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    A serpente ergueu uma de suas cabeças e seus olhos percorreram os aventureiros na retaguarda até parar em Rose. Foi só então que ela percebeu a origem das raízes que a prendiam. O olhar da criatura mudou, furioso, e em seguida uma esfera de fogo incandescente tomou forma em sua boca, enquanto correntes de água surgiram das escamas da outra cabeça e se lançaram contra Rose.

    Meu coração disparou. Ela não teria tempo de reagir… mas duas figuras saltaram à frente, interceptando o ataque. Cratos ergueu o machado em chamas e, com um golpe violento, partiu a bola de fogo em duas, dissipando-a no ar como brasas levadas pelo vento. Hernán moveu-se com velocidade quase impossível para sua condição, sua espada brilhando em tons esverdeados ao cortar as correntes de água em apenas dois movimentos precisos.

    — Já parecem melhores do que alguns momentos atrás… — Rose deixou escapar um pequeno riso.

    Ao ver a cena Selene arqueou uma sobrancelha, Aqua manteve o tom firme e os olhos afiados a medida que dizia:

    — Fizeram um bom trabalho interceptando o ataque… mas deveriam ter mais cuidado á partir de agora, ela tem mais alcance do que antes.

    Ao nosso redor, os aventureiros tentavam montar algum tipo de estratégia, mas estavam claramente perdidos no ritmo daquela batalha. Meu olhar parou em Sophia, que encarava a própria palma da mão, agora sem a luva, como se buscasse uma resposta que só ela pudesse ver.

    O rugido da guardiã ecoou e, num estalo as raízes se despedaçaram sob o impacto de suas investidas. Rose arregalou os olhos.

    — Não tão fácil assim! — gritou, estendendo a mão em direção ao chão novamente.

    Um brilho ametista irrompeu de seu corpo, mas desapareceu quase no mesmo instante. Ela insistiu, forçando-se de novo, e o mesmo aconteceu: luz e escuridão, um lampejo e o nada. Confusa, Rose se virou para mim.

    — O que eu estava fazendo antes? — Disse impaciente.

    — Você ajudou os aventureiros — respondi, quase sem pensar — curou vários deles. Salvou suas vidas.

    Ela suspirou com amargura, a voz carregada de desdém.

    — Aaah… então foi isso. Ela gastou toda a nossa energia curando os mais inúteis de todos. Que sorte a minha.

    Senti o peito apertar diante de suas palavras, mas antes que pudesse responder, a serpente ergueu a cabeça e um rugido ensurdecedor tomou o espaço. Suas feridas começaram a se fechar diante dos nossos olhos. Todos ao redor ficaram chocados, a indignação saltando de seus rostos a medida que Rose cerrou os punhos.

    — O veneno nas raízes retarda qualquer tipo de regeneração… mas agora… — sua voz falhou por um instante — agora não tenho energia suficiente para manter uma oponente desse tamanho presa.

    Um estalo seco ecoou em meio ao barulho da luta, seguido de um grito de dor. Meu corpo se virou instintivamente e encontrei Sophia ajoelhada, a luva caída ao lado, a mão nua tremendo enquanto uma esfera de eletricidade crepitava em sua palma.

    — Você enlouqueceu?! — Cratos correu até ela, os olhos arregalados. — O que pensa que está fazendo?!

    — Vai fritar sua própria mão! — Hernán completou, tentando se aproximar, mas parando diante da descarga que escapava em estalos da esfera.

    Sophia ergueu o rosto para eles. O suor descia pela testa, mas seu olhar queimava em determinação.

    — Dessa vez eu vou conseguir. — cerrou os dentes, a voz vibrando com obstinação. — Eu tenho que conseguir.

    E então, sem hesitar fechou novamente os dedos ao redor da esfera elétrica. O chiado do poder queimando sua pele me fez estremecer.

    Foi só então que entendi. O que ela estava tentando fazer… ela estava tentando replicar o que aconteceu comigo na batalha contra o guardião do quinto andar, quando a energia elétrica consumiu meu corpo.

    Minha boca se abriu, pronta para alertá-la, para impedi-la de se ferir daquela forma. Mas quando vi seus olhos… aquele brilho decidido, inquebrável, me calei. Não havia espaço para dúvidas ali, nem para conselhos. Ninguém ousou dizer uma palavra.

    Enquanto Sophia lutava contra si mesma e aquela esfera instável de eletricidade, percebi que os outros aventureiros não estavam mais apenas observando. Um rugido ecoou e, de repente, flechas imbuídas começaram a cortar o ar, algumas flamejantes, outras envoltas em gelo, se chocando contra o corpo colossal da Guardiã. Elas não a feriam de verdade, mas a distraíam, forçando-a a mover o olhar e os ataques em múltiplas direções.

