Capítulo 6: O Jardim das Despedidas.
A alvorada chegou silenciosa, trazendo uma luz suave que tingia de dourado as pequenas frestas nas paredes. O som da chuva, que antes trazia conforto, agora parecia distante, como uma lembrança de um passado que se despedia. Eu estava deitada, com o cobertor puxado até o peito, mas uma sensação de inquietude tomava conta de mim. O dia que eu temia, mas também ansiava, estava finalmente diante de mim.
“Ir além dos muros…” repeti para mim mesma, sentindo o peso das palavras. Nunca imaginara que sair da cidade fosse se tornar uma possibilidade tão real. Quando pensei em viagem, sempre me vi apenas nas páginas dos livros, vivendo histórias que não eram minhas, mas que agora, de algum modo, estavam se entrelaçando com o meu destino.
Ouvi um leve toque na porta e a figura de Selene entrou, com o olhar firme e a postura de quem sabia exatamente o que esperar, ou pelo menos o que queria que acontecesse.
— Está pronta para o que vem a seguir? — perguntou, sua voz tranquila, mas carregada de uma energia que parecia invadir o ambiente.
— Ainda estou processando todas as coisas que aconteceram… certamente, o destino pode trazer surpresas inimagináveis… ah, desculpe meu devaneio, logo estarei pronta! — respondi, tentando soar confiante, mesmo que uma leve insegurança ainda estivesse presente na minha voz.
Selene inclinou a cabeça e, por um instante, pareceu mergulhar em pensamentos, seus olhos seguindo uma linha invisível até o teto. Então, ela soltou uma risada suave, quase como se tivesse decifrado um segredo.
Caminhou até mim e pousou a mão em meu ombro, firme, mas gentil.
— Você realmente é uma pessoa interessante — disse ela, com um sorriso que transbordava algo entre admiração e divertimento. — É normal sentir desconforto ao deixar a segurança de casa pela primeira vez. Na verdade, esse sentimento pode voltar várias vezes durante nossa jornada. Mas sabe o que isso significa? Que, mesmo inconscientemente, você tem algo… ou alguém para quem vale a pena retornar.
Suas palavras me atingiram como o vendaval que antecede uma tempestade. O calor subiu ao meu rosto, e antes que pudesse evitar, escondi parte dele com o cobertor, tentando disfarçar a vergonha. “Alguém que vale a pena retornar”, pensei. As imagens de Sienna e de outros poucos rostos queridos surgiram vívidas na minha mente.
— Selene… Pensando melhor, eu… eu preciso fazer algumas coisas antes de partirmos. Isso se não houver problema, claro.
— Lição número um sobre se aventurar: nunca parta sem antes se despedir adequadamente das pessoas que têm espaço no seu coração. — A expressão de Selene era séria, mas em seus olhos havia um brilho de satisfação. — Ainda há muito que você precisa aprender: habilidades de sobrevivência, combate, estratégia…, mas há algo que sempre será essencial, não importa quão longe você vá: suas conexões.
Ela deu um passo para trás, gesticulando como se desse espaço para minha decisão.
— Mas para sua sorte — continuou, com um sorriso confiante brincando em seus lábios — a irmãzona aqui vai estar com você. Não prometo que será fácil, mas garanto que você terá a melhor mentora que poderia encontrar.
As palavras de Selene ecoaram em minha mente enquanto eu me levantava e começava a me preparar. Não havia muito o que levar, apenas algumas peças de roupa e um colar com um pingente de meia lua prateado que minha avó havia me dado anos atrás. Ainda assim, parecia um peso enorme, como se a decisão de partir fosse mais pesada do que qualquer bagagem.
Caminhei até o pequeno jardim atrás da casa, onde Sienna estava agachada, aparando algumas ervas. Sua expressão serena mudou para algo mais sombrio ao me ver aproximar.
— Vai mesmo partir, não é? — perguntou, sem se virar completamente.
— Vou. Mas não quero ir sem me despedir. — Minha voz quase falhou, mas mantive o tom firme.
Sienna levantou-se, limpando as mãos na saia, e se virou para mim.
