Índice de Capítulo

    A manhã chegou sem pedir licença, arrastando consigo a agitação da cidade que despertava para mais um dia. Do lado de fora, o burburinho da cidade e o ranger de carroças se misturavam ao som do vento, que deslizava pelas vielas e encontrava caminho pelas construções. Ainda era cedo, mas o mundo já se movia e eu precisava me mover com ele. 

     Assim que saí de casa, o ar fresco encheu meus pulmões, mas esse alívio durou pouco. Minha mente já estava tomada pela única coisa que realmente importava agora: onde estavam minhas moedas? Não podia perder mais tempo. Se quisesse ter alguma chance de encontrá-las, precisava refazer meus passos o quanto antes. Sem hesitar, segui de volta em direção à praça do mercado, onde havia passado a maior parte do dia anterior. 

     A cada passo minhas botas de couro ressoavam contra algumas pedras irregulares no caminho, marcando um ritmo apressado em meio à confusão matinal da cidade. As ruas estreitas, ladeadas por edifícios de madeira e pedra, pareciam as mesmas de sempre, mas algo nelas me parecia diferente. Talvez fosse apenas a preocupação nublando minha visão. Ou talvez fosse a sensação incômoda de que a cidade escondia algo de mim, como se zombasse da minha pressa, do meu desespero disfarçado. 

     Ao dobrar a primeira esquina, meus olhos recaíram sobre a escola local, um edifício de pedra com janelas amplas e um telhado elegante. O som ritmado de crianças recitando em uníssono pairava no ar, misturando-se ao canto dos pássaros. Instintivamente, parei por um momento, deixando meu olhar se perder através das janelas abertas. 

     Lá dentro, os alunos estavam sentados em longas mesas de madeira, atentos às lições de uma professora, que se movia pela sala com gestos enfáticos. A cena trouxe à tona lembranças vívidas de dias inteiros passados dentro daquelas paredes, onde aprendi a ler e escrever, a decifrar mapas e a compreender os fundamentos das cores e sua magia. Um tempo em que eu acreditava que o conhecimento abriria portas, que o futuro era uma promessa grandiosa. 

    — Mal posso acreditar que desperdicei meu tempo acreditando nisso. 

     A escola, que antes era um símbolo de descobertas e sonhos, agora parecia apenas um lembrete cruel de como seus sonhos podem te destruir. Mas, apesar da amargura, não posso negar que sinto falta daquela época, de quando minhas preocupações eram pequenas, e o mundo ainda parecia um conto de fadas esperando para ser vivido. Mas pelo visto finais felizes só existem em contos de fadas. 

     Não sei porque, mas estar aqui me fez lembrar de uma certa tarde em que eu e meus amigos, Daniel e Alice, decidimos explorar os andares superiores da escola, onde apenas os professores podiam entrar. Daniel jurava que  havia um cômodo secreto cheio de livros proibidos, e, por mais absurda que fosse a ideia, nós o seguimos. 

     Nos esgueiramos até uma sala entreaberta, mas antes que pudéssemos sair, passos soaram no corredor. Num impulso, nós nos jogamos atrás de uma cortina pesada, prendendo a respiração. Tudo teria dado certo, se eu não tivesse sentido algo subir pela minha perna. Um inseto? Um fio solto? Meu reflexo foi me sacudir, e no processo esbarrei em Daniel, que puxou Alice junto. O resultado? Nós três caímos no chão, bem na frente do professor de história das cores. 

    O castigo foi limpar a biblioteca por uma semana, mas eu não trocaria aquele dia por nada… 

     Sacudindo as lembranças para longe, voltei a caminhar, desviando agilmente de uma carroça carregada de barris. O cocheiro gritava ordens para que os transeuntes se afastassem, impaciente com o fluxo constante de pessoas que lotavam as ruas. 

     Lembrei-me de quando essa via fervilhava com vendedores ambulantes, cada um apregoando seus produtos com vozes animadas. Havia de tudo: frutas frescas e suculentas, joias cintilantes, tecidos luxuosos e até poções de efeitos duvidosos. Se soubesse procurar, sempre encontraria algo valioso. Mas esse tempo ficou para trás. Um decreto real foi criado exigindo licenças para qualquer forma de comércio, os ambulantes foram expulsos, levando consigo o caos vibrante que fazia essa rua tão única. 

