Capítulo 19: Chuvisco
O fim de semana finalmente havia chegado, mas, ao contrário do alívio que eu esperava sentir, uma inquietação pesava sobre mim. Desde o momento em que meu pai sugeriu sairmos juntos, um turbilhão de pensamentos tomou conta da minha mente. Eu sabia que deveria estar animado com a oportunidade de passar um tempo em família, mas não conseguia me livrar da sensação de que algo mais estava por trás desse convite.
Tomamos o café da manhã juntos naquela manhã, uma cena que, em outros tempos, teria sido comum. A mesa estava repleta de alimentos que minha mãe havia preparado com cuidado, mas, mesmo com todas as tentações, o alimento parecia insípido. Meu pai tentava puxar conversa, comentando sobre o clima agradável ou fazendo perguntas triviais sobre meus estudos. Eu respondia automaticamente, com palavras que pareciam mais forçadas do que naturais.
O olhar de Hana, minha irmã, ia de mim para ele, como se tentasse ler as emoções que eu estava tentando esconder. Ela, com seus sete anos, não tinha ideia do que se passava realmente, mas, mesmo assim, parecia pressentir que havia algo errado. Seu sorriso inocente era um lembrete doloroso do que tínhamos perdido ao longo dos anos.
A manhã se arrastou, e eu já estava me preparando mentalmente para o passeio quando o celular vibrou no meu bolso. Era uma mensagem de Seiji. Ele queria saber se eu estava disponível para jogar alguma coisa à tarde. Por um momento, a ideia de escapar da situação desconfortável em que eu me encontrava me pareceu tentadora. Mas, ao olhar para minha família à minha volta, percebi que não poderia fugir disso.
“Não vai dar hoje, Seiji. Deixa pra outro dia”, digitei rapidamente, antes de desligar o celular e guardá-lo novamente no bolso. Ele não insistiu, mas eu sabia que ele ficaria curioso sobre o motivo pelo qual eu estava recusando.
Na tarde daquele mesmo dia, saímos de casa. O sol brilhava alto no céu, e a cidade parecia cheia de vida. Caminhamos pelas ruas, visitando algumas lojas, fazendo pequenas compras e, eventualmente, paramos para um piquenique em um parque tranquilo. Minha mãe estava animada, sugerindo atividades, comprando pequenas guloseimas para Hana, enquanto meu pai, claramente fazendo um esforço, tentava se envolver. Eu também tentava, mas tudo parecia forçado, como se estivéssemos tentando capturar algo que já havia escapado de nossas mãos.
O ambiente leve e descontraído que minha mãe tanto se esforçava para criar não conseguia dissipar a nuvem de tensão que pairava sobre nós. Meu pai fazia piadas ocasionais, tentando me arrancar um sorriso, mas eu só conseguia responder com um riso fraco e forçado. Estávamos conversando, mas havia um abismo entre nós, um silêncio subjacente que nenhum de nós sabia como romper.
Quando minha mãe e Hana decidiram entrar em uma loja para comprar algo, eu e meu pai ficamos sozinhos do lado de fora. O silêncio entre nós era palpável, pesado. O que eu poderia dizer para quebrá-lo? E se ele dissesse algo que eu não estava pronto para ouvir?
Finalmente, foi ele quem quebrou o silêncio, com uma pergunta simples, mas que parecia carregar um peso maior do que deveria.
— Como estão as coisas para você, Shin? Na escola, no trabalho… Está tudo bem?
Eu olhei para ele, tentando decifrar a expressão em seu rosto. Ele parecia genuinamente interessado, mas havia algo em seu tom que me fez sentir que essa não era apenas uma pergunta casual. Talvez ele estivesse tentando se conectar comigo de novo, mas eu não sabia como responder de forma que não soasse indiferente.
— Estão bem — respondi, tentando manter minha voz neutra. — A escola está… normal. E o trabalho na biblioteca é tranquilo.
