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    As aulas da manhã passaram extremamente rápidas. A professora escrevia no quadro, fórmulas e fórmulas apareciam, perguntas e respostas surgiam por toda parte, cadernos sendo preenchidos, vozes murmurando, lápis riscando.

    O normal.

    O problema era que nada daquilo entrava na minha cabeça… minha caneta sequer se mexia.

    Meu olhar sempre escapava na direção dela.

    Ela estava lá, na mesa ao meu lado. O cabelo preso de leve, as muletas encostadas na mesa, e o pé ainda enfaixado. Conversava sussurrando com a colega da frente, sorrindo. Ela sorria como sempre.

    Como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse caído no meio de uma corrida que preparou por tanto tempo. Como se não tivesse perdido a vaga para os Nacionais.

    Abaixei os olhos para o meu caderno, onde a única coisa escrita ali era o número da lição e a data. E mesmo isso parecia fora de lugar, de alguma maneira. Fiquei encarando a folha por alguns segundos, até que um pensamento surgiu:

    “Eu vou fazer isso. Hoje. Depois das aulas.”

    Logo o som do intervalo chegou, trazendo um alívio pra todos. O corredor estava lotado de vozes e passos. Seiji, Rintarou e eu caminhávamos entre os outros alunos, desviando de mochilas, risadas e discussões sobre coisas triviais.

    — Cara, aquele novo jogo de luta é impossível — resmungava Seiji, com as mãos nos bolsos. — Os caras online já decoraram tipo, todos os movimentos… que vagabundos.

    — Você só aperta qualquer botão repetidamente — comentou Rintarou, com a calma habitual. — Não é à toa que perde.

    — Ei! Isso é uma tática também, tá!?

    Sorri meio sem ouvir. Estava andando, mas era como se estivesse bem longe dali. Por algum motivo, ainda não conseguia tirar aquela expressão da minha cabeça.

    Por quê?

    Enquanto seguíamos pelo corredor em direção à um lugar onde vendiam lanches, avistei, alguns passos à frente, um pequeno grupo de alunas reunidas em roda.

    Yuki estava entre elas, junto de Akebi, Mina e outras garotas de outras turmas que eu não lembrava o nome no momento. Riam de algo que eu não consegui ouvir, todas animadas. Yuki mexia com uma das mãos, equilibrando a outra na muleta.

    O sorriso dela estava lá, um sorriso suave e gentil. Quase genuíno.

    Mas só quase mesmo.

    Havia um detalhe no olhar dela, aquele brilho leve, os foco nos gestos, aquela pausa entre as risadas que dizia outra coisa.

    Coisa essa que ninguém mais reparava, senão eu.

    Abaixei a cabeça e olhei para o chão, meus passos desacelerando levemente.

    — Hm? Aconteceu alguma coisa? — perguntou Rintarou, sem parar de andar.

    — Não — falei rápido demais. — Não é nada…

    Eles não insistiram muito, e eu agradeci por isso. Falar sobre aquela situação não era algo fácil.

    O resto do dia passou como a manhã, num ritmo meio esquisito. Uma hora meio arrastado e meio rápido demais.

    E então veio o fim das aulas, e com ele, o encontro do clube de literatura.

    Takumi lia alguma coisa com um olhar concentrado, Mai rabiscava anotações em um livro, com a testa franzida, Kaori mexia em papéis amassados de forma totalmente desorganizada, e tudo isso enquanto Taro deixava a sua baba escorrer.

    Apenas o habitual.

    A sala estava em silêncio, até que alguém o quebrou:

    — Então? Ouvi dizer que você vai começar uma nova história… — perguntou Takumi, com um olhar curioso.

    — Hã? Ah, então ela já andou contando… — suspirei, deixando os ombros levemente caídos. — Mas sim, uma nova história. Ah, mas ainda só tá nas ideias, por enquanto.

    — Será que vai ser tão incrível quanto a última que você fez? — comentou Mai, sorrindo enquanto apoiava no queixo a palma da mão.

    — Shin… — Kaori se aproximou, apoiando o queixo na mesa e me olhando com um olhar de cachorrinho abandonado. — Mostra a ideia pra gente… por favor. Só um pouquinho… vai.

    — Eh? Eu ainda não fiz nada, é só uma ideia… — respondi, rindo de leve. — Mas não esperem nada grande, sério mesmo…

    Kaori me encarou por um segundo, depois apenas sorriu. Daquele jeito calmo e simples… mas diferente.

    O clube seguiu em ritmo tranquilo. Discutimos trechos curtos, falamos de personagens e estilos, livros que lemos. Nada muito especial, mas confortável. Até que o som da campainha ecoou pela escola, anunciando o fim do dia.

    Um tempo depois, quando a maioria dos alunos já deixava a escola, me despedi do pessoal do clube. Logo me virei para Seiji e Rintarou, dizendo que eles podiam ir na frente.

    Kaori foi com algumas meninas de outra turma, acenando rapidamente antes de sumir no corredor. Seiji saiu reclamando do novo jogo, novamente, enquanto Rintarou só balançava a cabeça, ouvindo em silêncio com aquele sorriso calmo de sempre.

    Então, fiquei sozinho.

    E foi nesse exato instante que eu a vi.

    Yuki, parada perto da entrada principal da escola, segurando firme as muletas. O sol da tarde iluminava os fios soltos do cabelo dela, e ela parecia observar o céu com calma. Provavelmente, estava esperando Kaito ir a buscar.