     Coincidentemente, essa mesma rua levava à praça do mercado, onde a agitação nunca cessava. O ar estava impregnado com uma mistura intensa de aromas: o doce perfume de pães recém-assados, o cheiro picante de especiarias exóticas trazidas de terras distantes e, inevitavelmente, o odor menos agradável do lixo e do esgoto que se acumulava em algum beco próximo. 

     Cada banca, cada rosto, me trazia uma lembrança. Eu havia passado incontáveis horas aqui, ajudando comerciantes, carregando mercadorias, ouvindo histórias de viajantes que vinham de longe. O mercado era uma escola própria, um lugar onde se aprendia mais do que simples números e pesos: era onde se entendia o valor da troca, da observação e, principalmente, da oportunidade. Trabalhar aqui me trouxe experiências valiosas. Talvez, um dia, elas me sirvam novamente. 

     Enquanto observava um colar de prata com uma bela jóia vermelha incrustada, meus pensamentos se perderam por um instante. O brilho da pedra me hipnotizava, uma joia vermelha como sangue refletindo a luz do sol como se carregasse um segredo dentro de si. Mas minha contemplação foi interrompida por uma voz familiar. 

    — Bom dia, Ashley! O que faz aqui tão cedo? Se me lembro bem, hoje é seu dia de folga. 

     Virei-me e encontrei minha tia Sienna, que me olhava com sua expressão calorosa de sempre. A tia Sienna era dona de uma padaria que fica próximo às bancas do mercado, padaria essa que é carinhosamente apelidada de Farinha e Fornalha, a qualidade dos seus pães e doces era indiscutível. 

    — Bom dia, tia Sienna! — Forcei um sorriso, tentando não demonstrar minha frustração. — Perdi minha bolsa de moedas. Acho que poderia ter deixado cair em algum lugar ontem. 

    — Ah, entendo, querida. — Seu tom era sereno, mas carregava aquela intuição afiada de sempre. — Mas já sabe o que dizem, o que foi perdido pode ser recuperado de outras maneiras. Por que não aproveita e me ajuda com uma entrega? 

    Suspirei discretamente. Era incrível como ela sempre sabia quando me dar algum trabalho. 

    — Como sempre, a senhora sabe ser bastante convincente, não é mesmo? 

    — Oferta e demanda, querida. — brincou ela, cruzando os braços. — Eu preciso que uma encomenda de pães seja entregue e você precisa de algumas moedas. E, veja bem, estou disposta a pagar um bônus. 

    Enquanto entrava na padaria, o cheiro dos pães recém- assados me envolveu, trazendo consigo um calor familiar. 

    — Esses pães… são de maçã? — Meus olhos brilharam por um instante. — Os meus favoritos! 

    — Seu olfato continua afiado, docinho! — Ela riu, satisfeita. — Mas me diga, como conseguiu perder suas moedas? 

    — Não faço ideia. — Apertei os lábios, frustrada. — Vasculhei meu quarto completamente e não encontrei nem sinal delas. 

    — Tem certeza de que não as perdeu durante a última entrega? 

    — Não… Eu lembro de entrar em casa com elas. Mas estava tão cansada que fui direto para a cama. Achei que as havia guardado no lugar de sempre, mas quando acordei, não estavam lá. 

    — Que pena, querida. Gostaria de ajudar, mas tenho que cuidar dos negócios. E, por falar em negócios, hoje você tem uma entrega especial. 

    Franzi o cenho. 

    — Especial? O que faz essa ser diferente das que faço todos os dias? 

    — Calma, esquentadinha, eu explico. — Ela ergueu as mãos em um gesto paciente, escolhendo as palavras com cuidado. — Uma mulher misteriosa apareceu bem cedo na padaria, perguntando por pães de maçã. Disse que procurou por toda parte e ninguém os fazia. 

    — Estranho… — Cruzei os braços, desconfiada. — Não costumamos receber muita gente de fora antes do período de colheita. E quem sai de madrugada à procura de pães? 

    — Pois é. Disse a ela que os pães ainda estavam no forno e que estariam prontos em breve. Ela apenas pensou por um momento e me pediu que enviasse a encomenda até a estalagem Pinho Dourado. O pagamento seria generoso. 

    Aquela última parte chamou minha atenção. 

    — E ela não pagou adiantado? — Ergui uma sobrancelha. 

    — Como a senhora pode ter tanta certeza de que vai receber? 

