Índice de Capítulo

    Sem que eu percebesse, os dias de verão haviam passado em um piscar de olhos. Junho já era passado, e eu já estava mergulhado em meados de agosto. Meu ciclo diário tinha se tornado quase automático:

    Acordar, comer, jogar e dormir.

    Se repetia sem variações, até que começou a ficar… monótono.

    Como sempre…

    Naquela tarde, decidi jogar um jogo para me distrair, mas, depois de algumas partidas sozinho, percebi o quão entediante era sem companhia. Foi quando me ocorreu a ideia de ligar para Seiji e Rintarou.

    Seiji atendeu no primeiro toque, sua voz animada explodindo de animação do outro lado da linha:

    — E aí, Shin! Claro que tô dentro! Só preciso achar o controle. Você sabe como é minha organização…

    Rintarou, por outro lado, foi mais contido, mas igualmente disponível:

    — Estou livre também. Jogar um pouco parece uma boa ideia, desde que vocês não me façam carregar o time de novo.

    Com o trio completo, nos encontramos online em questão de minutos, prontos pra jogar sem parar. Jogar com eles era completamente diferente de estar sozinho. O som das risadas, as provocações durante as partidas e a competição amigável transformaram o ambiente em algo mais real e animado.

    Depois de algumas rodadas acirradas, em que Seiji se orgulhava de uma vitória totalmente sortuda, Rintarou, sempre com o pé no chão, nos trouxe de volta à realidade:

    — Falando nisso, vocês já começaram as tarefas de verão? O professor deixou uma lista bem longa, lembram?

    Seiji soltou um gemido tão dramático que eu quase pude vê-lo se jogando na cama ou assim.

    — Ahhh, tarefas de verão?! Eu esqueci completamente disso! Não dá pra gente fingir que elas não existem?

    Minha resposta não foi muito melhor:

    — Eu também não fiz nada… E agora? Acha que dá pra terminar tudo até o prazo?

    Rintarou suspirou do outro lado da chamada, mas seu tom era tranquilo:

    — Não se preocupem, ainda dá tempo. Que tal virem até minha casa? Posso ajudar vocês com as tarefas.

    A ideia era boa, e todos concordamos sem hesitar. Desligamos o jogo e começamos a nos preparar para o intensivão das férias


    Chegando na casa de Rintarou, fomos recebidos pela sua irmã mais nova, que nos mostrou um sorriso simpático enquanto nos guiava até o quarto dele.

    — Boa sorte, meninos. Vocês vão precisar com o Rintarou no comando! — brincou ela, antes de sair.

    O quarto de Rintarou era exatamente como eu imaginava: impecavelmente organizado. Livros alinhados em uma prateleira, uma mesa de estudos cheia de papéis e uma cadeira super ajustada. Ele já estava preparado, com os materiais espalhados, parecendo um professor de verdade.

    …Pra nós, ele realmente era o nosso professor.

    — Certo, vamos começar com matemática — Rintarou anunciou, pegando um livro com uma capa desgastada.

    Seiji se jogou na cadeira com um suspiro longo e exagerado, como se estivéssemos pedindo que ele fizesse algo impossível.

    Se bem que… talvez fosse realmente impossível pra ele.

    — Matemática? Tinha que ser matemática primeiro? Por que não algo… mais divertido, tipo história? Se bem que história também não é divertido… Talvez então…

    — Vamos lá, Seiji. Se começarmos pelo mais difícil, o resto vai ser mais tranquilo — Rintarou respondeu com paciência.

    — Mais tranquilo pra quem? — Seiji rebateu, abrindo o caderno, relutante.

    Eu dei um leve sorriso enquanto observava a interação. Rintarou sempre foi o mais centrado de nós, e seu jeito calmo de lidar com Seiji era quase inspirador, de algum jeito.

    Rintarou abriu o livro e começou a explicar os conceitos mais básicos, tentando traduzir a matemática para algo mais acessível:

    — Então, se x é igual a 5, o que acontece com y?

    Seiji franziu a testa, o lápis girando entre os dedos enquanto ele olhava fixamente para o problema.

    — Hum… Y é igual a… 10?

    Rintarou balançou a cabeça, mas não perdeu o sorriso.

    — Não, mas foi por pouco. Vamos tentar de novo.

    Enquanto Rintarou explicava pela segunda vez, comecei a me lembrar por que nunca gostava de estudar matemática. O tempo parecia se arrastar enquanto enfrentávamos equações e fórmulas. No entanto, a paciência e persistência de Rintarou eram surpreendentes. A cada dúvida que surgia, ele explicava com calma, mudando a abordagem até que finalmente entendêssemos.

    Depois de algum tempo, Seiji deixou o lápis cair na mesa e levantou as mãos como se estivesse se rendendo:

    — Eu preciso de uma pausa. Minha cabeça tá doendo!

