Capítulo 33 - Descobri no banho: Era Yeisu!
Quintus Maximus encarou a tela do computador por alguns minutos, o cursor piscando na caixa de mensagem vazia, enquanto pensamentos confusos estouravam um atrás do outro:
“Que justificativa usaria para explicar a Snowbear que precisava dela na condição de acompanhante para uma festa que aconteceria em poucas horas? E se ela não morasse perto? E se ela não fosse quem ele imaginava?”
“Snowbear é uma garota. Claro que é!” — afirmou para si mesmo com convicção forçada — “O jeito dela escrever é claramente feminino. E aquele uso excessivo de emojis? Definitivamente coisa de garota. Sem falar da maneira que ela ficou toda empolgada quando mencionei meu pôster de K-pop. Nenhum cara se interessaria tanto assim por isso… certo?”
Mas, para ser honesto, Quintus internamente sabia que sua amiga poderia ser qualquer coisa: uma garota de 17 anos, um homem de 40, ou um grupo de alienígenas tentando entender comportamento humano através de conversas online.
A única certeza era que ela o entendia melhor que qualquer pessoa. Com Snowbear, ele não precisava fingir ser normal ou inventar histórias sobre reencarnação. Ele podia ser simplesmente o jovem Maximus, com todas as suas esquisitices e neuroses.
“Eu poderia finalmente conhecê-la pessoalmente…” — pensou, antes de perceber que não tinha ideia de onde sua amiga virtual morava ou se estava sequer no mesmo continente.
O celular vibrou do nada e ele saltou no susto típico de quem ouve o número da placa do carro no microfone do supermercado. Era uma mensagem de Val Ferri:
“Quintus, meu jovem padawan! Você tem noção do que está pedindo? Acompanhantes para a festa da Illusia são o equivalente a ingressos para o Rock in Rio no último dia: ou você garantiu com meses de antecedência, ou vai ter que dar um rim. Mas, por ser você, vou ver o que posso fazer. Só tenho uma pergunta: quanto você está disposto a pagar? E não fale mal da minha prima. Ela tem um problema hormonal.”
“Qualquer coisa dentro do meu orçamento de estudante falido. E… E desculpe pela sua prima. Bom… o bigode ralo da sua prima é estiloso, tá?” — respondeu ele, com medo de soar estranho.
Enquanto esperava uma resposta, Quintus decidiu tomar um banho. Talvez a água quente ajudasse a limpar sua mente e trazer alguma clareza. Ou, no mínimo, o deixaria mais apresentável para quando ele inevitavelmente implorasse a alguma desconhecida na rua para ir à festa com ele.
No chuveiro, uma memória repentina o atingiu num estalo tão súbito quanto um raio caindo ao lado:
“A garçonete do restaurante medieval! Aquela que se vestia de elfa e tinha braços capazes de erguer um cavalo! Como ela se chamava mesmo? Magda?”
Magda tinha flertado com ele de uma maneira tão direta que ele quase engasgou com a cerveja naquela noite no restaurante Espada & Garfo. Ela era forte, intimidante e tinha uma voz… peculiarmente grave para uma mulher.
Também lhe dera seu número de telefone e o convidara para um encontro. No entanto, o encontro nunca aconteceu. Dominado por um medo instintivo que não conseguia explicar, ele simplesmente não apareceu. E o pior: só agora se dava conta disso. Tinha esquecido completamente.
O xampu escorreu para os olhos de Quintus, fazendo-o soltar um palavrão:
— MERDA! Não é possível… Estava na minha cara o tempo todo!
Entre um enxágue e outro, a memória explodiu feito um fungo crescendo em câmera rápida. Era Yeisu, o nerd de biologia com quem dividiu um trabalho virtual. Nas fotos de perfil, ele sempre aparecia vestido de bactéria gigante ou com uma fantasia de DNA piscando em LED
Yeisu era inteligente, um gênio completo que sempre tinha as respostas para tudo. E ele tinha um físico bem desenvolvido, porque era fissurado em crossfit e não parava de postar fotos de suas sessões de treino.