— Estou orgulhosa de você, Ashley. Essa não é uma escolha fácil, mas as decisões certas nunca são fáceis. — Ela deu um passo à frente, me envolvendo em um abraço apertado.
O cheiro de ervas frescas e terra molhada me cercava, como um lembrete de tudo o que eu estava deixando para trás.
— Eu sou muito grata por tudo o que a senhora fez até agora. Espero poder retribuir de alguma forma, algum dia.
— Não se preocupe, Ashley. Tudo o que fiz foi por consideração a vocês duas — respondeu Sienna com um sorriso gentil. — Mas, se quiser me retribuir, pode voltar com segurança e compartilhar comigo histórias das suas aventuras. E, claro, vou recebê-la com pães de maçã quentinhos.
—Pães de maçã…
“A padaria!” O pensamento me atingiu como um raio. A padaria havia sido destruída no ataque. Como a tia Sienna iria se sustentar agora?
Quase que instintivamente, enfiei a mão no bolso, como se algo ali pudesse me dar uma resposta. Para minha surpresa, meus dedos encontraram uma pequena peça de metal fria. Ao retirá-la e observar, meu coração deu um salto: a moeda de ouro vermelho!
— Ashley? O que você tem aí? — perguntou Sienna, percebendo minha expressão surpresa.
Estendi a moeda para ela, o metal brilhando sob a luz.
— Ouro vermelho… — Sienna sussurrou, quase reverente. Seus olhos analisaram a peça com um misto de nostalgia e admiração. — Faz anos desde a última vez que vi uma moeda assim. Mas… onde você conseguiu isso?
— Foi o pagamento pelos pães que entreguei — expliquei, ainda surpresa por ter esquecido algo tão valioso. — No meio de toda a confusão, nem me lembrei dela. Mas aqui está, tia. Se o ouro vermelho vale tanto quanto dizem os livros, acredito que a senhora pode reconstruir a padaria.
Sienna olhou para mim com os olhos marejados, mas hesitou.
— Ashley, eu não posso aceitar algo tão precioso. Como Selene pôde pagar os pães com uma moeda de ouro vermelho? Ela… — Sienna parou, como se ponderasse algo. — Talvez ela tenha tido seus motivos. Mas você deveria usar isso para sua viagem.
— Não, eu quero que a senhora use. Reconstrua a padaria. E, algum dia, quando eu e Selene retornarmos, quero comer pães de maçã feitos por suas mãos novamente.
Sienna riu baixinho, balançando a cabeça.
— Parece que não vou conseguir vencer você, não é? Está bem. Aceito reconstruir a padaria, mas com o que sobrar dessa moeda, ajudarei os outros comerciantes do mercado a recuperarem seus negócios.
— Mas com uma única moeda isso é possível? — perguntei, surpresa.
— Não é apenas o ouro vermelho que a torna valiosa, Ashley — explicou ela, apontando para o entalhe na moeda. — Veja este brasão aqui: os três dragões da casa Emberfell. Essa moeda não é uma simples moeda de ouro. É um símbolo de influência e poder. Quem a possui pode abrir portas que o ouro comum jamais abriria. —Pensando melhor Ashley não sei se posso usar algo com tamanho valor.
— Mas essa aí sempre foi sua. Pode usar como bem entender assim que a trocar por seu valor em ouro comum. — interviu Selene. — Procurei você por todas as partes naquela época, mas você deixou tudo para trás. Quando finalmente te encontrei não tinha certeza se era você ou apenas alguém semelhante. Pensei que pagar os pães com essa moeda poderia me trazer uma confirmação, mas as coisas aconteceram de uma maneira totalmente inesperada.
— Selene… — murmurei, olhando de uma para a outra, sem saber ao certo como processar aquilo.
— Eu queria ter dito algo, mas… — Selene desviou o olhar, um raro toque de vulnerabilidade em sua voz. — Eu já havia procurado por tanto tempo que tive medo de estar enganada novamente.
— Naquela época eu fiz o que achei que era certo. Não me arrependo de ter deixado a casa, mas confesso que, às vezes, me pergunto o que poderia ter sido diferente se tivesse ficado.