    — Não sei o motivo, mas senti que podia confiar nela. — O olhar de Sienna se perdeu por um instante. — E, além disso, ela não parecia uma pessoa qualquer. Você entenderá quando a vir. 

    Minha curiosidade crescia a cada detalhe. 

    — Certo… e para quem devo entregar os pães? 

    — Ela disse que se chama Selene. Bonito nome, não acha? 

    — Selene… — Murmurei o nome, deixando-o ressoar na mente. — Quem será essa mulher? 

     Peguei a bolsa com os pães ainda quentes e me preparei para sair, mas percebi que Sienna me observava com 

    um olhar pensativo. Eu sabia o que vinha a seguir e tentei evitá-la, mas não adiantou. 

    — Ashley… — Sua voz saiu mais suave dessa vez. 

    — Precisa de mais alguma coisa? — Perguntei, fingindo desinteresse. 

    Ela hesitou, mas depois soltou um suspiro antes de continuar. 

    — Como estão as coisas sem a Esther? Você sabe que pode vir morar comigo a qualquer momento. 

    Meu peito apertou. 

    — Não precisa se preocupar, tia. Estou bem. — O sorriso que dei foi automático, mas frágil, e percebi que ela não se deixou enganar. 

    — Eu sei o quanto sua avó significava para você. Ficar sozinha naquela casa só vai te trazer mais sofrimento. 

    Meu olhar vacilou, mas mantive minha postura. 

    — Como eu disse, não precisa se preocupar… — Respirei fundo. — Não vou ficar nessa cidade por muito tempo, de qualquer forma. 

    Ela franziu o cenho, surpresa. 

    — O que isso quer dizer, Ashley? Não me diga que está pensando em sair sozinha! Você sabe dos perigos lá fora! 

    Suspirei, sentindo um peso invisível me esmagar contra o chão. 

    — Infelizmente, também conheço os perigos dentro dessas muralhas. 

     Aquelas palavras ficaram suspensas no ar entre nós. Por um instante, a expressão dela mudou para algo que parecia uma mistura de tristeza e compreensão. 

    — Mas, Ashley, você ainda é jovem. Precisa corescer antes de pensar em ser independente. 

    Engoli em seco, sentindo algo azedo na garganta. 

    — E se eu nunca corescer? — Minha voz saiu mais baixa, mas carregada de algo que nem eu sabia definir. — Quer dizer que devo ficar aqui para sempre? Acorrentada ao meu destino, vivendo sob o medo constante de que a próxima desbotada encontrada em uma viela sem vida seja eu? 

    Ela arregalou os olhos, como se eu tivesse dito algo que ela preferia não encarar. 

    — Ashley… 

     Ela queria acreditar que minha cor ainda surgiria. Que tudo ficaria bem. Mas aqui estava eu, com o meu cabelo tão escuro quanto uma noite sem luar. 

    O suspiro que ela soltou foi carregado de resignação. 

    — Não quis te chatear, querida… Só penso no seu bem. 

    — Eu sei. — Minha voz foi suave, mas firme. — Mas também quero acreditar que estou fazendo isso pelo meu próprio bem. E eu estou decidida a partir. 

     Peguei os pães antes que esfriasse e me virei para sair, mas antes que pudesse dar o primeiro passo, senti sua mão quente segurar a minha. 

    — Ashley… — Seu tom agora era um sussurro, como um último apelo. 

    Olhei para ela e vi algo em seu olhar que me fez hesitar. 

    — Você sempre foi uma garota esperta. Eu sei que o caminho que escolher será o certo para você. Mas, por favor… tome cuidado. Que a Deusa Seraphina ilumine seu caminho. — Sua expressão carregava um misto entre preocupação e confiança. — Quando retornar da entrega vamos comer alguns pães quentinhos, tudo bem? 

     Assenti com a cabeça, tentando ignorar o nó no peito, sai da padaria, sentindo o calor reconfortante do ambiente se dissipar assim que pisei na rua movimentada. O mercado estava em plena atividade, um mar de pessoas indo e  vindo, cada uma carregando sacolas cheias, negociando a plenos pulmões ou apenas aproveitando a manhã ensolarada. Desviei com destreza entre os transeuntes, acostumada a me mover em meio à multidão sem ser arrastada por ela. 