Ele assentiu, mas o silêncio voltou a se instalar entre nós. Por que eu estava me sentindo tão desconfortável? Era como se soubéssemos que havia algo a ser dito, mas nenhum dos dois tivesse coragem de começar.
Depois de alguns minutos, eu não consegui mais segurar a pergunta que martelava em minha cabeça desde que ele voltou para casa. Eu precisava saber.
— Pai… — minha voz saiu mais hesitante do que eu pretendia, mas continuei. — Qual é o verdadeiro motivo de você ter voltado?
Ele olhou para mim, surpreso com a pergunta direta. Eu podia ver a hesitação em seus olhos, como se estivesse procurando as palavras certas, ou talvez se perguntando se deveria mesmo me contar.
— Como assim? — ele perguntou, tentando ganhar tempo, mas eu não deixei isso passar.
— Quero dizer… — continuei, sentindo a frustração crescer dentro de mim. — Você voltou de repente, sem mais nem menos. Foi porque perdeu o emprego? Ou encontrou algo aqui perto? Por que agora?
Ele demorou alguns segundos para responder, e, quando finalmente falou, sua voz estava mais séria do que antes.
— Shin… Não é nada disso. Eu… Nós vamos nos mudar.
As palavras dele soaram como uma bomba, explodindo dentro de mim. Por um momento, tudo pareceu parar, como se o mundo ao meu redor tivesse congelado. Eu simplesmente não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
— O quê? — A incredulidade na minha voz era clara. — Como assim, nos mudar? Para onde?
— Para a cidade onde estou trabalhando agora — ele respondeu, com um tom firme, mas com uma ponta de arrependimento. — Será melhor para todos nós. Sua mãe já concordou.
— Não… — sussurrei, quase sem voz. — Isso não pode estar acontecendo. Por que você acha que isso é uma boa ideia?! E… E a mãe? Ela não pode ter concordado com isso!
— Eu já conversei com ela, Shin — meu pai continuou, mais sério agora. — E ela acha que essa é a melhor decisão para a nossa família. Assim, poderemos passar mais tempo juntos.
Eu podia sentir meu mundo desmoronando. A ideia de deixar para trás tudo o que eu tinha construído aqui — meus amigos, o clube de literatura, meu trabalho, Yuki… Tudo isso parecia impossível de suportar. Como eu poderia simplesmente abandonar tudo? E como minha mãe poderia concordar com isso?
— Não! — gritei, sentindo as lágrimas se acumulando nos meus olhos, mas sem permitir que elas caíssem. — Eu não vou me mudar! Não vou deixar tudo aqui para trás!
Meu pai tentou me acalmar, mas eu já não estava mais ouvindo. O pânico e o desespero tomaram conta de mim, e, antes que percebesse, comecei a correr. Corri para longe dele, para longe daquela situação que parecia um pesadelo.
Ouvi meu pai me chamando, pedindo para que eu esperasse, mas suas palavras foram abafadas pelo som do sangue pulsando nos meus ouvidos. Eu só queria fugir, escapar de tudo aquilo.
Meus pés me levaram até um parque, onde as árvores balançavam suavemente ao vento, mas eu mal conseguia notar. Minhas pernas estavam pesadas, e a respiração ofegante. Meus pensamentos eram um turbilhão, e tudo o que eu conseguia fazer era me jogar em um balanço, como se isso pudesse de alguma forma ancorar minha mente descontrolada.
E ali, sentado, o céu começou a se fechar, como se refletisse a tempestade dentro de mim. Começou a chover. No início, apenas gotas esparsas, mas logo a chuva se intensificou, encharcando minhas roupas e cabelo. Mas eu não me importava. A chuva fria contra minha pele parecia combinar perfeitamente com o que eu sentia por dentro — frio, desamparado, perdido.
Eu estava prestes a desabar ali, quando, de repente, senti a chuva parar. Por um segundo, achei que ela havia cessado por completo, mas então percebi que alguém tinha se aproximado. Levantei a cabeça e, através da névoa da minha visão, vi Kaori. Ela segurava um guarda-chuva acima de nós dois, me protegendo da chuva.
