Índice de Capítulo

    Eu mal conseguia acompanhar. O campo diante de nós se transformou em um palco de destruição, onde cada passo de Selene e Aqua era acompanhado por ondas de calor e água fervente. Seus corpos se moviam como se dançassem em perfeita sincronia, o choque de suas habilidades ecoando como trovões que sacudiam as paredes da masmorra.

    Senti alguém se aproximando e, ao virar o rosto, vi Sophia e Cratos pararem ao meu lado. Os olhos de Cratos brilhavam, incapazes de disfarçar a empolgação.

    — Incrível… — murmurou ele, quase sem fôlego. — A forma como elas lutam é… inacreditável.

    Sophia concordou, sem tirar os olhos do campo de batalha.

    — É difícil até mesmo acompanhar com os olhos… — disse em voz baixa. — São rápidas demais.

    Entre o brilho das chamas e o vapor, parece que estamos tentando assistir ao sol atravessando uma tempestade. Eu mesma sentia isso. O calor ao nosso redor já se tornava sufocante, como um daqueles dias de verão em que o sol aparece com fúria logo depois da chuva. O suor escorria pela minha pele, mas não consegui desviar o olhar nem por um instante.

    A serpente rugia, mais feroz a cada ataque. A cada investida, Aqua e Selene respondiam com ainda mais precisão, como se soubessem instintivamente o que a outra faria. Selene ergueu sua espada flamejante, e seu corpo brilhou com sua aura vermelha.

    — Inferno Carmesim! — sua voz ecoou, e uma coluna colossal de fogo irrompeu do solo, engolindo a serpente em um bramido ensurdecedor. O corpo escamoso foi lançado para o alto, retorcendo-se em dor.

    Aqua não hesitou. Ela saltou, elevando uma das mãos. Correntes de água fluíram em espiral, condensando-se até formarem uma lança cristalina que pulsava com energia. Com um movimento preciso de seus dedos, a lança começou a girar, tão rápido que o ar à frente dela se distorceu, formando um redemoinho.

    — Execução do Redemoinho Celeste! — gritou, e o som parecia se fundir ao próprio rugido das águas.

    A lança disparou em um estalo ensurdecedor, girando como um furacão líquido. A serpente, ainda atordoada pelo ataque de Selene, não teve tempo de reagir. A lança atravessou suas escamas grossas, perfurando carne e ossos, deixando atrás de si um rastro de destruição.

    O corpo da guardiã se contorceu em agonia, mas Selene não perdeu a oportunidade. Ela avançou em um piscar de olhos, cravando a espada exatamente no ponto em que a lança havia perfurado. Sua energia concentrou-se na lâmina, vibrando em tons carmesins até que um estalo cortou o ar e num instante, uma explosão ressoou.

    Chamas tomaram conta da serpente de dentro para fora, o fogo escapou pela boca da guardiã como um rugido final, antes que seu corpo despencasse e caísse inerte contra o solo do andar.

    O silêncio pairou pesado no ar enquanto todos observavam o corpo dela cair, como se todo o andar tivesse prendido a respiração junto conosco. Alguns ainda recuperavam o fôlego, outros enxugavam o suor que escorria pela testa. Selene deixou escapar um suspiro cansado ao saltar do corpo da serpente caída, a ponta de sua espada ainda incandescente pela energia liberada. Aqua, arquejante, apoiava as mãos nos joelhos, respirando como se cada gole de ar fosse insuficiente. Selene aproximou-se dela e pousou a mão sobre seu ombro, em um gesto breve, mas carregado de cumplicidade.

    As duas então caminharam em nossa direção, e a atmosfera começou a mudar. A tensão que nos consumia cedia espaço para algo que há muito não sentíamos ali dentro: vitória. Pequenos sorrisos surgiram, abraços foram trocados, e até mesmo lágrimas escaparam de olhos que há poucos instantes refletiam apenas medo. Selene me envolveu em um abraço apertado, sua voz firme e calorosa sussurrando ao meu ouvido:

    — Nós vamos sair daqui.

    Mas no instante em que fechei os olhos, acolhendo aquela certeza, algo atrás dela me fez congelar. Por cima de seu ombro, vi o impossível acontecer: o corpo da guardiã de escamas negras se erguendo lentamente.

    — Selene… — minha voz saiu em um fio, trêmula, quase engasgada.

    Ela se virou de imediato, e logo o restante fez o mesmo. O olhar dela refletia incredulidade, um espelho perfeito do que todos nós sentíamos.

    — Mas… eu mesma a ataquei. Eu senti sua vida se esvaindo… como é possível? — Selene murmurou, apertando a espada com força.

    Foi então que a cena nos atingiu em cheio: a serpente de escamas negras cravou as presas afiadas no corpo ainda inerte da guardiã de escamas azuis. Uma luz pulsante começou a se mover, lenta, como rios luminosos, do corpo de uma guardiã para a outra. A energia restante da serpente derrotada era devorada, sugada, até que não restou nada além de cascas vazias.