     Mantive os olhos atentos, varrendo o chão e os arredores em busca de qualquer vestígio das moedas perdidas. No entanto, a esperança de encontrá-las parecia diminuir a cada passo. Talvez estivesse apenas me iludindo, agarrando-me a uma possibilidade que, no fundo, eu já sabia ser improvável. 

     Enquanto me dirigia para a estalagem, algo me chamou a atenção. Um pequeno grupo de pessoas com mantos longos e encapuzados estava reunido próximo ao mercado. Seus rostos estavam ocultos pelas sombras dos capuzes, e sua postura reservada tornava difícil discernir suas intenções. 

    — Eu nunca vi alguém com essa vestimenta por aqui antes… — murmurei para mim mesma, franzindo a testa. 

    — Realmente estamos recebendo mais visitantes do que o normal ultimamente. 

     Mas, deixando isso de lado, decidi parar de encará-los para evitar possíveis problemas e continuei o percurso, apertando o passo. Melhor garantir que esses pães cheguem ainda quentes. 

     Foi só quando meus pés pararam por conta própria que percebi onde havia chegado. Diante de mim erguia-se um prédio antigo, mas impecavelmente bem cuidado. As janelas brilhavam sob a luz do sol, e um perfume adocicado pairava no ar, misturando-se ao aroma de madeira polida. 

    — E aqui estou… Estalagem Pinho Dourado. — Murmurei para mim mesma, soltando um leve suspiro. 

     Empurrei a porta e fui recebida por um ambiente elegante e acolhedor. Mesas cobertas com tecidos finos em tons de azul estavam dispostas harmoniosamente pelo salão, acompanhadas de cadeiras estofadas que pareciam convidar os hóspedes a se acomodarem sem pressa. A iluminação suave, vinda de lustres bem posicionados e alguns castiçais, conferia um brilho dourado ao local, reforçando sua atmosfera convidativa. Definitivamente, este não era um lugar barato. 

     Caminhei até o balcão de atendimento, onde um homem organizava meticulosamente algumas garrafas de bebida. Seu olhar atento avaliava os rótulos antes de ajeita-las no lugar certo, demonstrando um cuidado quase cerimonial. 

    Ajeitei a bolsa de pães em meus braços, respirei fundo e me preparei para fazer a entrega. 

    — Bom dia, senhor. Estou com uma encomenda para uma hóspede daqui. 

     O homem atrás do balcão interrompeu sua organização, virou-se para mim. Seu olhar avaliador percorreu-me de cima a baixo, e a expressão receptiva que ele inicialmente carregava rapidamente se transformou em desdém. 

    — Ah, e o que uma garota como você veio fazer aqui? — perguntou, o tom carregado de desinteresse. 

    Respirei fundo, já sentindo a irritação crescer. 

    — Como eu disse, estou com uma encomenda para uma de suas hóspedes. 

    Ele arqueou uma sobrancelha. 

    — É mesmo? E quem seria? 

    — O nome dela é Selene. 

    A mudança na expressão do homem foi imediata. Seu olhar endureceu, e sua postura ficou rígida. 

    — Selene? Não temos ninguém com esse nome hospedado aqui. Agora, pode ir se retirando. 

     Aquilo não fazia sentido. A tia Sienna jamais cometeria um erro tão bobo, ou ele apenas quer me ver fora daqui o mais rápido possível? Antes que eu pudesse argumentar, uma voz melodiosa ecoou do andar de cima. 

    — Esse cheiro maravilhoso de pães de maçã… são os meus? 

     O atendente empalideceu, e sua postura arrogante desmoronou em um instante. Fiquei observando, confusa, enquanto ele se ajeitava e adotava um ar muito mais respeitoso. Foi então que uma figura surgiu no topo da escada. Ela descia com passos calmos e controlados, o tecido do seu manto era longo e cintilava suavemente a cada movimento. Quando se aproximou o suficiente, notei que sob o capuz vermelho vibrante, sua pele pálida contrastava levemente. 

     Com um gesto fluido, ela abaixou o capuz, revelando longos cabelos carmesim que deslizavam como seda por seus ombros. Mas foram seus olhos que realmente chamaram minha atenção. Vermelhos como brasas vivas, com um brilho ardente que parecia ser capaz de incinerar tudo que vê. 

    — Garotinha, esses pães são para mim? — perguntou ela, com um sorriso. 

    — Você seria… a senhorita Selene? 

    — É uma das formas que se referem a mim, sim. 

