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    A cena diante de mim parecia congelada entre o presente e algo que ainda não sabíamos nomear. Selene avançava com seus passos ferozes, Cratos já assumia posição de defesa e os demais se espalhavam em formação. Era como se todos estivessem prontos para um combate que já havia começado, mas do qual ainda não sabíamos as regras.

    A criatura, no entanto, permanecia imóvel. A gigantesca serpente de pele azul, olhos luminescentes como astros distantes, não se movia. Ela não parecia sequer notar a movimentação dos guerreiros diante dela. Seu olhar… permanecia preso a mim e Sophia.

    Engoli em seco. Tinha a impressão de que, se tentasse me mover, algo invisível me puxaria de volta. Era uma pressão sutil, quase simbólica, mas inevitável.

    Vi Selene saltar em direção a criatura coberta por sua aura escarlate, o fio de sua espada já iluminava a guardiã a medida que ela se aproximava.

    — Meia lua carmesim! — bradou Selene, girando o corpo em um movimento perfeito, como se estivesse dançando com o próprio ar.

    O fogo seguiu o rastro de sua lâmina, curvando-se em uma meia-lua rubra que cortou o espaço com violência.

    O impacto foi certeiro. A lâmina flamejante atingiu a serpente diretamente na cabeça e… nada.

    Nenhuma queimadura. Nenhuma reação. Apenas o brilho etéreo da pele escamosa absorvendo o golpe como se não passasse de uma brisa.

    Selene franziu o cenho, surpresa. Seus olhos fitaram a criatura, como se exigissem uma explicação. E, pela primeira vez, percebi a irritação escorrendo por entre seus gestos, como se a barreira invisível fosse uma ofensa pessoal.

    — Por que ela não revida? — sussurrei para Sophia, meu olhar preso àquele monstro colossal.

    — Talvez… — ela hesitou, buscando as palavras. — Talvez o teste ainda não tenha terminado.

    — O que você quer dizer?

    — Você ouviu. Ele falou sobre “ser digno de ser ouvido”. Pode ser que chamar o nome fosse só o início. Talvez… a prova esteja em algo mais.

    — Como o quê? Um combate sem magia? — retruquei, ainda tentando entender a lógica daquela torre.

    — Ou… — os olhos dela se voltaram para mim, carregados de uma estranha lucidez — ou o fato de ela não nos atacar ainda é parte do teste.

    A serpente então abriu a boca. Um som gutural reverberou, não em nossos ouvidos, mas em nossas mentes, como um sussurro entalhado dentro do crânio.

    “O seu tempo está acabando.”

    Aquela voz…

    Não era apenas som. Era peso. Pressão. Um sussurro que parecia empurrar nossos pensamentos para um abismo escuro. “O seu tempo está acabando.”

    Senti meu peito apertar. O silêncio que se seguiu foi mais cruel que qualquer rugido. Os outros pareciam sentir também. Vi Cratos cerrar os punhos. Aqua mordia o lábio inferior. Até Selene, apesar do olhar firme, mantinha o maxilar tenso. Ninguém se movia. Ninguém sabia exatamente o que fazer.

    Tempo acabando… pra quê? Pensei.

    O desafio? Nossa presença ali? Nossas vidas?

    O olhar da criatura ainda estava sobre mim e Sophia. Fixo, profundo, quase acusador, como se esperasse nosso próximo movimento.

    — De fato o teste ainda não acabou… — murmurou Sophia, com os olhos semicerrados como se buscasse algo escondido no ar. — Aquilo foi só o começo… os versos…

    Meu coração acelerou. Os versos. Os versos! Por que só agora havíamos nos lembrado o restante deles?

    “A verdade não se mostra à luz.

    Mas no reflexo distorcido das sombras.”

    Repetimos juntas. Quase em sussurro, como se a lembrança tivesse escapado de um véu de névoa que só agora começava a se dissipar.

    O ar pareceu mudar ao nosso redor. Algo invisível… se movimentava. Como se estivéssemos no caminho certo… ou no fim do caminho.

    — O que isso quer dizer? — perguntei a mim mesma. — Por que nas sombras? O que há para ver nas sombras?

    Fechei os olhos. Respirei fundo. Tentei apagar o som do medo, da dúvida, das respirações ansiosas ao meu redor. E voltei àquele momento.

    Quando o guardião apareceu. As escamas refletindo a luz da entrada da caverna. O nome. A reverberação. A pressão.

    Ele só se revelou quando o nome foi dito… mas… A verdade não se mostra à luz…

    Um estalo me atravessou como um relâmpago.

    Ela se mostrou. Mas… será que o que vimos era de fato a guardiã?

    Novamente aquela voz que parecia um trovão reverberou em minha mente. “O tempo está quase no fim.”

    Minhas mãos tremiam.

    Lembrei dos ataques. Selene, Cratos, Aqua, todos os chromagos. Nada funcionou. Nada sequer arranhou a criatura.

