Capítulo 93: Fim da Linha (1)
O sol da manhã ainda aquecia meu rosto de leve, enquanto eu ainda permanecia ao lado de Kaito e a sua mãe. Do outro lado, Yuki se posicionava na pista, com os olhos fixos à frente. A tensão no ar era grande, e o locutor nos alto-falantes começou a contagem com uma voz firme.
— Preparar…
— Atenção…
— Disparar!
O som do tiro explodiu no ar, e os atletas avançaram com intensidade controlada de quem treinou todos os músculos para aquele único momento.
O momento decisivo.
O chão parecia balançar com o impacto da corrida, e os gritos da plateia explodiram sobre todos ali, uma grande mistura de nomes, aplausos, incentivos e coisas do gênero.
— Vai!
— Continua firme!
No entanto, eu não conseguia me mover… apenas olhava.
Yuki corria com intensidade, seus braços se moviam em perfeita sincronia com as pernas, a expressão concentrada, cada passo… era como se cortasse o ar na sua frente. O rabo de cavalo balançava pra cima e pra baixo, junto de seu corpo que avançava com uma precisão quase inacreditável.
Sua postura era… totalmente impecável.
— Vai, Yuki! — ouvi Kaito gritar ao meu lado, com as mãos ao redor da boca.
Mas meus olhos não conseguiam piscar. Era como se tudo tivesse diminuído ao redor. A multidão, o sol, o mundo inteiro. Só existia ela, correndo.
Ela estava bem.
Ela estava… bela.
“Hm?”
Mas… algo mudou.
Foi quase imperceptível no começo.
Uma leve diferença no ritmo. Um avanço menor que os outros. Duas corredoras ao lado começaram a ganhar distância, apesar de não ser muita. Mas foi o suficiente para fazer meu coração apertar, do nada, como se eu estivesse assistindo algo que não deveria estar acontecendo.
Por que isso estava acontecendo?
— Yuki… — murmurei.
Ela pareceu perceber aquela diferença, e então forçou o passo. Os ombros se encolheram, como se lutasse contra um limite que estava chegando mais rápido do que devia.
Então, senti uma necessidade surgir dentro de mim. Algo maior me dizia para fazer aquilo.
Não tive tempo para reunir coragem, ou se importar com o que os outros diriam ou pensariam.
Não, não.
Apenas fiz. Ela precisava ouvir naquele momento.
— Você consegue, Yuki! — gritei em apoio, com toda a força que tinha.
…Era um pouco vergonhoso, mas nada daquilo importava naquele instante.
O que realmente importava era que ela escutasse, e continuasse.
Logo depois, eu vi. Seu passo acelerou e o ritmo… mudou. Ela avançou com mais intensidade, como se tivesse sido puxada de volta pra competição, ao propósito de vencer.
Ela estava correndo de novo. Forte e imponente.
Na metade da pista, ela já se aproximava das outras. O corpo parecia responder com tudo o que ainda tinha guardado.
— É isso…! — murmurei, sentindo um sorriso surgir, junto dos punhos fechados.
Ela estava voltando, o ritmo estava pegando.
“Vamos… vamos!”
Ela ia conseguir. Todo o esforço dela, todas as noites, todos os treinos, todas as dores, não seriam em vão. A vitória estava ao seu alcance.
Olhei de leve para o lado, só por um instante, apenas para encontrar Kaito me encarando com aquele sorriso meio esquisito, como se tivesse entendido tudo que eu não disse.
— …O que foi?
Ele não falou nada. Só riu baixinho e voltou a olhar pra frente, as mãos já subindo pra torcer de novo, junto de seu sorriso ainda mais largo do que antes.
Balancei a cabeça e senti meu rosto esquentar. Virei rápido o olhar de volta pra pista, tentando focar em Yuki.
Mas…
Antes que meu cérebro pudesse processar, algo mudou.
O passo dela… que antes era firme, forte… vacilou.
Hã?
Um pequeno tropeço… que pareceu suficiente para mudar o rumo da corrida.
O corpo dela começou a perder o ritmo. O pé torceu levemente para dentro, e antes mesmo de ver com clareza, vi a expressão dela se contorcendo em dor.
Foi como se a dor tivesse explodido no rosto dela, naquele instante.
Yuki tentou dar mais um passo. Talvez dois.
Mas…
…O corpo dela simplesmente cedeu, e ela parou de correr.
— Ei… Yuki? — murmurei, a voz travada, sentindo medo.
Eu não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que não era certo.
Isso não era bom.
Ela caiu de joelhos no meio da pista, o corpo se curvando pra frente, as mãos indo direto ao tornozelo. O rosto abaixado, os ombros tremiam de forma estranha, como se ela lutasse contra algo que não podia mais segurar.
Os outros corredores passaram por ela, cruzando a linha de chegada.
A plateia aplaudiu, torceu, por eles, os outros atletas. Não por ela. Yuki não chegou ao fim. Ficou ali… no meio.
No quase… no nada.
— O quê…? — murmurei, me levantando.
Aquilo não fazia sentido. Aquilo não podia estar acontecendo.
“Ei…”
O som do público foi se afastando, como se tudo estivesse sendo abafado pelos pensamentos girando na minha cabeça.
— Ei… — ouvi Kaito ao meu lado. A voz dele, que normalmente soava despreocupada, vinha baixa. Incerta e… cheia de medo. — Não… não… não…
Na pista, Yuki estava sentada, curvada sobre si mesma, com os dedos tocando no pé. A respiração dela parecia estar instável. O rosto… mostrava que ela estava com dores.
Ela estava tentando resistir sozinha, no centro de tudo. Mas a dor era mais forte que ela.
Muito mais forte…

O mundo seguiu em volta dela, vozes, passos, câmeras, técnicos, comemorações, mas ela não fazia mais parte daquilo.
Fora do tempo. Fora da linha. Fora da corrida.
Fora de tudo.
Por quê?
Olhei para Kaito, e ele não disfarçava mais. O rosto estava pálido, os olhos arregalados, sem saber o que fazer. E a mãe deles… continuava ali, imóvel. Mas mesmo por trás dos óculos escuros, era impossível não perceber:
Ela estava em choque.
Kaito estava em choque.
…Eu estava em choque.
Por quê?
Algo naquele instante parou.
Não só pra ela, mas pra todos nós. O som do vento frio passou por mim, levantando de leve meus cabelos.
E então, tudo que restou… foi o silêncio.
Nesse mesmo instante, alguém correu até Yuki, um dos juízes, apressado. Logo depois, dois paramédicos surgiram pelo canto da pista, com mochilas nas costas e caras sérias. Um deles se ajoelhou ao lado dela, falando algo em tom baixo.
Eu não consegui ouvir. Não consegui nem me mover.
Eu não conseguia fazer nada.
Por quê?
Kaito já estava se levantando, seu rosto tava muito tenso, mais sério do que eu já tinha visto antes. Sequer parecia ele.
— Vamos — disse ele de forma firme, embora a voz estivesse baixa, quase engasgada. Provavelmente, ainda sem acreditar também. — A gente precisa ir até lá agora.
Eu apenas assenti. O corpo seguiu por reflexo, mas a minha mente… ainda estava presa naquela imagem.
Dela, ajoelhada no meio da pista, sozinha no centro de tudo.
Por quê?
Cada passo que eu dava parecia mais pesado que o anterior. O chão parecia distante. O som das torcidas, os apitos, os anúncios, estavam lá…
Eu acho.
Mas pra mim, pareciam vir de muito longe.
Nada daquilo importava mais. Só uma pergunta continuava presa na minha cabeça:
Por quê?
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.