— Talvez nada — retrucou Selene, agora mais firme. — Ou talvez tudo. Mas isso não importa agora. O que importa é que, apesar de todas as escolhas que fizemos, estamos aqui.
O silêncio se instalou por um momento, carregado de emoções não ditas.
— Tia Sienna — falei, quebrando o silêncio. — Eu sei que essa moeda carrega memórias e significados profundos, mas também acredito que ela pode trazer um novo começo. Reconstruir a padaria pode não apagar o passado, mas pode ser uma forma de transformar o que ficou para trás em algo melhor.
— Ashley está certa — Selene completou, cruzando os braços e exibindo um meio sorriso. — A moeda não é só uma lembrança; é uma oportunidade.
Sienna segurou a moeda por um instante, como se pesasse não apenas em ouro, mas em história e significado.
— Vocês têm razão — disse finalmente, com um pequeno sorriso. — Talvez seja hora de parar de pensar no que foi e focar no que pode ser. Se essa moeda pode ajudar a trazer um pouco de esperança para o mercado e reconstruir a padaria, então que assim seja.
— Isso significa que teremos pães de maçã quando voltarmos? — brinquei, tentando aliviar a tensão.
— Com toda certeza — respondeu Sienna, agora com um sorriso mais caloroso. — E prometo que serão os melhores pães que já fiz.
Selene e eu trocamos um olhar, e naquele momento, senti que havia algo de especial na jornada que estávamos prestes a começar. Havia um peso nos ombros de cada uma de nós, mas também uma força que parecia nos unir de formas inesperadas.
E, no fundo, sabia que estava prestes a descobrir muito mais sobre elas… e sobre mim mesma.
— Então Ashley, já está pronta? — Indagou Selene.
Antes que eu pudesse responder, o som de alguém batendo na porta da frente ecoou pela casa. Fui até a entrada e, ao abri-la, um rosto familiar apareceu diante de mim.
— Ashley, você está bem?! — exclamou uma voz cheia de preocupação.
Era Daniel, o jovem filho do ferreiro da cidade e um dos poucos amigos que ainda me restavam. Atrás dele, notei outra figura familiar: Alice, minha querida amiga.
— Daniel! Alice! O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei, surpresa e aliviada ao mesmo tempo.
— Depois do ataque, ficamos preocupados com você — respondeu Daniel, respirando fundo como se tivesse corrido até aqui. — Quando soubemos que a padaria havia sido destruída, viemos para ter certeza de que estava tudo bem.
Alice deu um passo à frente, os olhos brilhando de alívio, mas também de tristeza.
— Ashley, eu… fiquei tão preocupada. Pensei que talvez nunca mais… — Ela parou, a voz falhando, e me abraçou com força.
Retribuí o abraço, sentindo a onda de emoções que ambos traziam consigo.
— Eu estou bem, graças à Selene e à tia Sienna. Elas cuidaram de mim. — Fiz uma pausa, observando os rostos preocupados deles. — Mas… tenho algo a dizer para vocês, eu vou partir hoje.
Daniel e Alice trocaram um olhar surpreso.
— Partir? Para onde? — perguntou ele, a voz carregada de inquietação.
— Não sei exatamente onde essa jornada vai me levar, mas há algo que preciso entender, algo que preciso buscar. — Olhei para Selene, que agora estava encostada na porta, observando a cena com uma expressão tranquila. — Mas eu não irei sozinha.
— Isso é perigoso, Ashley — protestou Alice, a voz carregada de preocupação. — Depois de tudo o que aconteceu, por que não pode ficar aqui com a gente?
— Eu gostaria, Alice, mas… — Hesitei, buscando as palavras certas. — Há algo dentro de mim que mudou. Não sei explicar, mas sinto que ficar seria negar algo importante.
Daniel cruzou os braços, com uma expressão indecifrável.
— Se você acha que deve ir, então vá — disse ele, finalmente. — Mas saiba que estaremos aqui para você, não importa o que aconteça.
Alice olhou para ele, incrédula.
— Como pode dizer isso tão facilmente? E se algo acontecer a ela?
