Índice de Capítulo

    A criatura voava acima de nós, ziguezagueando pelo ar como se estivesse zombando daqueles presos ao chão. Olhei ao redor e percebi que outros grupos de aventureiros já se organizavam, imitando a estratégia que tínhamos usado para capturar a criatura terrestre. Quando a criatura veloz aparecesse novamente, estariam prontos.

    Troquei olhares com os outros. Hernán sugeriu tentarmos cercá-la de novo, mas, apesar de algumas boas tentativas, não conseguimos nem chegar perto. A criatura era rápida e imprevisível, escapava como fumaça entre os dedos. Respirei fundo, sentindo uma pontada de frustração.

    — Sozinhos não vamos conseguir pegar essa desgraçada… — murmurei.

    Sophia sorriu de canto e, com um brilho no olhar, respondeu:

    — Realmente, sozinhos seria difícil…, mas quem disse que precisamos fazer isso sozinhos?

    Sem perder tempo, Hernán entendeu o que ela queria dizer. Seguiu até um grupo que lançava cordas no ar, tentando capturar a criatura, e perguntou se aceitariam unir forças. Para minha surpresa… e alívio, eles aceitaram de imediato. Pouco depois, mais tentativas frustradas se seguiram, mas agora estávamos mais próximos. Em algumas investidas quase conseguimos capturá-la, e isso chamou a atenção de mais aventureiros que antes apenas esperavam de braços cruzados. Um a um, começaram a se aproximar, animados com a possibilidade de acabar logo com aquela provação.

    Com mais gente, finalmente conseguimos montar uma verdadeira estratégia. Pegamos cordas e trançamos uma rede improvisada, enquanto Hernán usava sua magia para fazer crescer uma pequena árvore robusta no centro de um dos corredores. Subimos na árvore, nos posicionando de forma que cada pessoa cobria uma direção possível de fuga. Sophia organizava outros aventureiros no chão, preparando magias para guiar a criatura para a armadilha.

    A tensão aumentava enquanto esperávamos. Finalmente, com um zunido irritante, a criatura surgiu voando baixo, como se provocasse novamente. O sinal foi dado. Sophia e alguns outros lançaram suas magias, forçando a criatura a voar em direção à árvore. Segui com os olhos cada movimento dela, meu coração acelerado.

    Quando a criatura passou pela área planejada, alguém gritou:

    — JOGUEM!

    A rede voou das nossas mãos, um arco de esperança no ar. Mas no último segundo… a criatura desviou com uma agilidade absurda, escapando da armadilha. Um suspiro coletivo de frustração ecoou.

    Foi aí que ouvi a voz confiante da Sophia:

    — Eu imaginei que você faria isso.

    De um canto estratégico, ela disparou uma flecha que, à primeira vista, parecia ter errado feio: subindo bem acima da criatura. Franzi a testa, sem entender. Mas quando a flecha atingiu o ponto certo, ela brilhou e, num estalo de energia, se desfez em centenas de pequenas flechas elétricas que caíram como uma rede luminosa.

    A criatura tentou mergulhar para escapar, mas Cratos, atento, bateu seu machado no chão.

    — Não podemos desperdiçar essa chance!

    Chamas explodiram sob a criatura, obrigando-a a mudar novamente de trajetória. Sem saída, ela subiu… direto para dentro da rede elétrica. Um clarão iluminou o cenário quando ela foi atingida, e em seguida a criatura despencou, caída ao chão, paralisada.

    Por um instante, o mundo pareceu parar. Então, como uma onda, todos ao redor explodiram em comemoração. Risadas, gritos de vitória, aplausos… até mesmo alguns que estavam mais longe se aproximaram para ver de perto.

    Sophia desceu do seu posto, se juntando a nós. Deu uma batidinha amigável no ombro de Cratos e, sorrindo satisfeita, disse:

    — É isso que eu chamo de trabalho em equipe.

    Sorri também, sentindo o peito aquecido. Talvez, só talvez, estivéssemos começando a entender como sobreviver naquela torre traiçoeira.

    Quando a criatura voadora caiu no chão, derrotada, todos nos reunimos ao redor. Seu corpo começou a brilhar intensamente, mudando de forma enquanto se transformava em pura energia e voava em direção à chave. Em minhas mãos, senti a chave vibrar levemente. Ela girou algumas vezes no ar, envolta por um brilho, antes de se moldar e tomar uma forma mais sólida. Uma onda de alívio percorreu meu peito; parecia que a chave finalmente estava completa.