    Rintarou deu uma olhada no relógio e balançou a cabeça, com um suspiro carregado de paciência:

    — Seiji, só se passaram dez minutos desde que começamos a estudar…

    Seiji cruzou os braços e reclinou-se na cadeira como se estivesse sendo injustiçado.

    — Dez minutos nessa bomba de matemática são como uma eternidade no mundo real! Não aguento mais, vamos parar!

    Eu ri, tentando aliviar o clima enquanto ajustava meus livros.

    — Vamos lá, Seiji. Mais um pouco e a gente faz uma pausa. Prometo que vai ser rápido.

    Enquanto tentávamos retomar o foco, as conversas começaram a escapar naturalmente do tema das tarefas. Era quase inevitável… Entre uma conta e outra, as lembranças do passado surgiam, trazendo risadas e histórias que nenhum de nós queria esquecer.

    Foi quando não resisti e puxei um tópico clássico:

    — Ei, vocês lembram daquela vez que o Seiji se confessou pra garota que ele gostava… na frente da escola inteira? — falei, já segurando o riso ao ver Seiji congelar.

    Rintarou imediatamente olhou para mim, surpreso, antes de cair na gargalhada.

    — Ah, eu lembro. Foi tão vergonhoso que se tornou o assunto da escola por semanas — Ele disse, enquanto Seiji enterrava o rosto nas mãos.

    — Dá pra parar com isso?! — Seiji reclamou, a voz abafada. — Vocês não têm nenhum pingo de empatia! Vamos voltar pra matemática…

    “Agora ele quer voltar pra matemática…”

    — Foi um momento histórico na escola — respondi, rindo enquanto ele ficava ainda mais vermelho. — Vai dizer que você não sente orgulho de ter feito algo tão grandioso assim?

    — Orgulho?! — Seiji exclamou, endireitando-se com indignação. — Vamos voltar pro estudo! E vamos esquecer que isso aconteceu…!

    Mas ele não deixaria isso barato. Ele mandou um olhar travesso, como se estivesse prestes a contra-atacar.

    — Já que é assim, então que tal a gente falar sobre quando o Shin dormiu na aula e começou a falar sozinho enquanto sonhava?

    Meu sorriso desapareceu instantaneamente.

    — Hã? Do que você tá falando?! Isso nunca aconteceu!

    — Aconteceu, sim! — Seiji afirmou, com um tom cheio de confiança. Ele se virou para Rintarou, esperando apoio. — Rintarou, você tava lá, não tava?

    Rintarou, assentiu com um sorriso discreto. Que traidor.

    — Ah, essa foi boa. Você estava falando algo sobre… espadas do jogo? Ou era comida? Foi difícil entender…

    Seiji bateu na mesa, rindo alto.

    — Espadas e comida?! Isso é sua cara mesmo…

    — Ei, sem chance disso ter acontecido! Eu nunca fiz isso — retruquei, tentando lembrar se realmente havia acontecido ou se eles estavam inventando para me provocar. — Vocês tão mentindo… não é justo.

    — Claro que estamos… Claro… — Rintarou disse com seu tom calmo, arrancando mais risadas de Seiji.

    O clima leve fazia o tempo passar mais rápido, e as risadas aliviavam o peso das tarefas. Mas percebi algo curioso: eu não conseguia pensar em nenhum momento embaraçoso de Rintarou. Olhei para ele, estreitando os olhos, tentando puxar algo da memória.

    — E você, Rintarou? Não tem nenhuma história embaraçosa?

    Ele levantou os olhos do livro, pensativo, e hesitou antes de responder:

    — Bom… Teve uma vez em que tirei 89 de 100 numa prova de matemática. Foi bem vergonhoso pra mim…

    Por um momento, Seiji e eu ficamos em silêncio, absorvendo o que ele tinha dito.

    Vergonhoso? 89 de 100? Não brinca…

    Então, nos entreolhamos, incrédulos, antes de explodir em risadas.

    — Vou te matar! Como assim isso é embaraçoso?! — Seiji gritou, fingindo estar indignado. — Você só queria se mostrar, né? Admito que quase cai na sua atuação!

    Rintarou deu um pequeno sorriso, ajustando os óculos com calma.

    — Não é minha culpa se vocês definem vergonha de forma tão diferente…

    As risadas ecoaram pelo quarto, preenchendo o espaço com uma energia que tornou o estudo um pouco mais suportável. Mesmo Seiji, que geralmente evitava qualquer coisa que se parecesse com esforço, parecia mais à vontade.

    Quando as risadas finalmente diminuíram, Rintarou olhou novamente para o relógio, como se calculasse o tempo que ainda precisávamos para terminar tudo.

    — Tudo bem, pessoal. Hora de voltar ao trabalho.

    — Sem chance, não quero mais estudar matemática! — reclamou Seiji, largando o lápis na mesa.

    — Você não tava querendo voltar pra matemática até agora? — perguntei, provocando de leve.

    — …Sim, mas agora já passou a vontade — ele murmurou.