— Porque eu confio na Ashley — respondeu Daniel, com firmeza. — E acredito que ela sabe o que está fazendo, mesmo que seja assustador.
Ver a preocupação estampada nos rostos de Alice e Daniel me fez, por um instante, questionar minha partida. Despedir-se nunca é fácil, mas a decisão já estava tomada. Eu não podia deixar essa chance escapar.
— Alice, Daniel, obrigada por terem estado ao meu lado nos momentos mais difíceis. — Forcei um sorriso que tentava mascarar a emoção em minha voz. — Espero que possamos nos reencontrar no futuro.
— É uma promessa! — afirmaram em uníssono.
— Assim que nos formarmos na escola de magia, também partiremos em uma grande aventura! — disse Daniel, exibindo um ar confiante e cruzando os braços.
— Nós? — indagou Alice, arqueando uma sobrancelha em surpresa. — Eu ainda tenho um longo caminho pela frente, Daniel. Não sei se apressar as coisas é uma boa ideia.
Alice era diferente. Quando ela coresceu, a cor que manifestou foi violeta… algo raro, mas também misterioso. No entanto, mesmo com a manifestação, ela nunca conseguiu acessar sua energia como os outros. Era algo que a intrigava e, talvez, a inquietava.
— Relaxa, Alice! Você vai descobrir qual é o seu poder no momento certo. E, enquanto isso, pode contar comigo: o capitão autoproclamado do Esquadrão Lagartixa! — declarou Daniel, batendo no peito com exagero cômico. — Ah, e com a Tokinha também.
De dentro da manga do manto de Daniel, uma pequena lagartixa azul com manchas mais escuras emergiu, movendo-se lentamente para sua mão.
— Nossa, como a Tokinha cresceu! — exclamei, me inclinando para observar o pequeno animal.
Selene, que até então observava de longe, se aproximou, curiosa.
— Essa lagartixa não parece comum… — murmurou, analisando-a com atenção. — Talvez seu amigo aqui tenha uma afinidade com espíritos da água.
— Espírito da água?! A Tokinha? — Daniel olhou para Selene com os olhos arregalados, completamente surpreso.
— Parece que vocês ainda são muito jovens para notar o potencial que carregam — disse Selene, com um leve sorriso no rosto.
Então, Selene virou sua atenção para Alice, analisando-a de uma forma intensa e quase desconcertante. Alice pareceu hesitar sob o olhar dela, mas não se moveu.
— Garotinha, você é muito mais poderosa do que imagina. Mas algo, talvez inconscientemente, está bloqueando seu poder. — Selene virou-se para mim, agora com uma expressão séria. — Ashley, lembra do que fez no dia em que nos conhecemos? Concentre sua atenção nesta garota aqui.
Sem entender completamente o que Selene queria, apenas assenti. Respirei fundo e foquei minha concentração em Alice. Aos poucos, algo começou a surgir diante de meus olhos: uma esfera de luz violeta, brilhante e vibrante, mas envolta por correntes metálicas que a prendiam como uma prisão.
— Eu consigo ver! — exclamei. — Há uma esfera de luz violeta…, mas está presa por correntes.
— Então a aura dela é em formato de esfera? Fascinante. — Selene voltou-se para mim com um olhar satisfeito. — Realmente, você possui algo especial, Ashley.
Ela então se virou para Alice, que parecia assustada com o que acabara de ouvir.
— Você está passando por um bloqueio, minha jovem. Algo está prendendo seu poder, mas apenas você pode libertá-lo. Não sei o que causou isso, mas… confie em si mesma. Essa força está aí, esperando por você.
Alice abaixou a cabeça, os olhos fixos no chão. Era visível que aquelas palavras a impactaram, mas também a fizeram refletir. Daniel colocou a mão no ombro dela, dando um sorriso encorajador.
— Viu só, Alice? Você é incrível, só precisa acreditar. E, enquanto isso, eu e a Tokinha estaremos do seu lado.
Selene olhou para nós com algo entre orgulho e expectativa, como se estivesse vendo o início de algo maior.
— Bem, Ashley, já nos demoramos o suficiente. Está pronta para ir?