    Respirei fundo. O coração batia rápido, as mãos suavam um pouco. Mas, naquele momento, isso não importava.

    Caminhei até ela com passos lentos, sentindo cada passo ecoar mais do que o necessário dentro de mim.

    — Ei — chamei, quando estava perto o bastante. — Yuki…

    Ela virou o rosto na mesma hora. A surpresa veio primeiro, mas logo deu lugar a um sorriso leve que pareceu aquecer meu peito.

    — Ah… Oi, Shin!

    Fiquei ali por alguns segundos, talvez mais do que deveria, tentando reunir coragem pra dizer o que precisava.

    “Só fala…!”

    — Você… tem algum compromisso agora? — perguntei, coçando a nuca e desviando um pouco o olhar.

    — Hmmm, não. Só estou esperando o Kaito vir me buscar — Ela respondeu depois de olhar para a tela do celular.

    Hesitei um pouco, as palavras pesando mais do que o normal na garganta.

    “Que droga.”

    Por que era tão difícil? Não deveria ser assim…

    — É que… eu… queria te levar num lugar — falei, mas minha voz saiu levemente baixa.

    Ela piscou, visivelmente surpresa.

    — Um lugar…?

    Assenti, ainda sem conseguir olhar direto pra ela.

    — É… um lugar especial. E eu queria que você visse comigo.

    Por um segundo, ela ficou parada, o rosto meio vermelho. Então, como se tivesse tomado uma decisão num instante, tirou o celular do bolso e ligou.

    — Oi, Kaito? Não precisa vir agora.

    “Hã?”

    Esperou alguns segundos enquanto ele falava do outro lado.

    — Sim. Tá tudo bem! — disse antes de desligar, olhando para mim com aquele sorriso que fazia meu coração acelerar. — Pronto!

    — Uau. Isso foi… rápido demais — comentei, surpreso.

    — Achei que devia confiar. — Ela deu um pequeno sorriso leve, quase travesso, e lindo.

    Saímos da escola, caminhando lado a lado sob a luz suave do fim da tarde. A brisa era leve, e o silêncio entre nós tinha um som diferente, tipo como se dissesse mais do que qualquer palavra.

    Então, logo notei.

    Vi o quanto ela se esforçava para andar. As muletas batiam levemente no chão a cada passo, e mesmo que o sorriso dela continuasse no rosto, era óbvio o quão cansativo aquilo devia ser.

    Por que ela tinha que ser assim?

    — Deve ser difícil, né? — falei, observando o modo como ela se apoiava, com um tom preocupado.

    — Hm? Ah, é… um pouco mesmo — disse, com um sorriso disfarçado. — Mas não vai durar muito. Logo vou estar correndo de novo!

    Fiquei em silêncio por alguns passos. Olhei o caminho à frente e pra trás, depois para ela.

    E então… parei.

    Dei dois passos à frente e me virei de costas, agachando sem dizer mais nada, com os braços abertos. 

    — …Sobe — falei firme, mas sem encarar ela diretamente.

    — Hã?

    Ela pareceu congelar naquele instante.

    — Subir? Eu não… Shin…

    — Vai ser mais rápido! — insisti, com os olhos voltados para o chão. — E você não devia forçar tanto assim.

    Ela hesitou. Tinha quase a certeza de que diria não…

    Seria bem vergonhoso se ela recusasse…

    Mas, depois de um pequeno silêncio, ela falou com a voz mais baixa do que antes:

    — Shin… eu sou pesada, e você…

    — Tá tudo bem! — eu a interrompi, virando a cabeça de leve com um pequeno sorriso no rosto. — Confia em mim.

    Por alguns segundos, nada aconteceu. O vento passava por nós.

    E então, senti.

    As mãos dela tocaram meus ombros. Leves no começo, quase pedindo permissão para fazer aquilo.

    Ela começou a subir devagar, com cuidado. Os braços dela ao redor do meu pescoço, o corpo encostando no meu.

    Ah.

    Era quente… e real.

    Meu coração disparou no mesmo segundo. Mas não era hora de ficar com vergonha.

    “Foca!”

    — D-desculpa… — ela murmurou, com a voz baixa. — Eu sou pesada mesmo…

    — Você não é — respondi, me levantando com um impulso firme.

    Começamos a andar. As muletas presas na minha mão, e ela… nas minhas costas.

    Ela ficou em silêncio, e eu também.

    Mas havia algo bom naquele silêncio. Algo leve… e meio suave?

    Ela estava ali, tão perto de mim. Os braços apoiados, mas sem pesar. Como se, por um instante, tivesse permitido que alguém dividisse aquilo que ela sempre carregou sozinha.

    Meu coração ainda batia rápido, mas dessa vez… por outra razão. Eu apenas queria fazer uma coisa.

    Talvez eu conseguisse, ou talvez não.

    Mas eu tinha que tentar.

    Eu precisava…

    …Tirar todo o peso que ela carregava sozinha.

    A escola começou então a desaparecer, e nas minhas costas ela continuava se apoiando, seus braços perto do meu pescoço.

    Continuamos andando, enquanto nos aproximávamos daquele lugar. Um lugar onde, finalmente, ela poderia jogar tudo fora.

    Tudo que estava preso dentro dela.

    Tudo aquilo que ela guardou por tanto tempo…

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