    Gritos de comemoração ecoaram pelo salão. Depois de tanto esforço, vencemos o segundo desafio da torre. Com a empolgação ainda correndo pelas veias, seguimos para a imponente porta que nos levaria ao próximo andar. Quando paramos diante dela, Sophia se virou para mim com um sorriso orgulhoso e disse:

    — Ashley, acho que você deveria fazer as honras. Sem o seu plano, não teríamos capturado as criaturas tão rápido.

    Senti o rosto esquentar com a surpresa e a honra do momento. Segurei a chave com firmeza, me aproximei da porta e a encaixei na fechadura. Girei… e nada aconteceu. Franzi o cenho, tentando novamente, mas a porta continuou imóvel.

    — Tem… tem algo errado — murmurei, olhando para trás, confusa.

    — Deixa eu tentar — disse Cratos, se aproximando. Pegou a chave com cuidado e repetiu o movimento, mas o resultado foi o mesmo. A porta não cedia.

    Reunimos o grupo e começamos a examinar a chave mais atentamente. Foi aí que percebemos: ainda havia uma parte dela que parecia incompleta, como se faltasse um último fragmento.

    — Mas o que isso significa? — murmurou um dos aventureiros, olhando ao redor.

    Começamos a varrer o andar com os olhos, mas não havia mais criaturas à vista. Nenhum sinal de uma nova presença.

    — Como a chave será finalizada se não tem mais nenhuma criatura aqui? — questionou alguém do grupo, ecoando a dúvida que todos sentíamos.

    — É… e como vamos pegar algo que nem podemos ver? — retrucou outro, cruzando os braços com uma expressão frustrada.

    Essas palavras ficaram martelando na minha cabeça. Algo que não podemos ver… Algo que não podemos ver…

    — Espera — falei, reunindo as peças na minha mente. — Todas as criaturas tinham um padrão: a primeira fugia no solo, a segunda no ar… Se houver uma terceira… ela pode estar fugindo do nosso campo de visão.

    Sophia, com um brilho de entendimento nos olhos, completou:

    — Ou seja… ela pode estar se escondendo.

    A ideia se espalhou entre todos como um estalo de eletricidade. Sem perder tempo, nos dividimos, abaixando, vasculhando, inspecionando cada canto, cada sombra, cada pedra daquele enorme andar. Passei a ponta dos dedos pelas paredes, pelos obstáculos quebrados e até sob alguns escombros, tentando encontrar qualquer sinal da última criatura.

    O tempo foi passando. As buscas ficaram mais desesperadas. Até que, um a um, alguns aventureiros começaram a se reunir novamente no centro do andar, frustrados.

    — Procuramos em todo lugar e não encontramos nada — lamentou um deles, largando-se sentado no chão.

    Mordi a ponta do polegar, meu olhar percorrendo o andar silencioso e cheio de sombras. Alguma coisa ainda estava ali. Eu sentia. E, de alguma forma, precisava encontrar um jeito de revelá-la.

    Enquanto os outros se lamentavam e voltavam para o centro, a pergunta martelava na minha mente: como enxergar algo que não pode ser visto? Cruzei os braços, tentando pensar com calma. Se fosse a Selene… o que ela faria?

    Minhas lembranças me levaram de volta ao dia em que a conheci. Lembrei da sensação estranha, de ter visto sua aura, um brilho escondido que escapava do corpo dela como um sopro de luz. Talvez… talvez eu pudesse fazer isso de novo.

    Fechei os olhos e respirei fundo. Ouvi Hernán se aproximar, sua voz preocupada:

    — O que você está fazendo?

    Sem abrir os olhos, respondi:

    — Estou tentando algo, mas preciso de um pouco de silêncio… por favor.

    Ele respeitou o pedido. O mundo ao meu redor pareceu silenciar. Me concentrei, forçando a mente a deslizar para aquele estado estranho de percepção que alcancei uma vez sem nem entender bem como. No começo foi difícil; sons, movimentos, emoções ameaçavam me desconcentrar, mas então, como uma vela acesa na escuridão, comecei a ver. Linhas de energia fluindo ao redor das pessoas, como pequenas chamas invisíveis.

