Índice de Capítulo

    Rose estava em meus braços, seu corpo ainda frágil, como se tivesse sido drenado de toda a energia. Meu coração apertava de preocupação, mas eu tinha a noção de que se a guardiã não fosse derrotada, nenhuma de nós sairia dali.

    Cratos socava o chão com força, rangendo os dentes, sua frustração escancarada. Ele queria lutar, queria estar na linha de frente, mas tinha noção que com sua força apenas não seria capaz de ajudar. Sophia, ofegante, parecia cada vez mais esgotada… suas flechas elétricas cortavam o ar com intervalos cada vez maiores, como se cada disparo lhe custasse um pedaço da alma. Hernán havia conseguido se levantar, mas a amargura em seu olhar mostrava que, apesar de estar de pé, não conseguia ir além de onde estava… passei os olhos sobre outros aventureiros próximos, o semblante era o mesmo em seus rostos.

    Foi então que senti um leve movimento nos meus braços. Olhei para Rose imediatamente. Seus dedos se contraíam, sua respiração acelerava.

    — Rose? — chamei, quase em súplica.

    Seus olhos se abriram de repente. Não eram mais os mesmos — um brilho intenso de roxo ametista atravessava suas íris como se tivesse explodido de dentro para fora. Antes que eu pudesse reagir, seu cabelo começou a mudar diante dos meus olhos, a cor dos olhos se espalhando desde a raiz até as pontas, como fogo que se alastra em palha seca.

    — A outra Rose…? — minha voz falhou.

    Sophia arregalou os olhos e, mesmo exausta, não conseguiu conter o tom surpreso.

    — Isso não é possível… ela… ela pode ser uma…

    — Uma o quê? — Cratos se virou, a incredulidade em sua voz só aumentava o peso do momento.

    Sophia respirou fundo, tentando explicar mesmo com a falta de ar.

    — Pessoas com duas energias diferentes dentro de si… duas cores em um único corpo. É uma condição raríssima. Eu apenas vi uma pessoa com meus próprios olhos até agora… uma dichromaga da academia.

    Hernán apertou o punho, observando com espanto.

    — Isso é… real?

    Rose então se ergueu, como alguém que desperta de um sono profundo e pesado. Seus olhos varreram o ambiente, confusos no início, até pararem sobre mim.

    — O que… o que diabos está acontecendo aqui?

    Ela então olhou para a frente, para a monstruosidade que havia se tornado a guardiã. Seus lábios se curvaram em uma linha tensa, como se a consciência tivesse retornado de imediato.

    — Ah… — murmurou, passando a mão pela testa. — Claro. Entendi.

    Depois olhou para nós, franzindo a testa.

    — Meu corpo está exausto… que droga eu estava fazendo esse tempo todo?

    Eu não tive tempo de responder. O rugido da criatura me trouxe de volta à realidade do campo de batalha. Selene e Aqua estavam em pé diante dela, lutando com tudo que tinham. A serpente deformada desferiu um golpe com sua cauda negra, mas Selene foi rápida, cortando o ar em um arco carmesim, sua lâmina faiscando com energia flamejante. O impacto rachou o chão e ainda assim ela resistiu, com os dentes cerrados em pura determinação.

    Aqua, mesmo visivelmente exausta, canalizou sua magia em um jato concentrado de água azul-celeste que atingiu o flanco da guardiã, arrancando-lhe um grunhido gutural. A criatura avançou em fúria, sua mandíbula se abriu para engolir Selene em um único movimento, mas Aqua ergueu uma parede líquida que se solidificou como vidro no último instante, desviando o ataque por pouco.

    Selene aproveitou a brecha e se lançou para cima, sua espada envolta em chamas como um sol em miniatura. O corte atravessou parte da escama negra da serpente, mas o monstro apenas se contorceu e rugiu, como se a dor só o tornasse mais feroz.

    Eu só conseguia observar, o coração martelando no peito, sentindo que cada segundo era um fio que nos separava da vitória ou da ruína.

    Rose deu alguns passos firmes em direção à guardiã, cada estalo de sua bota contra o piso encharcado ecoando no andar. Então ela se virou para trás, os olhos agora cintilando em ametista, e falou com desdém:

    — Que droga vocês estão fazendo aí parados?

    Hernán, ainda um pouco trêmulo, força a voz:

    — Estamos tentando ajudar da retaguarda…

    Mas Rose o corta sem um pingo de paciência:

    — Isso que vocês estão fazendo é apenas uma encenação. Vocês deveriam parar de desperdiçar energia mágica com ataques inúteis só para fingirem que estão contribuindo com alguma coisa.

    Sophia arregalou os olhos, ofendida com a dureza das palavras:

    — Estamos todos fazendo o melhor que podemos!…

    Rose nem permite que ela termine.

    — O melhor que podem? Gastar forças em ataques que não fazem nada contra essa coisa? Isso é o que vocês chamam de melhor?

    Minha voz escapa antes que eu perceba, tomada por uma mistura de angústia e raiva.

    — Rose, você não deveria tratar seus aliados desse jeito!

    Ela me olha de canto com um certo brilho frio em seus olhos roxos me atravessando.

    — Eu só considero aliados aqueles capazes de dar tudo de si quando necessário. — Então se vira totalmente para mim, e completa com um tom seco, mas estranho, como se tivesse uma ponta de sinceridade ali. — Não leve a mal, Ashley… mas você não está parecendo nada com o que me prometeram.

