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    Descer aquelas escadas me trazia uma sensação estranha, como se cada passo ecoasse mais fundo dentro de mim do que nas paredes da torre. Estávamos cansados, mas havia algo diferente no ar. Era o tipo de silêncio carregado de respeito mútuo. E talvez até um pouco de esperança.

    Foi aí que ouvi a voz de um dos aventureiros mais à frente:

    — Se existe mesmo essa chance de completar os desafios em grupo… por que não seguimos todos juntos daqui pra frente?

    Parei por um instante, olhando para os rostos ao redor. Vi Cratos cruzar os braços, Hernán dar um meio sorriso e Sophia assentir devagar. E eu… eu senti que fazia sentido. Depois de tudo o que passamos no segundo andar, estávamos diferentes. O silêncio durou pouco antes de todos começarem a concordar entre si. A ideia pegou como fogo em palha seca. E assim, seguimos juntos.

    A próxima porta parecia maior do que as outras. Mais antiga também. Ela tinha marcas circulares gravadas em relevo e, quando a toquei, vibrou levemente sob meus dedos antes de se abrir com um rangido pesado. A luz que escapou por entre as frestas me cegou por um segundo. Quando meus olhos se ajustaram, todos estavam paramos na entrada.

    O terceiro andar era… diferente. Um salão imenso, sem teto visível, banhado por uma luz morna que parecia vir de todas as direções. As paredes de pedra tinham inscrições em espiral, como se contassem uma história antiga demais para que alguém soubesse ler. No centro, duas plataformas circulares se elevavam como palcos, e ao redor delas, várias estátuas de criaturas ocupavam posições que pareciam ser cuidadosamente distribuídas: dragões com olhos de cristal, felinos com chifres em espiral, raposas aladas com corpos delicados como seda esculpida.

    Naquele andar, não havia mais ninguém… apenas nós.

    Nos espalhamos instintivamente, cada um tentando entender o que seria o desafio dessa vez. Me aproximei das plataformas, e logo vi algumas linhas desenhadas no chão: conectando as estátuas como se fossem pontos de uma rede viva. Observei mais de perto e então vi algo que me chamou à atenção: pequenas esferas brilhantes flutuando no ar, cada uma com uma cor diferente.

    — Parece um enigma — murmurou Hernán, agachando-se ao meu lado.

    — É… não vai ser uma luta dessa vez. — Cratos soou quase desapontado.

    Toquei uma das linhas no chão. Fria. Firme. Mas quando encostei nela, uma das esferas brilhou brevemente, reagindo ao toque. Dei um passo pra trás. Estávamos dentro de um tipo de quebra-cabeça.

    Li uma inscrição gravada na base de uma das plataformas:

    “Somente na perfeita harmonia os filhos da torre cruzarão as eras.”

    Fechei os olhos por um momento, tentando absorver aquilo. Harmonia…

    — Talvez a gente tenha que posicionar essas esferas de acordo com as estátuas — sugeriu alguém.

    — Com esse tanto de gente, isso vai ser uma bagunça — resmungou outro.

    Foi aí que falei: talvez mais para mim do que para eles.

    — Então vamos organizar isso. Se nos dividirmos em grupos menores, cada um cuida de uma parte do padrão no chão. Talvez vamos precisar de coordenação, mas… conseguimos passar pelo segundo andar juntos. Podemos resolver isso também.

    Senti os olhares se voltarem pra mim. Uns curiosos, outros esperançosos, mas ninguém discordou.

    Cratos, Hernán, Sophia e alguns dos aventureiros mais atentos se aproximaram da plataforma comigo. O restante circulava ao redor, estudando as estátuas e os padrões. Aos poucos, íamos montando o quebra-cabeça em nossas mentes.

    Era como se cada linha no chão fosse um fio de ligação entre as criaturas esculpidas, e as esferas… talvez fossem chaves, peças que precisávamos encaixar nas combinações certas. Mas não era só isso.

    — Parece que cada criatura representa um elemento ou uma qualidade… — comentou Sophia, analisando uma raposa de três caudas que parecia brilhar suavemente. —Agilidade, talvez.

    Olhei ao redor, tentando fazer sentido daquilo. As linhas ligavam estátuas em combinações diferentes, como caminhos possíveis. E havia mais: vi pequenas marcas nas bases das estátuas: símbolos de eletricidade, fogo, terra e água, além de outros mais sutis: runas entalhadas,

    —Talvez…— comecei a falar, ainda pensando. — Talvez a gente tenha que formar pares corretos… baseados nos símbolos?