Quintus congelou no meio do banho, com a água caindo sobre sua cabeça enquanto uma revelação absurda tomava forma em sua mente:
“Não pode ser…”
Ele saiu do chuveiro escorregando, quase caindo de cara no chão, e correu para o computador ainda pingando e enrolado em uma toalha. Rapidamente, abriu seu Instagram e procurou o perfil de Yeisu.
Na última foto, Yeisu estava levantando peso em um ginásio, usando uma camiseta com a frase ‘Seja forte como um elfo’ e… ali estava: uma tatuagem no braço. A mesma tatuagem que ele tinha visto no braço da ‘Magda’ enquanto ela servia chops no restaurante.
— MAGDA É YEISU! — a revelação caiu do mesmo jeito que uma feijoada invade um almoço fit de Tupperware, e tudo finalmente fez sentido.
A revelação atingiu Quintus com tanta força que ele caiu sentado na cama, olhando fixamente para a tela do computador do mesmo jeito que se encara um spoiler fatal do fim do mundo.
“Eu flertei com um cara vestido de elfa.” — murmurou para si mesmo — “E o pior? Ele flertou de volta!”
Não que houvesse algo errado nisso, claro. Mais poder para Yeisu e sua carreira de elfo-garçonete. Mas depois daquela noite fatídica em que Magda o encurralou na frente de Mirela, derrubou metade da cerveja na mesa e fez todo o restaurante gritar “OOOOOOOH” quando mencionou que o conhecia ‘há tempos’, Quintus ficou paranoico com qualquer interação em bares.
Só de lembrar de Yeisu ‘acidentalmente’ encostando em seu braço enquanto os amigos filmavam tudo igual a um um experimento social, ele já sentia o estômago embrulhar, e nem tinha tomado café ainda.
O celular vibrou novamente. Val Ferri:
“Seguinte, três possibilidades na mesa: PRIMEIRA, minha prima, você sabe qual, e ela tá tentando um novo visual, sem o bigode. SEGUNDA, uma garota do segundo ano, com o codinome virtual de ‘A_obeservadora’, pronta para te usar como ponte para atravessar o vale da recuperação. E TERCEIRA, ‘Moonlich’, o cara do bar da esquina, que quer realizar o sonho de ir travestido para uma festa de jovens e acha sinceramente que vai passar despercebido.”
Com um suspiro derrotado, Quintus olhou para a tela. Era tal qual escolher entre três sabores de tragédia servidos na mesma taça. Tudo tinha cara de final de festa junina na escola, com briga por causa de correio elegante e alguém sendo empurrado no balde da barraca do beijo.
Antes que pudesse responder, outra mensagem chegou:
“Ah, e tem a opção 4: A Eloisa, do 3º ano. Ela disse que iria com você se você fizesse uma coisa para ela. Não me contou o que é, mas pelo sorriso maligno, eu diria que envolve algum tipo de humilhação pública ou possivelmente um crime.”
O jovem Maximus engoliu em seco. Conhecia Eloisa virtualmente e pelas histórias que circulavam igual a boatos que ninguém confirma, mas todo mundo repetia. Diziam que ela era bonita de parar o trânsito e perigosa como uma capitã pirata com TPM. O último garoto que tentou algo teve que miar fantasiado de gato em plena quadra da escola, com direito a coleira.
“Então é isso? Escolher entre humilhação pública, humilhação privada ou humilhação internacional? Não tem nenhuma pessoa remotamente normal nessa escola?” — enviou Quintus, o desespero transbordando em cada palavra.
Enquanto esperava, ele abriu sua gaveta e encarou a roupa que sua mãe tinha comprado para a festa. Um blazer azul-marinho com calça social preta. Se vestisse aquilo, parecia pronto para vender consórcio no intervalo da aula. Mas, neste ponto, sua aparência era o menor dos seus problemas.