    Sendo assim, tentei apelar para sua vaidade, inclinando-me ligeiramente para ele com um tom ainda mais provocador:

    — Sabia que li num artigo que garotas gostam de caras inteligentes? Acho que você conquistaria todas se fosse estudioso…

    Como se tivesse sido atingido por algo, Seiji pegou o lápis no mesmo instante e começou a fazer os cálculos com uma velocidade impressionante… mesmo que estivessem errados.

    Porém, parou abruptamente, me olhando com um olhar malicioso.

    — Onde você leu isso? E… por que estava lendo? — Ele perguntou, com um tom provocador que deixou claro que não iria soltar isso facilmente.

    Eu evitei o olhar dele, mas falhei miseravelmente.

    — Não é nada… só algo que eu vi por aí enquanto procurava novos jogos.

    Seiji abriu um sorriso ainda mais travesso, apoiando o queixo na mão enquanto me encarava de perto.

    — Jogos, é? Tá querendo impressionar alguém, ein, Shin? — provocou, o tom de voz cheio de insinuações.

    Antes que eu pudesse responder, Rintarou interveio, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo:

    — Tá na cara que a pessoa que ele gosta é a Yuki.

    Eu congelei, e Seiji arregalou os olhos tão rápido que parecia uma caricatura.

    — Hã? Queee?! Você gosta da Yuki mesmo? Aquela Yuki?! A da nossa turma!?

    Virei-me para Rintarou, desesperado.

    — Ei! Por que você contou?!

    Ele deu de ombros, como se não tivesse acabado de jogar uma bomba na mesa.

    — Você que não sabe esconder… isso é bem óbvio…

    Tentei mudar de assunto rapidamente, gesticulando para as folhas espalhadas.

    — Isso não vem ao caso! Vamos continuar com as tarefas, tá? Olha esse problema aqui…

    Mas, claro, Seiji não iria deixar isso passar tão fácil. Ele inclinou-se para frente, um raro brilho de seriedade em seus olhos.

    — Escuta, Shin. Você devia agir logo. Se não chegar nela primeiro, alguém pode chegar antes. Você sabe disso, né?

    As palavras dele ficaram pairando no ar, e, por um momento, senti meu coração acelerar.

    Claro, já era algo em que eu já tinha pensado antes, mas ouvir isso de alguém tão direto como Seiji dava uma nova dimensão ao peso daquilo.

    No entanto, sacudi a cabeça e decidi desviar o foco.

    — Tá, tá. E você, Seiji? De quem você gosta? — perguntei, aproveitando a oportunidade para colocá-lo no centro da conversa.

    Seiji respondeu sem hesitar, como se já tivesse ensaiado aquela frase um monte de vezes.

    — Da Yumi, da nossa turma! Ela é linda, cheirosa, gentil… perfeita pra um cara incrível como eu.

    Não consegui segurar a risada. Como ele conseguia dizer isso sem sentir nenhuma vergonha?

    — Sério, Seiji? Você sabe que a Yumi é super popular, né? Até os veteranos do terceiro ano vivem atrás dela.

    Ele deu de ombros, confiante como sempre.

    — E daí? Tenho um plano infalível pra conquistar ela — disse, piscando como se estivesse prestes a compartilhar o segredo.

    Mas, antes que eu pudesse perguntar qual era esse plano, ele e eu nos viramos para Rintarou, que até então estava quieto, apenas observando a conversa com um olhar distante.

    — E você, Rintarou? De quem você gosta? — perguntamos em uníssono, nossos tons curiosos e brincalhões.

    Rintarou ajeitou os óculos calmamente e respondeu com simplicidade:

    — Estudos vêm em primeiro lugar.

    Seiji se jogou dramaticamente na cadeira, como se tivesse acabado de ouvir algo terrivelmente trágico.

    — Ah, Rin, que coisa chata! Juventude é pra ser vivida! Logo vai ser tarde demais, e você vai se arrepender!

    Rintarou manteve a calma, ignorando as provocações enquanto pegava o caderno novamente.

    — Sim, sim. Vamos voltar às tarefas. Já conversamos demais.

    Seiji soltou um gemido exagerado, como se Rintarou pedisse algo impossível pra ele.

    — Vamos fazer uma pausa! Só mais cinco minutinhos!

    — Nem pensar. — Rintarou respondeu, firme. — Já perdemos tempo suficiente. Anda logo!

    Eu apenas parei.

    Observei a cena e senti uma onda de gratidão ao vê-los ali, discutindo e rindo como sempre. Mesmo com nossas diferenças, havia algo inquebrável no vínculo que compartilhávamos.

    O calor do verão parecia menos opressivo quando estávamos juntos, e, por um momento, tudo parecia no lugar.

    Enquanto o sol se punha lá fora, criando aqueles tons alaranjados lá no céu, um pensamento passou pela minha mente:

    O futuro poderia ser incerto, mas, com amigos assim, eu sabia que poderíamos enfrentar qualquer coisa.

    Qualquer coisa mesmo.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (15 votos)

    Nota