    Um grupo de aventureiros enfileirados levantou as mãos, entoando palavras em uníssono. Correntes de água surgiram, erguendo-se em redemoinhos que prendiam a cauda da serpente por instantes preciosos. Um guerreiro enorme, com a armadura já em pedaços, avançou sozinho apenas para fincar a espada no chão, criando uma muralha de pedras que serviu de cobertura quando a Guardiã disparou outra rajada flamejante.

    Atrás de nós, ouvi dois aventureiros canalizando sua energia. Dois chromagos da terra, unindo forças para curar Selene e Aqua. A aura esverdeada se espalhou pelo corpo delas, e pude ver seus olhos recuperando a nitidez, a respiração voltando mais firme. Selene ainda parecia cansada, mas forçou um sorriso, como se quisesse dizer que aquilo era suficiente para continuar.

    Mais ao fundo, aventureiros menores em poder não fugiam nem se escondiam, Gigi criava rochas encantadas que eram atiradas pelos outros, algumas estouravam em flashes de luz, outras em pequenas explosões de energia. Alguns aventureiros erguendo barreiras de energia para conter os ataques da guardiã. Cada um fazia o que podia, não importava quão pequeno fosse.

    A coragem deles se entrelaçava à força da linha de frente, a guardiã estava cada vez mais encurralada a medida que todos os aventureiros se moviam para ao menos deter seus movimentos. Selene e Aqua a pressionavam cada vez mais, mas sua regeneração era implacável.

    — Droga! Ela está se reuperando novamente… essa coisa é muito pior do que eu imaginava — arfou Selene.

    — Selene… não sei por quanto tempo eu vou conseguir aguentar… — A expressão de Aqua era clara… estavamos ficando sem tempo.

    A Guardiã ergueu a cabeça, a fúria refletida em seus olhos como brasas vivas, num só instante ela abriu a mandíbula, cuspindo bolas de fogo em todas as direções. O andar se iluminou em laranja incandescente. Os aventureiros gritavam, alguns erguendo escudos e barreiras de energia as pressas, outros se jogando no chão para escapar da destruição que se espalhava em ondas. O som das explosões reverberava nas paredes da torre, como se o próprio lugar estivesse desmoronando.

    Entre aquele caos, uma esfera flamejante maior que todas as outras veio girando como um sol em queda, mirando diretamente Sophia. Ela ainda mantinha a esfera de eletricidade entre as mãos nuas, os braços trêmulos, os olhos cerrados de dor e determinação. Cratos foi o primeiro a se mover, saltando à frente com o machado erguido, cortando o ar incandescente. Hernán se posicionou ao lado dele, rugindo ao se lançar com sua espada, interceptando as labaredas que se espalhavam ao redor. Nenhum dos dois recuou um passo sequer.

    Do outro lado, Rose andava de um lado para o outro, com os olhos frenéticos.

    — Pensando, estou pensando! Só preciso de uma saída, maldição! — resmungava alto, como se quisesse convencer a si mesma de que o plano surgiria a tempo.

    Foi então que Selene e Aqua, ainda com o corpo ferido mas com o vigor renovado pela energia dos aventureiros, avançaram. Selene cortou o ar em um único golpe, seu fio carmesim atravessando as escamas da Guardiã, arrancando algumas em meio a um jorro de energia. A serpente uivou em dor, um som tão profundo que fez o chão estremecer, mas antes que pudessem se reposicionar ela revidou com um movimento repentínuo de cauda.

    O impacto foi brutal. Selene se esquivou por pouco, mas a cauda varreu o ar e atingiu Aqua em cheio, lançando-a contra a parede. O baque ecoou como uma martelada. Ela deslizou para o chão, imóvel, desacordada.

    — NÃO! — o grito de Selene cortou o caos.

    Ela correu para alcançar Aqua, mas a serpente bloqueou seu caminho, movendo a cauda como uma muralha viva, impedindo qualquer aproximação.

    — SAIA DO CAMINHO! — Selene rugiu.

    A guardiã começou novamente uma onda de ataques que impedia Selene de se aproximar com liberdade, mesmo Selene sendo ágil, agora que estava sozinha não conseguir avançar contra a serpente de duas cabeças. Rose parou de andar por um instante, olhando a cena, a voz embargada entre o desespero e a lucidez.

    — Se não matarmos essa coisa logo… todos vamos cair aqui. Precisamos dar um jeito!

    Foi nesse momento em que eu não apenas ouvi, como senti o som de eletricidade pulsando. Um estalo seco reverberou no ar, seguido de uma vibração que arrepiou minha pele como se o próprio espaço tivesse estremecendo. Me virei lentamente, atraída por aquela força estranha, o coração acelerando em uníssono com o ritmo pulsante que reverberava.

    — Sophia?!

    Fim do Capítulo 53: O Sussurro do Relâmpago.

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