    — A verdade não se mostra à luz… — sussurrei, sentindo a frase escorrer pela minha garganta como veneno e cura ao mesmo tempo. — …mas no reflexo distorcido das sombras…

    Meus olhos se abriram de súbito.

    E se o que estivermos vendo for realmente falso?

    Olhei para o chão, buscando qualquer pista, qualquer sombra que não deveria estar ali. E então vi. Uma silhueta ondulando sob o piso, deformada, mas com os mesmos contornos… a mesma forma serpentina.

    Meus olhos se arregalaram.

    — Ela está embaixo de nós! Saíam rápido! — gritei, com tudo que tinha nos pulmões, rompendo o silêncio sufocante.

    Alguns se viraram surpresos. Outros pareciam não entender. E outros ainda estavam presos demais na hipnose daquela criatura colossal à frente.

    — Ashley! — Selene se moveu num borrão.

    Senti os braços dela me agarrando pela cintura, e ao mesmo tempo Sophia foi puxada pelo outro lado.

    Num único salto, Selene nos levou para longe, deslizando como uma flecha em meio ao ar denso da sala.

    — Segurem firme! — rugiu Aqua. Seus braços brilharam em azul celeste. Um redemoinho líquido se ergueu do chão como uma onda em fúria, varrendo vários dos aventureiros que ainda estavam estáticos, empurrando-os para longe da criatura ilusória.

    Foi então que vi.

    Enquanto estávamos no ar, vi aquela criatura emergir do chão com a boca amplamente aberta, como se nadasse por entre o espaço aquático do andar.

    Não era apenas grande. Colossal. Escamas negras como o vazio entre estrelas. A verdadeira serpente guardiã surgia como se viesse das entranhas da própria torre.

    Sua cabeça era ainda mais imponente, com chifres curvos que emolduravam olhos âmbar faiscantes. A língua bifurcada dançava no ar, provando o cheiro do medo.

    E então ela falou: não com palavras que saíam de sua boca, mas com um timbre que invadiu diretamente nossas mentes, uma voz pesada e onírica, como um sussurro ancestral soterrado no tempo.

    — E pensar… que conseguiram ver através do meu pequeno truque. — Um rugido abafado ecoou por todo o andar enquanto a serpente deslizava com imponência em nossa direção. — Queria engolir todos de uma só vez… Mas até mesmo eu estou presa sob as regras desta torre. — Os olhos dela se estreitaram em algo próximo de prazer — No fim, apenas adiaram o inevitável.

    Aqua rangeu os dentes. Seus olhos cintilavam com uma intensidade incomum, quase marejados.

    — Ela planejava acabar com a gente antes mesmo de começarmos a lutar… — murmurou, erguendo a mão e convocando uma esfera de água pulsante. — Veremos do que é capaz sem seus truques sujos.

    Selene ainda nos segurava, pousou no chão com firmeza, mas seu olhar permaneceu cravado na criatura. Havia raiva ali… e talvez culpa.

    — Não desgrude de mim, Ashley. Você viu através da ilusão e salvou todos nós. Agora é minha vez de manter você viva.

    — Mas Selene… — tentei argumentar, o coração acelerado — você não vai conseguir lutar direito se só pensar em me proteger…

    Ela apenas sorriu, aquela confiança que parecia desafiadora até mesmo para os deuses.

    — Não se preocupe. Ainda consigo esmagar uma cobra de olhos fechados.

    A guardiã ergueu o corpo imenso e se apoiou sobre duas rochas laterais, assumindo uma postura que a fazia parecer ainda maior.

    — Que venha o julgamento.

    Sem aviso, sua cauda chicoteou o ar em um arco devastador, atingindo parte da rocha na lateral e lançando escombros em nossa direção. Aqua reagiu num instante, erguendo uma parede de água que absorveu o impacto, mas ainda assim o chão sacudiu.

    — Espalhem-se! — ela gritou. — Essa coisa tem alcance demais!

    O caos começou. A serpente se moveu com velocidade absurda para uma criatura daquele tamanho, sua mandíbula aberta em um rugido que fez o ar vibrar. Selene correu em uma direção oposta à de Aqua, puxando sua espada com um brilho escarlate e recobrando o foco.

    — Estrelas Escarlate! — Selene rugiu.

    Da ponta do seu dedo pequenas esferas de energia começaram a surgir e serem atiradas em sequência, talvez dezenas ou centenas de esferas cortaram o ar em direção da guardiã, as esferas a atingiram com violência fazendo-a encerrar seu avanço.

    — Aqua! — Selene gritou enquanto via Aqua erguer um pilar de água.

    Aqua fez alguns movimentos com as mãos e o pilar de água congelou em um instante, ela girou o corpo desferindo um chute que arremessou o pilar em direção a guardiã, ela tentou esquivar, mas devido ao seu tamanho o golpe a acertou em cheio.

    — Parece que não vai ser tão fácil quando imaginava, não é mesmo?!

    Selene e Aqua lideravam a linha de frente da batalha, eu acreditava que com elas tudo seria possível, mas a batalha estava apenas começando.

    Fim do capítulo 47: Quebre o Véu.

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