— Você vai pegar um resfriado se continuar aqui — disse ela, a voz suave e cheia de preocupação.
Eu a olhei, surpreso por vê-la ali. O que ela estava fazendo em um lugar como aquele, e logo naquele momento?
— O que você está fazendo aqui? — perguntei, minha voz saindo mais rouca do que eu esperava.
— Estava passando por aqui, depois de ir à loja de conveniência, e te vi sentado aqui na chuva — respondeu ela, com um leve sorriso. — Parecia que você precisava de alguém.
— Mas… só começou a chover agora, por quê você está com um guarda-chuva?
— Eu estou sempre preparada para tudo! — disse Kaori rindo.
Ela se sentou no balanço ao meu lado, compartilhando o guarda-chuva. O silêncio que se seguiu foi reconfortante, diferente daquele que eu havia experimentado com meu pai. Era como se ela entendesse que eu não estava pronto para falar, que eu precisava de um momento para processar tudo.
Depois de algum tempo, finalmente rompi o silêncio.
— Não vai perguntar o que aconteceu? — perguntei, meio esperando que ela insistisse em saber.
Ela me olhou, com um brilho suave nos olhos.
— Você quer falar sobre isso?
Por um momento, pensei em me abrir, contar tudo o que havia acontecido, mas as palavras simplesmente não vieram. Eu não estava pronto para enfrentar aquilo ainda, nem mesmo com alguém como Kaori.
— Não — respondi, balançando a cabeça. — Não agora.
Ela assentiu, como se entendesse perfeitamente. E, em vez de pressionar, ela me deu algumas palavras encorajadoras, do tipo que só ela poderia oferecer. Palavras simples, mas que de alguma forma conseguiam aliviar um pouco do peso que eu carregava.
Enquanto voltávamos para casa, ela segurou o guarda-chuva, garantindo que eu não me molhasse mais. Ela caminhava ao meu lado, em silêncio, mas a sua presença era tudo o que eu precisava naquele momento.
Chegando à porta da minha casa, parei e olhei para ela, ainda sem saber como agradecer adequadamente.
— Obrigado, Kaori — disse, finalmente, tentando colocar em palavras o que sentia.
Ela sorriu, um sorriso que parecia iluminar até mesmo a noite chuvosa.
— Não foi nada — respondeu ela, antes de abrir a sacola que carregava. — Aqui, pegue um pão doce. Você gosta, certo?
Eu fiquei confuso por um momento, sem saber como reagir. Tentei recusar, mas ela insistiu até que eu finalmente aceitasse. Depois, ela se despediu, correndo pela chuva, enquanto eu fiquei ali, segurando o pão doce e me perguntando o que eu fiz para merecer alguém como ela.
Entrei em casa, ensopado, e fui imediatamente recebido pelo olhar preocupado da minha mãe.
— Shin, onde você estava?! — perguntou ela, visivelmente angustiada. — Olhe só para você, está todo molhado! Você vai acabar doente!
— Eu… — comecei, mas fui interrompido por ela.
— Seu pai me contou o que aconteceu — disse ela, num tom mais suave. — Shin, eu sei que isso é difícil, mas talvez seja o melhor para todos nós. Poderíamos passar mais tempo juntos, como uma família.
Eu olhei para ela, tentando encontrar uma explicação lógica para tudo isso, mas só sentia o desespero crescer novamente.
— Não! — exclamei, interrompendo-a. — Eu não vou me mudar! Não vou abandonar tudo!
Sem esperar pela resposta dela, corri para o meu quarto e tranquei a porta, jogando-me na cama. Lágrimas que eu tinha segurado durante todo o dia finalmente começaram a cair, molhando o travesseiro. Por quê eu tinha que deixar tudo para trás? Por quê eu tinha que abandonar meus amigos, minha escola, Yuki… tudo? O mundo parecia desmoronar ao meu redor, e eu não sabia como segurá-lo.
Eu só queria que tudo fosse como antes.