    Hernán bateu o punho na palma da mão, animado.

    — Faz sentido! E acho que as esferas são uma espécie de ativadores! Quando a combinação certa for feita, a esfera pode dar algum sinal!

    — É só temos um problema. — Sophia apontou para as runas sob as estátuas. — As runas… sem saber o que elas significam podemos ficar aqui por horas tentando combinações.

    Do meio do grupo um jovem levantou uma das mãos.

    — E… Eu acho que… acho que posso ajudar com essas runas — afirmou com a voz um pouco trémula.

    O jovem possuía cabelos amarelos, sua postura e vestes deixavam mais do que claro que ele vinha de outro reino.

    — Em resumo — disse Cratos, ajeitando a capa no ombro, — se você conseguir decifrar essas runas, podemos nos dividir em grupos menores para resolver isso o mais rápido possível.

    O jovem se aproximou das estátuas e começou a observa-las por um tempo, puxou um pedaço de papel e começou a fazer algumas anotações. Pouco tempo depois ele levantou com uma expressão confiante em seu rosto.

    — Eu entendi! — afirmou de súbito. — Essas runas devem estar relacionadas a alguma característica dos animais nas estátuas.

    — Como assim? Poderia ser mais claro? — Sophia o indagou.

    O jovem recolheu suas anotações e mostrou para Sophia.

    — Essa runa dividida em dois traços com um traço ondulado no meio representa veloz.

    Sophia parecia fascinada com aquilo, seus olhos brilhavam como se ela estivesse entendendo algo além do que estávamos acompanhando.

    — Essa outra runa, dois traços interligados pela parte de cima por outro traço, essa significa força — continuou — por último essa runa que parece um raio partido ao meio, significa resiliência.

    — Então temos que conectar as esferas de acordo com as características que estão marcadas nas estátuas. — Sophia deixou um sorriso contagiante escapar. — Criaturas fortes devem estar relacionadas com a cor vermelha, as velozes com a amarela e as resilientes com a verde.

    — Vamos fazer duplas ou trios — sugeri. — Cada grupo cuida de uma combinação. Quando acharem a conexão certa, avisam o que aconteceu.

    Dividimos as tarefas rapidamente. Era incrível ver como, mesmo sendo um amontoado de aventureiros tão diferentes, começávamos a agir como um só organismo. Cada grupo começou a pegar as esferas e tentar conecta-las as estátuas.

    Vi Sophia se juntar a um trio para cuidar das estátuas ligadas a velocidade. Cratos e Hernán, claro, ficaram com as estátuas mais imponentes, as que evocavam força e coragem. Eu preferi circular, ajudando onde era necessário mantive o olhar atento e preciso.

    A primeira esfera brilhou. Uma conexão certa. Logo outra. Depois outra. Pequenos sorrisos surgiam em meio à tensão. Mas também haviam erros: em algumas tentativas erradas, as linhas entre as estátuas pulsavam em vermelho, emitindo um som grave que fazia todos estremecerem.

    Aos poucos, as plataformas começaram a brilhar. Uma a uma, as esferas se posicionavam no centro, desenhando um padrão luminoso que se espalhava pelo chão.

    Quando a última esfera se encaixou, ouvi um som profundo: como o respirar de uma criatura gigantesca. As linhas no chão se acenderam completamente e um feixe de luz subiu em direção ao teto invisível.

    Em seguida, linhas de luz correram pelas bordas das plataformas e se uniram no centro, formando duas gigantescas runas circulares.

    — O que é isso agora…? — murmurei, estreitando os olhos para tentar entender os símbolos.

    O jovem correu até as runas com anotações na mão. Ele se ajoelhou, estudando-as com cuidado.

    — Essa aqui…— disse ele, apontando para a da esquerda, — fala algo sobre ‘abrir’ ou ‘desbloquear’. Talvez uma referência a alguma passagem. E essa…— ele deslizou o dedo pela outra, menciona ‘caminho’ ou ‘passagem adiante’. Acho que juntas elas formam uma espécie de frase.

    — Tipo uma frase mágica? — Sophia se aproximou, interessada.

    — Talvez… algo como ‘Abrir o caminho perdido’ ou ‘Desbloqueie a passagem adormecida’, — arriscou ele, sorrindo. — Vou tentar algo.

    Todos se afastaram um pouco. O rapaz se levantou e, com voz firme, declarou:

    — Desperta, ó caminho selado!

