Capítulo 94: Fim da Linha (2)
Continuamos o caminho, descendo as escadas ainda sem acreditar naquilo. Quando chegamos na parte inferior, perto da área médica, ali estava ela.
Sentada, com uma toalha clara sobre os ombros. A cabeça baixa, os cabelos meio grudados na testa pelo suor e os olhos escondidos. Os paramédicos estavam avaliando seu tornozelo. Um deles conversava com a mãe, apontando para o carro de emergência que ficava estacionado do outro lado.
Ninguém falava… ou talvez falassem, mas parecia que tudo era apenas ruído de fundo. Talvez fosse isso apenas pra mim.
Yuki ainda respirava com dificuldade, seu peito subia e descia, junto de seus ombros. Mas ela não olhava pra ninguém. Os olhos estavam fixos no chão, como se estivessem presos ali.
Como se encarar qualquer coisa além fosse… insuportável.
Kaito se ajoelhou perto dela. Disse algo baixo, suave, provavelmente com o tom cuidadoso de quem não queria pressionar naquele momento delicado. Mas ela apenas balançou a cabeça.
E então ele a abraçou com força.
Fiquei parado a poucos passos daquele momento. Sem saber de verdade se deveria me aproximar mais. Sem saber o que dizer.
E talvez… sem saber o que sentir.
Porque tudo ali doía em mim também, e doía de um jeito que eu não conseguia colocar em palavras.
Foi então que meu olhar caiu sem querer no tênis dela.
Ele estava solto pra fora. E foi aí que olhei para o tornozelo dela, que começava a inchar. Aquele pequeno detalhe me fez respirar fundo. Como se só ali, naquele pequeno detalhe, eu tivesse entendido que era real.
Que tinha acontecido mesmo.
…Que tudo tinha acabado.
Por quê?
Os paramédicos então prepararam uma maca, um deles chamou reforço com um gesto, e logo estavam erguendo Yuki com muito cuidado. Naquele momento, ela parecia frágil de um jeito que nunca imaginei ver.
Quando começaram a levá-la em direção à ambulância, dei um passo à frente. Não sabia o que faria.
Não sabia nem o que diria, mas precisava estar ali. Eu precisava estar com ela.
Mas, foi naquele instante… que Yuki levantou os olhos. Nossos olhos se encontraram por um breve instante.
E naquele instante curto, que não devia ter durado mais que dois segundos, eu senti tudo que ela tentava esconder de mim.
Então… ela desviou o olhar. Baixou os olhos de novo, encarando o lençol da maca, os próprios joelhos ou qualquer lugar que não fosse meus olhos.
Eu fiquei parado. Não insisti nem forcei nada, eu só… fiquei ali, vendo ela ser levada.
Porque talvez ela só precisasse de espaço naquele momento.
E eu entendia isso.
A dor, o peso… era tudo demais naquele instante. E talvez, encarar alguém que viu tudo acontecer fosse algo impossível de ser aguentado ali.
Eu também faria o mesmo.
A mãe dela subiu na ambulância logo em seguida, depois de um gesto rápido aos paramédicos. Sem dizer nada ou olhar pra alguém. Kaito segurou um lado da porta e lançou um último olhar pra mim e assentiu com firmeza.
— …A gente se fala depois — disse, antes de entrar também.
Então a porta se fechou, a ambulância partiu.
E a competição… continuou.
Outros corredores já se posicionavam na pista, enquanto o locutor anunciava a próxima corrida com a mesma voz firme de sempre, como se nada tivesse acontecido.
Como se tudo ainda estivesse no seu devido lugar.
As pessoas ao redor começaram a se movimentar outra vez.
— Você viu aquela queda? Que feia…
— É… mas é normal, relaxa. Acontece toda hora.
Algumas já comentavam sobre a queda anterior, como se fosse só mais uma entre tantas. Um tropeço qualquer, um azar, um número a menos na classificação.
Por quê?
Era algo normal para eles.
Mas pra mim… definitivamente não era.
Por alguma razão, voltei ao mesmo lugar de antes. Meu corpo estava pesado, como se o banco tivesse ficado mais duro, mesmo que não estivesse. Minhas mãos ainda estavam frias, enquanto minha cabeça latejava com perguntas que eu sabia não tinham resposta.
Por quê?
Por que justo com ela?
— Que merda.
Olhei pra pista, e de alguma maneira, ela parecia mais distante do que deveria. Fria… como se fosse outra coisa, como se já não fosse o mesmo lugar onde ela tinha corrido alguns minutos atrás.
Nada mais parecia importar.
Nem o sol, nem os gritos de torcida, nem os nomes sendo chamados ao fundo. O vento se intensificou, ou talvez fosse só coisa da minha cabeça, um frio leve e estranho.
Como se o ar também tivesse sentido aquele golpe doloroso na queda.
Era tudo tão… injusto.
Por quê?
Apoiei os cotovelos nos joelhos, as mãos cobrindo parte do rosto.
Eu me sentia péssimo… frustrado.
Horrível.
Decepcionado, não com ela, claro que não, mas com tudo. Tudo mesmo.
Principalmente com o jeito que o mundo simplesmente continuava, mesmo depois de algo assim ter acontecido.
Por quê?
Peguei o celular no bolso, hesitante. Olhei a tela, depois a conversa entre a gente. Ainda estava ali, as mensagem dela, as mensagens pós chamada, a localização enviada…
No entanto, tudo parecia distante.
Pensei por um tempo, olhando novamente pra pista enquanto os dedos estavam sobre o teclado, até enfim digitar algo:
“Você está bem, Yuki?”
Eu sabia que era uma pergunta inútil, estúpida.
Como ela estaria?
É claro que ela não tava bem…!
Mas mesmo assim… precisava perguntar. Enviei, mesmo sem saber se ela ia ver, ou se ela queria ver.
Talvez esperava uma resposta, mesmo que fosse uma mentira gentil dela.
Suspirei, apoiando os cotovelos nos joelhos, após guardar o celular no bolso.
Ela tinha se esforçado tanto. Era notável. Ela carregava aquele vontade com um cuidado inacreditável. E mesmo com tudo pesando contra ela, estudos, treinos, sono, cansaço, o medo de falhar, toda aquela pressão, ela continuou.
Ela não parou.
Até aquele dia.
Mas…
E tudo isso… pra quê?
No fim, ela caiu antes de cruzar a linha. A chance dela, aquela vaga nos Nacionais, aquela vitória. A corrida que poderia mudar tudo… acabou naquele instante em que ela tropeçou.
Uma pequena falha que custou tudo.
Por quê?
Por que naquele momento?
Era uma pergunta que eu sabia que não tinha resposta. E talvez isso me machucasse ainda mais.
Mas o que eu sentia era claro e forte. Uma frustração quieta. Como se o mundo tivesse trapaceado.
Como se… tivessem roubado algo dela. Algo que ela merecia mais que tudo.
— Preparar… — Na pista, a próxima corrida estava começando, mas pra mim, tudo ali parecia… indiferente.
Como se o tempo não estivesse passando de verdade.
Como se tudo tivesse congelado…
…No exato momento em que ela caiu.
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