    Quando abri os olhos, as auras cintilavam suavemente ao redor dos aventureiros. Eles me olhavam, curiosos, mas se continham em me interromper.

    Varri o salão lentamente, olhos atentos, buscando algo diferente, algo fora do padrão… até que vi. Uma pequena aura, fraca e trêmula, movendo-se lentamente, quase rastejando, perto de umas pedras no canto. Sem perder o foco, caminhei com cuidado até ela. Quando estendi a mão, senti uma leve resistência no ar, como tocar o véu de um sonho.

    Minhas mãos envolveram a criatura invisível, e imediatamente um brilho irradiou da minha palma. O salão inteiro prendeu a respiração. Os aventureiros que ainda estavam sentados se levantaram de súbito, com olhos arregalados.

    — Como você encontrou ela?! — alguém perguntou, quebrando o silêncio.

    — Eu… — respirei fundo, ainda sentindo a vibração da criatura na mão — Eu consegui ver a aura dentro dela.

    Eles se entreolharam, confusos.

    — Aura de dentro? Como assim? — Hernán perguntou, franzindo o cenho.

    — Eu também não sei explicar direito — admiti, sentindo uma pontada de vergonha.

    — Apesar de não ter corescido, essa garota tem uns truques interessantes — comentou outro aventureiro, arrancando algumas risadas.

    O brilho da criatura se fundiu à chave, que enfim se completou em minha mão. Sem hesitar, caminhei até a porta, encaixei a chave e a girei. Com um estalo, a pesada porta começou a se abrir lentamente, revelando o caminho para o próximo andar.

    Todos nos aproximamos, prontos para atravessar, mas uma voz chamou:

    — Esperem! — um aventureiro levantou a mão. — Se for que nem no andar anterior, apenas o grupo que completou o desafio pode passar.

    Nos entreolhamos. Era verdade… e isso poderia dificultar as coisas, mas antes que pudéssemos dizer algo, os outros aventureiros começaram a aplaudir. Um por um, entre sorrisos e brincadeiras, diziam:

    — Vão em frente, vocês merecem. Foi divertido lutar ao lado de vocês. Boa sorte no próximo andar!

    Eu sorri, mas lá no fundo, algo doía. Não parecia justo. Lembrei das palavras de Cratos, o eco de sua voz firme: “Só quem conquista os andares tem o direito de descer a torre.” Então ergui a cabeça e, sentindo o peso do momento, declarei:

    — Se apenas quem conquista os andares tem o direito de prosseguir… então todos vocês também conquistaram esse andar. Não teríamos vencido sem a ajuda de todos. Cada um aqui merece descer a torre.

    O salão ficou em silêncio por um segundo. Então, um aventureiro riu nervosamente:

    — Eu não sei se é assim que funciona… não tô muito a fim de levar um jato d’água na cara.

    Sorri e balancei a cabeça.

    — Se a torre realmente está nos testando e nos observando… ela sabe. Ela viu. Vocês todos ajudaram. Sem vocês, não teríamos conseguido.

    Outro aventureiro, mais empolgado, disse:

    — Ah, não custa tentar… Se der ruim, a gente corre da porta!

    E assim, um a um, todos os aventureiros se aproximaram, passando pela porta com cautela, como quem desafia a própria sorte. Quando todos atravessaram, ficamos em total silêncio esperando algo acontecer, mas para a nossa surpresa a porta se fechou atrás de nós.

    O pessoal explodiu em comemoração. Gritos de alegria, palmas, risadas. Pessoas agradeciam a mim, à Sophia, ao nosso grupo. Era como se, por um instante, não fôssemos competidores, mas companheiros de jornada.

    Enquanto os ecos das comemorações enchiam o ar, olhei para minhas próprias mãos, ainda sentindo o calor da criatura que capturei. E sorri para mim mesma, pensando:

    “Às vezes, as verdadeiras chaves não abrem apenas portas… elas revelam a força que nunca soubemos que possuíamos.”

    E só talvez… talvez a verdadeira força de quem desafia a torre não esteja em vencer sozinho…, mas em aprender que, quando as peças se unem, até o impossível pode ser alcançado.

    Fim do Capítulo 29: Segundo Andar – Quando o Todo se Torna Um.

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