     Dei um passo hesitante à frente para entregar a encomenda, mas algo chamou minha atenção. Um brilho forte capturou meu olhar, forçando-me a piscar algumas vezes até localizar sua origem. 

     Preso no manto dela, um broche dourado ostentava um brasão detalhado: três dragões entrelaçados em um  desenho minucioso, cada linha esculpida à perfeição. Meu coração acelerou. Eu conhecia aquele símbolo. 

    “Esse é… o brasão de uma das casas da alta nobreza do Reino do Fogo.” 

    O que alguém da alta nobreza estaria fazendo aqui, em uma cidade insignificante como Rivendrias? 

    — Ei, poderia entregar meus pães? Estou morrendo de fome! — A voz de Selene me trouxe de volta à realidade. 

    — Ah, sim! Me perdoe! Eu me distraí por um instante. — Tentei ser o mais cordial que pude. 

     Aproximei-me e estendi a sacola de pães. No entanto, antes que eu pudesse dar meia-volta e sair, Selene fez um gesto sutil com a mão, indicando que eu esperasse. 

    — Calma, mocinha. Não vá embora antes de receber seu pagamento. 

    — Como pude esquecer algo tão importante? — murmurei. — Acho que estou mais cansada do que imaginei… 

    Selene colocou a mão no bolso e puxou uma única peça de metal, depositando-a na minha palma aberta. 

     O peso me surpreendeu. Era muito mais pesada do que qualquer moeda que eu já segurei, quase como uma maçã inteira. Mas o que realmente me deixou sem palavras foi seu brilho carmesim intenso, refletindo a luz ambiente de maneira hipnotizante. 

    “Não pode ser… isso é ouro vermelho?!” 

     Minha respiração vacilou. O ouro vermelho valia dezenas de vezes mais do que o ouro comum. Diziam até que com uma única moeda como essa, uma pessoa poderia viver confortavelmente por um ano inteiro, sem jamais precisar se preocupar com a falta de comida na mesa. Além disso, era consideravelmente mais denso do que o ouro normal, o que explicava seu peso incomum em minha mão. 

     Levantei o olhar, incrédula, apenas para encontrar Selene me observando com um sorriso astuto. Seu olhar demonstrava que ela claramente se divertia com minha reação. 

    — Esta moeda é o suficiente pelos pães? — perguntou, com uma falsa inocência. 

    Quase engasguei com a resposta. 

    — Como consegue me perguntar uma coisa dessas?! Uma moeda de ouro vermelho por alguns pães de maçã? Isso é muito mais do que eles valem! 

    Ela soltou um riso abafado, cobrindo a boca com uma das mãos. O que confirmava a minha suspeita. 

    — Ah, não se preocupe com isso. Há algo que preciso confirmar com essa moeda. 

     Observei-a por um momento, ainda tentando processar tudo aquilo. Ou Selene era absurdamente rica e generosa ou… havia algo mais por trás dessa história. 

     De qualquer forma, uma coisa era certa: a “cliente especial” que tia Sienna mencionou era alguém muito, muito importante. 

     Guardei a moeda em minhas mãos com cuidado, sentindo seu peso incomum. Com isso, eu poderia viver confortavelmente por um ano inteiro…, mas por que alguém pagaria tanto por algo tão simples? 

     Levantei o olhar para Selene, ainda sem entender suas intenções. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela inclinou a cabeça levemente, me observando com um brilho curioso nos olhos. 

    — Você parece surpresa. 

    — Claro que estou — respondi, segurando a moeda entre os dedos. — Isso vale mais do que qualquer coisa que eu já tenha segurado na vida. 

    Ela riu baixinho, apoiando o queixo sobre uma das mãos. 

    — Então me diga, o que você pretende fazer com essa moeda? 

     A pergunta me pegou desprevenida. Eu sabia exatamente o que queria… sair dessa cidade, mas por que ela se interessaria nisso? Além do mais, não posso ficar com ela de qualquer forma. 

     Encarei Selene, percebendo que havia muito mais por trás de sua atitude descontraída. Ela não parecia apenas uma cliente generosa… parecia alguém que estava de fato testando algo. Ou alguém. 

     E, de repente, um frio percorreu minha espinha. Senti, com uma clareza desconcertante, que esse encontro mudaria meu destino para sempre. 

    Fim do capítulo 2 – Refazendo os passos.

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