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    A queda parecia não ter fim. O vento cortava meu rosto e meus pensamentos giravam tão rápido quanto meu corpo no ar. Meu coração batia descompassado… ou talvez tivesse parado por um instante. Quando achei que iríamos direto ao desconhecido lá embaixo, algo elástico nos aparou com força, nos lançando brevemente para cima antes de nos fazer cair de novo, dessa vez mais suavemente.

    O impacto não foi tão duro quanto imaginei, mas ainda assim me arrancou o ar por um segundo. Ao abrir os olhos, percebi que estávamos deitados sobre uma imensa rede de cipós entrelaçados que emergiam das paredes úmidas ao redor. Os fios vibravam levemente sob nosso peso, como se ainda estivessem se ajustando ao susto.

    Levantei a cabeça num impulso. Meu grupo estava ali: Cratos se reerguia rangendo os dentes e murmurando xingamentos, Sophia esfregava os ombros com um suspiro irritado, e Hernán ainda deitado encarava o teto como se repassasse a vida inteira em pensamento. Foi quando uma voz familiar atravessou o ar.

    — Ashley!?

    Virei rapidamente em direção ao som… a visão que tive me paralisou por um instante. Cabelos vermelhos como brasas, olhar firme e mãos na cintura. O tempo pareceu segurar a respiração junto comigo.

    — Selene… — sussurrei, como se precisasse confirmar que era real.

    Sem pensar, corri até ela e a envolvi num abraço apertado, quase derrubando nós duas no processo. Selene, por um momento não reagiu, mas logo relaxou nos meus braços. Ao me afastar, senti meus olhos umedecerem levemente.

    — O que você está fazendo aqui? Como chegou até aqui? — ela perguntou, com a voz carregada de surpresa e um leve tom de culpa.

    — É uma longa história. — Sorri, respirando fundo, e soltei a espada da minha cintura, erguendo-a para ela. — Mas primeiro… aqui está o que você pediu.

    Selene olhou para a espada como se ela tivesse mais peso do que deveria. Seus olhos se suavizaram com algo entre orgulho e arrependimento. Ela a pegou com cuidado, mas antes de qualquer palavra, me puxou de volta para outro abraço.

    — Me desculpa… — ela sussurrou. — Eu só queria te proteger disso tudo. Não achei que você acabaria vindo sozinha.

    — Eu não vim sozinha — respondi a Selene com um sorriso de canto, me virando para apontar atrás de mim. — Cratos, Sophia, Hernán… e todos que nos ajudaram até aqui.

    Ela olhou brevemente por cima do meu ombro, fazendo um aceno sutil de cabeça que dizia mais que qualquer palávra. Quando voltei o olhar ao redor, notei outros rostos conhecidos espalhados pela imensa rede de cipós que nos segurava. Aqua estava de pé, conversando com dois aventureiros da Guilda do Redemoinho Celeste, apontando para baixo como se analisasse alguma rota. Mais adiante, sentada sozinha sobre os cipós, encontrei alguém que não esperava ver tão abatida… Rose.

    Seu corpo estava curvado, ombros baixos, como se a teia de cipós que nos sustentava estivesse pesando apenas sobre ela. Seus olhos estavam distantes, perdidos em alguma memória ou pensamento que eu não conseguia alcançar.

    Antes que eu pudesse me aproximar, Selene me puxou levemente pelo braço.

    — Não adianta… — disse ela em voz baixa. — Rose está assim já faz um tempo. Não escuta ninguém. Não responde direito. Só repete as mesmas coisas.

    Franzi o cenho, mas assenti. Talvez ela tivesse razão… mas ainda assim, algo dentro de mim dizia que eu precisava tentar. Me afastei e segui em direção a Rose, com cuidado para não tropeçar nos cipós entrelaçados que tremiam levemente a cada passo.

    — Rose? — chamei, suavemente.

    Ela murmurava para si mesma. Voz trêmula, fraca. Apenas sussurros.

    — É culpa minha estarmos presos aqui… — disse, como se recitasse um castigo invisível. — Se eu não tivesse escutado aquelas duas… nós não estaríamos aqui agora. Procurei por toda parte, mas não encontrei nada… esse será o nosso fim?

    — Ei… — ajoelhei diante dela, tentando encontrar seus olhos. — Rose, sou eu. Ashley. Estou aqui.

    Ela sequer se virou. Continuava olhando o nada, mergulhada em uma escuridão que nem mesmo eu conseguia alcançar com palavras. Respirei fundo… e então fiz a única coisa que me veio à cabeça.

    Estalei a palma da mão contra sua bochecha.

    Não foi forte demais. Mas o suficiente para que ela piscasse, surpresa, como se despertasse de um pesadelo. Seus olhos, por um instante, se moveram confusos até encontrarem os meus.

    — A-Ashley…? O que está fazendo aqui?

    Sorri com firmeza, mesmo sentindo meu peito pesar.

    — Vim retribuir o favor. E te ajudar a procurar… seja lá o que for que você esteja procurando.

    Ela piscou algumas vezes, como se quisesse chorar e rir ao mesmo tempo.

    — Mas… tudo que você deve ter passado até aqui…

    — Agora não é hora de pensar nisso — respondi. — Me diz o que está acontecendo aqui.