Seu celular vibrou novamente, mas não era Val Ferri. Era uma mensagem de Snowbear:
“Ei, Quintus! Tudo bem? Tenho uma novidade INCRÍVEL para te contar! Adivinha quem vai estar na sua cidade hoje à noite? EU! Meus pais decidiram fazer uma viagem surpresa e vamos passar aí. Podemos finalmente nos conhecer pessoalmente! :D”
O jovem surpreso encarou a mensagem tal qual um enigma vindo direto de outro planeta:
“Snowbear? Aqui? HOJE?”
Isso parecia o tipo de coincidência que só acontecia em comédias românticas ruins ou em armadilhas elaboradas de assassinos em série. Mas, neste ponto, ele estava disposto a arriscar.
“Sério?” — respondeu com os dedos tremendo — “Isso é incrível! Na verdade, tenho uma festa hoje à noite. Quer ir comigo? Seria perfeito para nos conhecermos!”
Ele enviou a mensagem e imediatamente jogou o celular longe, como se o aparelho pudesse explodir a qualquer momento. Tinha acabado de convidar Snowbear para a festa.
Uma garota, que poderia ser qualquer pessoa. Alguém que poderia estar mentindo sobre estar na cidade. Ela, que poderia ser um homem de 50 anos chamado Sr. Stuart que tinha quinze gatos, dois ventríloquos imaginários e um canal no YouTube sobre fungos. Mas, a esta altura, ele já não tinha muito a perder.
O celular vibrou novamente. Val Ferri:
“Tenho uma nova para você: Dawana, do 1º ano. Ela não conhece você, o que é uma vantagem, e está desesperada para ir à festa porque o crush dela estará lá. Ela só precisa de alguém para entrar e depois vocês seguem caminhos separados. Interessado?”
Isso soava tal qual uma escolha sensata, pensou Quintus. Sem compromisso, sem expectativas, sem potencial para humilhação extrema. Ele estava prestes a responder quando uma nova mensagem de Snowbear chegou:
“Oi, eu adoraria ir com você! Sempre quis conhecer seus amigos, especialmente essa tal de Mirela que vive aparecendo nas suas histórias. Meus pais vão passar na sua casa às 19h, então me manda a localização direitinho, tá? Ah, e sobre o que eu vou vestir… hmm… melhor deixar como surpresa!”
Quintus sentiu o coração acelerar. Isso estava realmente acontecendo. Ele ia encontrar a sua amiga virtual. Ele tinha um par para a festa. Era tal qual se o universo, por um capricho raro, tivesse resolvido ajudá-lo pela primeira vez.
Claro, havia um milhão de coisas que poderiam dar errado. Snowbear poderia não aparecer. Ela poderia ser completamente diferente do que ele imaginava. Ela poderia odiar a festa e culpá-lo por tê-la convidado. Ou pior, ela poderia achar que era um encontro romântico quando, na verdade, ele só precisava desesperadamente de alguém para entrar na festa.
Mas, neste momento, Quintus estava disposto a correr o risco. Ele respondeu para Snowbear confirmando o encontro, e depois mandou uma mensagem para Val Ferri:
“Valeu pela ajuda, mas acho que consegui uma acompanhante. Te devo uma!”
Val Ferri respondeu quase instantaneamente:
“Você conseguiu alguém? Sozinho? Sem minha ajuda? Quem é você e o que fez com o verdadeiro Quintus? Mas sério, se não der certo, a oferta da minha prima ainda está de pé. Ela até comprou um novo depilador facial para a ocasião.”
O jovem Maximus sorriu e colocou o celular de lado. Ele tinha cerca de dez horas até o encontro com Snowbear. Dez horas para se preparar mentalmente, fisicamente e emocionalmente para conhecer a pessoa que talvez o conhecesse melhor do que qualquer outra.
Ou talvez estivesse prestes a cometer o maior erro da sua vida.
Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu uma sensação estranha crescendo dentro dele. Algo parecido com… esperança? Ou talvez fosse apenas ansiedade extrema misturada com o café forte que acabara de tomar. De qualquer forma, havia um sentimento novo ali, e ele decidiu abraçá-lo.
