Índice de Capítulo

    O som do metal ecoava como trovões. Cada vez que nossas lâminas se chocavam, uma onda de faíscas riscava o ar, iluminando brevemente tudo ao redor. Eu girava, aparava, atacava, me esgueirava pelos golpes como se meus ossos fossem feitos de eletricidade. E ainda assim, ele não caía.

    — Droga…

    Meus olhos varriam os arredores entre uma investida e outra. As paredes da câmara tremiam com o impacto dos golpes, mas nenhuma runa brilhava, nenhum artefato mágico pulsava. Nada visível. Nada óbvio.

    Do outro lado, vi Hernán se movendo com dificuldade. Suas mãos tremiam, mas ele murmurava algo. Ramos verdes brotavam ao seu redor, pequenas folhas que se desenrolavam como dedos gentis. Ele pegou uma dessas ervas e pressionou contra o próprio ferimento, rangendo os dentes. A dor era visível em seu rosto.

    — Hernán…? — murmurei, surpresa por vê-lo de pé.

    Ele cambaleou até onde Sophia jazia e começou a conjurar mais daquelas ervas, fazendo brotar outras, maiores, com um brilho tênue esverdeado. Pressionou-as sobre o peito dela e murmurou alguma coisa. Eu não havia tempo para me distrair, mas saber que ele estava tentando… reacendeu algo em mim.

    Mas o Guardião não parecia se importar com Hernán. Seus olhos, ou o que quer que houvesse atrás da máscara, estavam cravados em mim.

    Ele veio novamente.

    “Aparar. Desviar. Contra-atacar.” Repeti essa ordem na minha mente, como se fosse um comando para mim mesma.

    Enquanto estava atacando o guardião algo atravessou minha visão: Um clarão.

    Foi só por um instante…, mas vi algo.

    Algo pequeno, ágil. Um vulto. Passou bem diante do meu rosto.

    — O quê…?

    Me virei, tentando rastrear com os olhos. Era como um inseto: translúcido, com asas que vibravam numa frequência quase inaudível. Flutuava ao redor do Guardião, como uma mariposa orbitando uma vela viva.

    Mais um ataque. Ergui a espada para bloquear e me obriguei a focar.

    — Por que um inseto estaria aqui…?

    Outra sequência de golpes. Ele veio com os quatro braços em espiral, girando como uma tempestade metálica. Usei a espada para segurar os ataques superiores e a adaga para travar os inferiores. Meus pés deslizaram no chão com a força do impacto. A aura elétrica ainda me envolvia, mas a exaustão começava a me alcançar.

    — Não é só um inseto comum… não com esse brilho…

    Desferi um golpe vertical, liberando uma onda de choque que abriu o peito do Guardião mais uma vez. Faíscas saltaram da rachadura. E então, vi.

    O pequeno ser voador disparou do ar como uma flecha e pousou sobre o ferimento.

    Imediatamente, os tecidos metálicos começaram a se fechar.

    — Não… — arfei. — Você… então é você que está curando ele!

    Meus olhos se fixaram na criatura.

    Pequena, veloz, quase imperceptível, mas agora eu sabia. Era ela. A maldita fonte de vida eterna do Guardião.

    — Tudo bem. Você quer brincar de se esconder? — falei entre os dentes, girando a adaga. — Vamos ver se você consegue escapar.

    A partir daquele momento, cada golpe no Guardião vinha com um propósito duplo. Ferir… e observar. Atacar… e caçar.

    Desviei de um ataque lateral e me abaixei, fazendo o Guardião errar o corte. Avancei e cravei a espada na perna dele, cortando o tendão mecânico. Ele rugiu. O inseto disparou de novo.

    Tentei atingi-lo com a adaga, lançando uma esfera elétrica no trajeto dele. Errou por pouco; a criatura ziguezagueava como se soubesse que estava sendo focada.

    — Ah, agora você está fugindo?

    O Guardião lançou-se em uma nova investida. Eu recuei, saltando para o lado. A criatura pairava ao redor, esperando seu momento. Um padrão. Ela esperava que o Guardião fosse ferido… então se aproximava. Como um curandeiro silencioso. Um parasita protetor.

    — Você é a chave disso tudo… — falei baixo, para mim mesma. — E se eu te tirar da equação…

    Senti minha determinação se intensificar. A eletricidade rugia sob minha pele, como se minha própria vontade alimentasse o poder. A espada vibrava em minha mão. A adaga tilintava com a energia acumulada.

    — Isso muda tudo.

    Agora, eu tinha dois inimigos.

    O campo de batalha era um borrão de aço, faíscas e relâmpagos. Meus músculos gritavam por alívio, mas eu não podia parar. Não ainda.

    Me forcei a ser mais rápida. Só um pouco mais. O tempo suficiente.

    Desviei por pouco de uma estocada do Guardião e cravei minha adaga em seu flanco, liberando uma esfera elétrica no impacto. Ele cambaleou. Me aproveitei da brecha e o atingi com um corte vertical da espada, liberando uma onda de choque que o abriu do ombro ao quadril. Eu não via sangue: Somente uma substância metálica escura, espessa, que evaporava no ar com um cheiro amargo.

    E lá estava ele. O inseto. Dançando ao redor como se zombasse de mim.

    — Agora você não escapa…

    Atirei outra esfera elétrica. Errou por pouco. Saltei para o lado, desviei de um golpe e mirei novamente. Minha visão tremia, mas meus sentidos estavam à flor da pele. O tempo parecia mais lento agora. E então, no instante certo…

    — Vai pro inferno com ele!