    Rose engoliu em seco e explicou como caíram após abrirem um baú errado, ela disse que em um ato de desespero conseguiu salvar a todos com aquela cama de cipós, por fim, apontou para baixo com um olhar preocupado.

    Segui seu gesto e me inclinei levemente entre os cipós. O que vi lá embaixo me fez prender a respiração.

    Um mar de espetos; longos, metálicos, pelo menos um metro cada, cobriam o chão do que seria o nono andar. Entre eles, nuvens de gás esverdeado se espalhavam lentamente, expelidas por válvulas cravadas entre os espetos do piso. O cheiro era estranho, mesmo àquela distância, e deixava o ar mais pesado. Pior ainda… acima do nevoeiro, três pequenas plataformas estavam presas às paredes. E sobre cada uma delas, repousavam criaturas aladas de aparência frágil, mas adormecidas; seus corpos cobertos por penas finas e garras afiadas, os peitos subindo e descendo lentamente com cada respiração.

    Fiquei ali, observando, sentindo o frio se instalar no meu estômago.

    — Se alguém cair ali embaixo… — murmurou Rose, quase sem voz. — Ou se fizerem barulho demais… essas coisas podem acordar e acabar com nossa segurança.

    Aos poucos compreendi o porquê daquele silêncio carregado que pairava sobre todos.

    Me aproximei de Aqua e Selene, ambas em meio a uma discussão séria, cada palavra carregada de frustração. Ao redor delas, outros aventureiros se mantinham em silêncio, observando o chão mortal abaixo como se ele respirasse, pronto para engolir quem ousasse descer.

    — Se ao menos conseguíssemos conter o gás por tempo suficiente… — Aqua murmurava, pensativa. — Talvez se eu congelasse a água sobre as válvulas…

    — Mas ainda haveriam os espetos — Selene exclamou enquanto olhava para baixo.

    Hernán ergueu a mão, chamando atenção.

    — E se usássemos o fogo para derreter os espetos? Se derretessem e esfriassem depois, poderíamos descer com cuidado.

    A sugestão pairou no ar por alguns segundos, mas Selene balançou a cabeça.

    — O gás. Se for inflamável, uma explosão pode nos lançar antes que o calor dê tempo de derreter tudo. E cairíamos direto nos espetos… ainda mais quentes. Além disso o gelo da Aqua pode ser forte, mas não suportaria o calor por tempo suficiente até que os espetos derretessem.

    Mais ideias surgiram, uma após a outra, cada uma ruindo sob o peso das suas próprias falhas. O clima ao redor começava a pesar mais do que a cortina de gás lá embaixo. Frustrações se acumulavam, e a exaustão nos olhos dos aventureiros se tornava impossível de ignorar.

    — Espera… — falei, cruzando os braços. — Aqua, acho que você está no caminho certo.

    Ela me olhou, surpresa.

    — O quê?

    — Tapar as saídas de gás é o foco. Mas ao invés de gelo… o que precisamos é de algo resistente ao calor. Sólido, maleável, e que aguente sem derreter.

    — Fácil — comentou alguém do fundo, rindo. — Se tivéssemos isso, já teríamos dado o fora daqui faz tempo.

    — Não precisamos ter algo perfeito — respondi, já sentindo o raciocínio se formando — só precisamos saber o que temos a disposição.

    Aqua pareceu hesitar, e eu quase senti que ela ia me cortar com os olhos. Mas antes disso acontecer, Selene deu um passo ao lado dela e cruzou os braços, encarando-a com um meio sorriso.

    — Ashley é mais esperta do que parece. Se ela não tivesse pensado rápido na nossa luta contra o demônio da gula, eu poderia ter me ferido.

    O olhar da Aqua suavizou por um momento.

    — Algo sólido, maleável e resistente ao calor… — ela repetiu em voz baixa, como se mastigasse a ideia. Então chamou em voz alta — Gigi, venha aqui.

    Uma garota pouco maior do que eu se aproximou timidamente. Cabelos curtos, castanho-terrosos, olhos castanhos tímidos que evitavam contato direto. Ela parecia até deslocada entre tantas figuras exuberantes e veteranas… e mesmo assim, a forma como Aqua a olhou me disse que havia poder ali.

    — Se precisam de algo sólido — disse Aqua — ela é a pessoa certa, mas o restante das condições não consegui pensar em mais ninguém.

    — Eu… eu posso criar rochas e manipulá-las até certo ponto com o meu poder — disse Gigi, com a voz baixa e doce. — Mas não sei como isso ajudaria.

    Arqueei uma sobrancelha, curiosa. Um Chromago de cabelo marrom? Nunca tinha visto nenhum com esse tom específico antes.

    — Espera — me aproximei. — Você pode mesmo criar qualquer tipo de rocha? Como… basalto, calcário, arenito?

    — Eu não sei bem do que está falando, mas sim. Desde que eu já tenha tocado eu consigo criá-las.

    — Isso é… perfeito!

    As ideias começaram a se conectar na minha cabeça como peças de um quebra-cabeça antigo que, finalmente, começava a fazer sentido.

    — Eu tenho um plano que pode funcionar. Mas vamos precisar trabalhar juntos.

    Fim do Capítulo 43: Suspensos.

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