar no que eu teria que fazer, nas falas, nas roupas, nos olhares da plateia…

    — Já tem algo sobre o príncipe? — arrisquei perguntar. Minha voz saiu mais baixa do que eu queria.

    — Não muito. Ainda estamos pensando nisso. Por enquanto, estamos ainda pensando nas cenas da Rainha — respondeu ele

    Senti um alívio estranho. Como se tivesse ganhado mais alguns minutos de paz.

    Enquanto eles continuavam discutindo, eu fiquei ali, quieta, olhando pra cena. Pra mim mesma, naquele lugar. Participando de reuniões.

    Tendo um papel numa peça.

    Sendo… alguém.

    Era surreal. De verdade.

    Era como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa. Uma versão de mim que eu sempre desejei ser, mas nunca pensei que teria coragem de ser.

    E eu não queria que isso acabasse tão cedo. 

    E também… me perguntei.

    Quando tudo isso acabasse… eu ainda teria alguém ao meu lado?

    Eu voltaria ao meu normal? Sozinha? Eles ainda iriam conversar comigo?

    Ou só faziam isso só porque eu era o “príncipe”?

    Só porque, por enquanto, eu era útil para algo? 

    Quando aquilo acabasse, eu seria descartada fora?

    Era isso?

    Eu sabia. Tinha certeza absoluta que todos aqueles sorrisos, todos os olhares amigáveis, as interações, tudo acabaria quando o festival terminasse. Quando os aplausos parassem. Quando as cortinas fechassem.

    Eu voltaria para a minha antiga solidão.

    Mas… eu não queria isso. Não queria voltar. Não queria ser acorrentada e presa novamente.

    Queria segurar aquele momento com as duas mãos. Não queria deixar aquele momento ir embora como areia que escorre entre os dedos.

    Mesmo sabendo que tudo aquilo poderia desaparecer… eu só queria que aquilo durasse só mais um pouco.

    Pelo menos…

    …mais um dia.

    Mais uma cena.

    Mais uma risada vinda de alguém que sabia meu nome.

    “Por favor.”

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