    A adaga girou no ar, carregada de eletricidade pura. O inseto tentou desviar, mas não foi rápido o bastante.

    O impacto foi seco. Um clarão azul, e o corpo translúcido da criatura se partiu em dois, desintegrando no ar como cinzas elétricas.

    Foi nesse momento que o Guardião parou. Seus braços caíram por um segundo, como se seu núcleo tivesse sido arrancado. Um som baixo começou a escapar de sua garganta: não era um grito, era algo mais profundo… uma melodia dissonante, rouca, arrepiante.

    Ele levou as mãos à própria máscara e a retirou com cuidado cerimonial, substituindo pela última máscara em seu rosto.

    Dessa vez, a feição era de pura tristeza.

    — Não me diga… — murmurei, engolindo em seco.

    O Guardião gritou. Um som agudo, cortante, que reverberou pelas paredes de pedra.

    E então ele veio.

    Mais rápido do que nunca. Um borrão cinza.

    Tentei aparar, mas os golpes tinham um peso brutal, como se ele estivesse canalizando o próprio desespero na força dos braços. A cada impacto, meus pés se enterravam no chão, meus ossos vibravam, meus braços ardiam.

    — Vamos…! — gritei entre dentes cerrados, lutando contra a pressão. — Vamos!!

    Ataquei. Um corte horizontal. Ele desviou. A lâmina passou no vazio. Tentei um giro com a adaga, ele bloqueou e contra-atacou com fúria.

    Aparei o golpe, por pouco não fui atingida em cheio no abdômen. Fui lançada como uma folha ao vento. Bati contra a parede do salão com força, o impacto me roubou o ar e uma pontada aguda me subiu pela garganta.

    Cuspi sangue.

    Caí de joelhos, apoiando uma mão no chão. O mundo girava.

    — Merda… — murmurei, limpando a boca com o antebraço. — Eu… não sei se consigo… sozinha…

    — E quem disse que você está sozinha?

    A voz veio ao meu lado, firme e quente como uma promessa. Me virei devagar.

    — Hernán!

    Estava ali, ainda sangrando, mas os olhos brilhando com determinação. Um sorriso cansado em seu rosto. E atrás dele… surgiram flechas de eletricidade, cravaram-se aos pés do Guardião, que rugiu.

    Cratos surgiu em meio à fumaça, girando seu machado com força bruta.

    — É agora!

    O impacto lançou o Guardião longe, abrindo uma trilha de pedra estilhaçada pelo chão.

    Hernán se ajoelhou e me ajudou a levantar.

    — Hernán…, mas como?

    — Enquanto você o mantinha ocupado, eu fiz minha parte. Curei aqueles que ainda podiam lutar.

    Olhei ao redor, ofegante.

    Um a um, os aventureiros começaram a se levantar.

    Alguns ainda cambaleantes, outros com as roupas rasgadas, cobertos de sangue ou poeira…, mas de pé. Com os olhos ardendo. Prontos.

    — Acho que descobri por que ele sempre se curava… — falei, apoiando a mão no joelho. — E me livrei do problema.

    — Então vamos acabar com ele de vez — disse Cratos, girando o machado e aumentando seu fogo.

    A batalha recomeçou.

    Dessa vez… com todos nós juntos.

    O Guardião rugiu e investiu, mas já não era invencível. Flechas, magias, lâminas e punhos o atingiam de todos os lados. Ele revidava com força, mas cada golpe que ele dava, era respondido com três.

    Eu me concentrei em defender.

    Aparei cada ataque que ameaçava atingir os outros. Interceptei estocadas, desviei lâminas e tentei atacar. Eu podia não estar no meu auge…, mas podia ser o muro que impedia que alguém caísse.

    Um grito uníssono ecoou pela sala.

    Um ataque combinado.

    Chamas, eletricidade, gelo e aço convergiram num único ponto. Minha espada foi a última a atingir o alvo.

    Um buraco se abriu no peito do Guardião. Ele caiu com um baque seco. A sala tremeu.

    O silêncio que veio depois foi… estranho.

    Ninguém vibrou. Ninguém gritou vitória. Só o som de respirações ofegantes e o coração batendo nos ouvidos.

    O corpo imóvel do Guardião permanecia ali. Sem se regenerar. Sem o inseto… Parece que estava certa afinal.

    Pela primeira vez… ele estava mesmo morto.

    Sophia, Hernán e Cratos se aproximaram de mim. Estavam exaustos, mas havia algo nos olhos deles. Algo sincero.

    — Você… virou o curso disso tudo — disse Sophia, a voz baixa, quase quebrada. — Se não fosse por você… não sei como isso teria terminado.

    — Obrigado — disse Hernán.

    Cratos assentiu.

    — Você nos deu tempo, coragem… e uma última chance de lutar.

    Abri a boca para responder…, mas a força simplesmente me deixou.

    Minhas pernas cederam… Hernán me segurou antes que eu tocasse o chão.

    — Ah… estou… só um pouco… cansada…

    — Ashley!

    Minha visão escureceu. O peso da batalha finalmente me alcançava.

    — Só… um pouco… — murmurei.

    E então, me deixei cair. Por hoje o mundo se mergulhou no silêncio. Mas o amanhã ainda virá…

    Fim do Capítulo 33: Uma Dança Entre Luz e Trevas.

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