    E diante de nossos olhos atônitos, uma nova forma começou a se moldar. As escamas da serpente negra se mancharam de tons azulados, cintilando como brasas aquáticas, cada uma refletindo chamas e ondas ao mesmo tempo. Seu corpo se alongou ainda mais, músculos tensionando sob a pele cintilante, enquanto duas cabeças se erguiam: uma carregando o brilho carmesim do fogo, outra reluzindo o azul profundo da água. Os olhos, porém, eram iguais — um brilho etéreo, de arrogância e rancor, que nos fixava como presas insignificantes.

    Quando abriu a boca, sua voz ecoou dentro de nossas mentes, ressoando como trovões abafados:

    — Aventureiros… ousaram chegar longe demais. E eu… não irei tolerar mais.

    O chão começou a tremer sob o peso da criatura recém-formada, suas duas cabeças erguendo-se com imponência divina, como se nos julgassem. O silêncio pesado que pairava antes da vitória agora se despedaçava, substituído por uma pressão sufocante que esmagava nossos peitos.

    De repente, sem aviso, as duas bocas se abriram em uníssono: uma expeliu uma torrente de chamas incandescentes, a outra cuspiu uma rajada de águas cortantes como lâminas. Os elementos colidiram no ar, fundindo-se em uma explosão de vapor e energia que varreu o andar.

    — Abaixem-se! — Selene rugiu, puxando-me para o chão enquanto a onda de destruição passava acima de nós, arrancando blocos inteiros do teto e pulverizando as paredes.

    O calor queimava a pele, a água cortava como aço. Era um ataque de pura aniquilação, e ainda assim, aquele monstro nos observava como se não tivesse usado nem uma fração de sua força.

    Quando a fumaça se dissipou, seus olhos brilhavam como luas gêmeas em meio ao caos. A voz ecoou novamente, desta vez ainda mais próxima, reverberando em nossos ossos:

    — Vocês não sairão daqui vivos.

    E antes que pudéssemos reagir, a criatura avançou. O avanço da Guardiã foi como o de uma avalanche viva. Seu movimento era tão devastador que rachava o piso, espalhando ondas de choque que quase nos derrubavam. Suas duas cabeças se moveram em perfeita sincronia: enquanto a da esquerda expelia jatos de fogo que derretiam o que vinha pela frente, a da direita cuspia lâminas líquidas que cortavam colunas inteiras como papel.

    — Espalhem-se! — Aqua gritou, ergueu as mãos e uma parede de água se ergueu diante de nós, tentando conter o calor sufocante.

    O vapor resultante da colisão com as chamas nos cegava, transformando a sala em um inferno enevoado. Eu só conseguia ouvir o rugido da fera, o estalar das pedras e os gritos de ordem ecoando no caos.

    Selene não hesitou: suas chamas se acenderam de novo, mesmo com o corpo marcado pelo cansaço. Ela saltou sobre um dos destroços e bradou — Inferno Carmesim! —, liberando uma torrente flamejante que colidiu diretamente contra a cabeça ígnea da Guardiã. O impacto sacudiu o ar, mas a serpente não recuou.

    A outra cabeça retaliou com um golpe repentino, cuspindo uma rajada d’água em forma de espiral. Aqua reagiu rápido, girando os braços em sincronia com o fluxo e transformando a água ofensiva em uma esfera que ela redirecionou para o lado, desviando por pouco.

    O chão tremia sem parar. Era como lutar dentro de uma tempestade coberta pelo fogo.

    — Ela está mais forte que antes… — Cratos murmurou, cerrando os punhos. — Isso… vai ser uma verdadeira dor de cabeça…

    Os aventureiros que ainda se sustentavam de pé se lançaram contra a criatura, suas lâminas, lanças e feitiços rasgando o ar em desespero. Mas logo percebi: nada daquilo fazia diferença. Os golpes que conseguiam alcançar a guardiã ricocheteavam nas escamas escuras, e a Guardiã apenas avançava, indiferente, como se fossem apenas fagulhas tentando incendiar o oceano.

    — Vão para a retaguarda! — Aqua gritou, a voz firme apesar do suor que escorria de seu rosto. — Apoiem à distância! Não quero mais baixas!

    Eles recuaram sem discutir, disparando projéteis mágicos e flechas apenas para aliviar a pressão sobre ela e Selene, que se colocavam sozinhas diante do monstro.

    Foi então que ouvi Sophia me chamar:

    — Ashley! — Sua voz soou urgente, quase afiada.

    Eu me virei, confusa, e a vi apontar para o canto do andar. Segui seu gesto e meu coração afundou.

    Rose…

    Ela estava caída, imóvel, os cabelos desgrenhados colados ao rosto suado. Corri até ela, ignorando o calor sufocante e os estrondos que ecoavam ao fundo. Ajoelhei-me e a puxei para meus braços. Seu corpo estava leve demais, frágil demais.

    — Ela deve ter esgotado todo o poder mágico… — Sophia murmurou atrás de mim, a voz embargada.

    Aproximei meu rosto do dela, procurando algum sinal, qualquer movimento de respiração que me desse certeza de que ainda estava ali. Meus dedos tremeram quando toquei sua pele gelada.

    — Rose… — sussurrei, mas minha voz se perdeu no rugido da serpente.

    Fim do Capítulo 51: Renascida das Cinzas.

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