    Mas nada parecia ocorrer, outros aventureiros começaram a tentar combinações diferentes, mas nada parecia surtir algum efeito. Me peguei pensando no significado daquelas runas. “Abrir… caminho… algo que possa abrir um caminho? Ou um caminho que deve ser aberto?” Não importava quanto pensasse nada vinha a mente.

    Resolvi tentar algumas combinações eu mesma.

    — Abra o caminho… Que se abra o véu da torre… Abra o abismo… — nada ocorria à medida que a frustração se acumulava. — Caminho selado, se abra… É parece que nunca vamos sair daqui.

    Sophia deu um passo confiante a frente, ficando entre as plataformas e disse:

    — Abre-te Torre!

    No instante seguinte, uma luz azulada surgiu no teto, e uma abertura circular se revelou acima das plataformas. Um objeto desceu lentamente, flutuando até o centro de onde tudo havia começado. Era a chave. Alta, feita de cristal e metal, com marcas que pareciam dançar sob a luz das runas.

    Uma onda de aplausos e exclamações percorreu o grupo. Alguns se abraçaram, outros riram aliviados.

    — Como descobriu as palavras certas? — perguntei ainda sem entender bem.

    — Ah eu vi alguma coisa parecida em uma história uma vez, resolvi tentar e acabou dando certo… se bem que, na história, era uma caverna e não uma torre, por isso dei uns ajustes. — Sophia ria animosamente quando Cratos e Hernán a colocaram sobre os ombros em comemoração.

    O grupo se animou enquanto seguimos em direção a próxima passagem.

    — Se todos os andares forem assim, daqui a pouco essa torre vai implorar pra gente ir embora! — brincou um dos aventureiros.

    — Até que é divertido trabalhar com uma equipe assim — comentou Sophia, empurrando levemente o ombro de Hernán.

    — Claro, quando não estão tentando se matar por uma recompensa — ele respondeu, com um sorriso de canto.

    Eu ri, deixando a tensão escorrer um pouco dos meus ombros. Por um instante, o peso daquela torre parecia menor. Seguimos juntos, animados, rumo ao quarto andar.

    O desafio seguinte foi rápido, quase simples. Um campo aberto com colunas espelhadas que mudavam de posição a cada toque errado. Era um teste de observação e reflexos. Com o grupo coordenado, traçamos um caminho certo entre os espelhos móveis, marcando o avanço com pequenos objetos e sinais feitos com magia. Foi quase divertido: principalmente quando um dos espelhos quase derrubou Cratos, e ele ameaçou “dar um soco na torre inteira”.

    Conseguimos em menos de uma hora. Estávamos rindo de novo, confiantes. A escadaria seguinte descia mais fundo. Muito mais. Era diferente das outras, esta era… mais escura.

    — Vocês também tão sentindo? — murmurei, quando a luz começou a desaparecer pouco a pouco.

    — Está ficando escuro demais…— disse Hernán, parando por um segundo. — Talvez a luz não chegue bem aqui.

    Cratos estalou os dedos e uma chama suave surgiu em sua mão esquerda, iluminando parcialmente a espiral de pedra à nossa frente.

    Continuamos descendo. Eu ia devagar, apoiando a mão na parede para não escorregar nos degraus gastos. Estava tudo muito… silencioso. Como se a torre tivesse prendido o fôlego.

    Foi quando senti: Sob meus dedos, um relevo estranho na parede. Meus passos hesitaram.

    — Cratos — chamei baixinho. — Ilumina aqui pra mim.

    Ele se aproximou, trazendo a chama até onde minha mão repousava. A pedra era áspera, diferente do restante da parede. Havia símbolos… letras. Um aviso, quase apagado pelo tempo.

    Eu li em voz baixa:

    ” Aos que vierem depois.”

    A torre não perdoa os que viram as costas.”

    Fiquei em silêncio por um momento. O brilho da chama tremulava sobre as palavras, como se as revivesse.

    — O que isso quer dizer…? — perguntou alguém atrás de mim.

    — Talvez uma metáfora… — disse outro, sem convicção.

    Mas as palavras gravadas na parede não saíam da minha mente.

    “A torre não perdoa os que viram as costas.”

    Senti um arrepio escorrer pela espinha como se a torre tivesse ouvido cada passo nosso.

    A atmosfera mudou… O ar parecia mais pesado, o silêncio mais profundo.

    Por um segundo, tive a estranha sensação de que não estávamos mais sozinhos ali embaixo.

    Descemos mais um degrau… E o medo, silencioso, começou a caminhar ao nosso lado.

    Fim do Capítulo 30: Um Degrau Mais Perto do Abismo.

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