“Quem sabe!?” — pensou enquanto olhava para o convite da festa — “talvez eu realmente consiga fazer algo diferente desta vez.”
O que ele não sabia era que ‘diferente’ nem sempre significa ‘melhor’. Às vezes, significa apenas: ‘um novo tipo de catástrofe que você ainda não experimentou’. E a festa da Illusia certamente prometia ser uma experiência inesquecível.
Quintus ajeitou o blazer ridículo mais uma vez no espelho, tentando se convencer de que não parecia um agente funerário adolescente, e suspirou profundamente.
“Se meu outro eu consegue uma namorada em 24 horas” — repetiu para si mesmo — “então eu posso pelo menos sobreviver a uma festa sem causar um desastre nacional.”
Mas, lá no fundo, ele sabia que a probabilidade de algo dar catastroficamente errado aproximava-se perigosamente dos 100%. E o pior? Ele estava estranhamente animado para descobrir exatamente qual seria a catástrofe desta vez.
Afinal, o que poderia dar errado ao encontrar uma estranha da internet, levá-la a uma festa cheia de pessoas que provavelmente o viram em seus momentos mais humilhantes, tudo enquanto tentava evitar um ‘episódio’ de amnésia que poderia fazê-lo acordar casado com a professora de inglês?
Absolutamente nada. Ou absolutamente tudo. Mas por via das dúvidas, melhor ter um plano D.
Na mesma hora sentiu uma descarga tão gelada na espinha que parecia que a Morte tinha feito carinho nele só de sacanagem e sussurrado: ‘você está completamente ferrado.’.
Era uma ideia que só surgia quando o desespero atingia o nível: ‘dormir com meia molhada e acordar com a boca grudada no travesseiro’. Era o seu backup do backup do backup. Seu último cartão da bizarrice suprema.
Quintus olhou lentamente para o fundo do armário, onde uma sombra volumosa parecia pulsar feito um coração peludo. Ali, escondido atrás de camisetas que nunca serviram e calças que nunca ficaram boas, repousava O Urso.
Um boneco gigante, absurdamente peludo, comprado num leilão de fantasias do colégio por cinco reais e uma barra de chocolate. Uma criatura com um sorriso costurado permanentemente no rosto, um olho de botão perpetuamente solto e um cheiro que combinava naftalina com desespero adolescente.
Ele havia tirado aquele boneco gigante de urso matemático do armário apenas uma vez, para ‘animar’ a feira de matemática do colégio. O resultado? Três crianças em prantos, uma professora desmaiada e uma foto no jornal da escola com a legenda ‘Urso Matemático ou Pesadelo Ambulante?’.
Desde então, o mascote monstruoso de pelúcia, dobrado de forma grotesca do mesmo jeito que um trauma adormecido, repousava no fundo do armário, à espera do dia em que a insanidade coletiva clamasse novamente por sua presença perturbadora.
“Se Snowbear não aparecer.” — pensou Quintus, abrindo completamente a porta do armário e encarando o grande boneco — “eu posso literalmente levar o urso como meu acompanhante. Ninguém precisa saber que tem uma pessoa lá dentro…”
Na sua mente, já se formava a imagem dele chegando à festa com um urso gigante de pelúcia de 1,80m ao seu lado, apresentando-o como ‘Sr. Bearington, meu primo do Canadá que não fala português’. De alguma forma, na lógica distorcida do desespero, isso parecia uma ideia menos vergonhosa do que aparecer sozinho.
“Se for pra passar vergonha, que seja tão épica que entre para o livro dos recordes.” — pensou Quintus, lançando ao armário um olhar reverente para o armário onde seu outro possível par jazia a semelhança de um guerreiro adormecido, aguardando sua missão final.
“Quem sabe? Talvez Snowbear realmente goste de ursos.” — murmurou para si mesmo, enquanto fechava a porta do armário sentindo um calafrio que parecia vindo direto de um zoológico amaldiçoado — “Afinal, não é como se o nome dela fosse uma pista ou algo assim…”
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