    Meu coração apertou. Entre todos aqui, sou eu quem menos conseguiu ajudar na batalha. Essa sensação me corroeu, me fez tremer. Antes que eu pudesse responder, Rose continou, implacável:

    — Você disse que queria se tornar forte… mas agora, não parece nada forte agindo assim.

    As palavras me atingiram como facas.

    Cratos, até então calado, deu um passo à frente e interveio, a voz grave ecoou pelo andar.

    — Concordo com algumas coisas que disse, mas se você fala tanto, então mostre como se faz, ao invés de apenas despejar absurdos em um momento como esse.

    Rose parou por um instante, encarou Cratos e então deu mais alguns passos, sua presença ficava cada vez mais imponente.

    — Em uma luta real, colocamos nossas vidas em jogo. — sua voz ressoou com um peso quase sobrenatural. — Por isso devemos jogar com tudo que temos, até não sobrar nada. É quando não sobra nada que podemos morrer em paz, sabendo que lutamos por aquilo que importa. Não temam a morte… temam sobreviver sem lutar por aquilo que é importante para vocês.

    Ela se ajoelhou e, com um olhar intenso disse:

    — A morte não me assusta… Prefiro antes estar morta do que inútil.

    No mesmo instante, ela bateu a palma da mão contra o piso molhado. Um clarão ametista explodiu ao redor, nos forçando a semicerrar os olhos. O chão tremeu, raízes grossas e cobertas de espinhos começaram a brotar em uma velocidade assustadora. Selene e Aqua perceberam a movimentação e saltaram para os lados, enquanto a guardiã estava com suas cabeças ainda fixadas nas duas, não notou a ameaça vindo de baixo.

    As raízes disparam como serpentes vivas, envolvendo o corpo colossal da criatura. Em segundos, a guardiã foi envolta, apertada, presa. Ela foi forçada a soltar um rugido ensurdecedor que reverberou pelas paredes do andar. Dos espinhos, gotas roxas escorreram e pingaram no chão, borbulhando como veneno corrosivo.

    Aproveitando a abertura, Selene investiu pela esquerda, sua lâmina flamejante cortando o ar em um arco incandescente, atingiu o crânio de uma das cabeças. Do outro lado, Aqua canalizou sua energia, jorrando uma lâmina d’água azulada que corta violentamente em direção a segunda cabeça.

    Eu mal conseguia respirar diante da cena. Rose, agora tomada pela aura roxa, pareceu outra pessoa — ou talvez fosse apenas quem sempre esteve escondida dentro dela… Rose continuou, cada palavra sua soava como uma sentença que ninguém ousava questionar.

    ― Guardem energia mágica. Analisem o oponente. Analisem o terreno. Se forem fazer algo, que seja decisivo, algo que minimamente cause alguma mudança no ritmo da batalha. ― Sua voz ecoava firme, como se tivesse tomado para si a autoridade daquele campo de guerra. ― Isso… é realmente o melhor que vocês têm?

    Não foi só o grupo de Hernán que escutou. Aquelas palavras, carregadas de uma frieza cortante, atravessaram o caos daquele momento e alcançaram outros aventureiros que se encontravam próximos. Mas, de forma estranha, quase sobrenatural, ninguém se revoltou com o tom duro. Ninguém se indignou com a arrogância. Ao contrário… algo pareceu ter acendido dentro deles. Era como se Rose tivesse enfiado a mão no peito de cada um e acendido uma centelha de coragem já esquecida. Alguns começaram a abaixar as armas, não em rendição, mas para guardar energia. Outros se voltaram uns para os outros, cochichando rapidamente, organizando planos, elaborando movimentos coordenados. Pela primeira vez desde o início do confronto, não havia desespero nos olhos deles… havia algo diferente, talvez uma determinação inabalável.

    Eu mesma fiquei em silêncio, sem saber se me sentia humilhada, inspirada ou as duas coisas ao mesmo tempo. Naquele instante Rose parecia brilhar em meio ao caos, como se tivesse sido feita exatamente para aquele momento.

    Enquanto isso, a batalha seguia com uma nova dinâmica. As raízes espinhosas que envolviam a guardiã apertavam cada vez mais, envenenando a guardiã com um veneno que começava a afetá-la pouco a pouco. Os movimentos da serpente estavam limitados, lentos, e isso deu a Selene e Aqua uma abertura preciosa. Selene deslizou para o flanco, sua lâmina riscando um arco brilhante de luz carmesim que rasgou uma das escamas grossas da cabeça que cuspia jatos d’agua. Aqua, com seus olhos gelados de determinação, concentrou toda a água ao redor em um único jato cortante, disparando contra a cabeça envolta em chamas, fazendo-a guinchar em dor.

    O som ecoou por toda a torre, um rugido que fez o ar tremer e o piso vibrar sob nossos pés. A guardiã parecia acuada, vulnerável… mas não derrotada.

    Eu podia sentir o peso daquele instante, o coração batendo forte no meu peito. O ar ficou pesado, sufocante, como se uma tempestade estivesse prestes a se soltar dentro da torre. A serpente, mesmo presa, começou a mover seus olhos brilhantes em todas as direções, um brilho estranho e ameaçador tomando conta deles.

    E então, naquele instante, percebi: as duas cabeças da guardiã não olhavam mais para Selene ou Aqua. Elas estavam mirando… todas nós.

    Fim do Capítulo 52: Tudo ou Nada.

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