— Só tem mais um lugar que preciso ir.
Antes de sair de casa, Daniel me parou, segurando algo em suas mãos. Ele me entregou um bracelete feito à mão, simples, mas de design elegante. Ao olhar melhor, notei que tanto ele quanto Alice usavam braceletes parecidos.
— Pedi ao meu pai para fazer esses. Ele disse que têm algum tipo de propriedade especial, mas, honestamente, não sei como funcionam.
Segurei o bracelete com cuidado, sentindo a leveza do material, mas ao mesmo tempo percebendo sua firmeza.
— O Ikaro fez isso para mim? Não sei nem como agradecer…, diga a ele que…
— Ikaro, o ferreiro de papel? — Selene interrompeu, surpresa. — É verdade que tudo que ele fabrica, apesar de ser incrivelmente resistente, é extremamente leve?
Daniel riu, coçando a cabeça.
— Ah, vejo que a fama do meu pai ainda está viva. — Ele sorriu orgulhoso. — Vou repassar os elogios a ele.
Eu sorri, emocionada, e agradeci profundamente antes de me despedir de Daniel e Alice. Aquela troca final foi um lembrete de que, mesmo com a partida, as conexões que criei continuariam a me acompanhar.
Minha última parada nos levou a um lugar mais silencioso, quase solene. Selene, ao meu lado, observava o ambiente ao redor com uma expressão intrigada.
— Um cemitério? — perguntou, franzindo levemente a testa. — Há alguém aqui de quem você quer se despedir?
Não respondi imediatamente. Apenas continuei andando pelo caminho estreito entre as lápides até parar diante de um túmulo. O nome gravado na pedra trouxe um misto de dor e conforto: Esther Sylmare, minha avó.
Ajoelhei-me diante do túmulo, deslizando os dedos sobre as letras entalhadas.
— Ela foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. — Murmurei, sem olhar para Selene. — Minha avó me ensinou a importância de ser forte, mesmo quando tudo parecia perdido.
Selene permaneceu em silêncio, dando-me o espaço que eu precisava.
— Sempre me dizia que o mundo lá fora era vasto, perigoso, mas também cheio de maravilhas. — Minha voz tremeu um pouco, e eu respirei fundo para me recompor. — Eu queria que ela estivesse aqui para ver isso. Para me ver saindo da cidade e indo atrás do que ela sempre acreditou que eu era capaz.
Tirei do bolso o colar que recebi dela, segurando-o entre as mãos como um sinal de proximidade. A sensação do metal frio me trouxe uma leveza inesperada, como se, de alguma forma, minha avó ainda estivesse por perto, me observando.
Foi então que ouvi passos se aproximando. Olhei para o lado e vi Sienna, com algumas flores nas mãos, aquelas mesmas que ela havia colhido no jardim. Ela se aproximou silenciosamente e colocou as flores sobre o túmulo com um gesto reverente.
— Eu costumo vir aqui para conversar com ela também — disse, em um tom suave. — Sempre falo sobre como a neta dela cresceu forte, como está se esforçando mesmo sem ela por perto. Não sabia se todo esse trabalho era para se manter ocupada ou se era uma forma de lidar com a saudade. Mas ela estaria orgulhosa de você, Ashley.
Senti os olhos se marejando, a emoção quase me engolindo… tentei impedir a chuva. Lutei contra as lágrimas…, mas elas ainda assim caíram.
— Tia… — murmurei, coma voz embargada.
Sienna olhou para o colar que eu segurava, os olhos dela suavizando com uma lembrança distante.
— Esse colar…, estava com você no dia em que ela te encontrou no meio da noite. Ainda me lembro dela aparecendo na minha casa com aquele bebê nos braços, sem ter a mínima ideia do que fazer. Ela te contou algo?
Fiquei em silêncio por um momento, como se revivêssemos aquele dia.
— Só que me encontrou e não viu mais ninguém. Mas isso nunca me incomodou tanto. Mas as vezes tenho a curiosidade de entender de onde vim e por que me deixaram. — Respondi, com um olhar perdido, tentando entender minhas próprias palavras.
Sienna, com um gesto suave, pegou o colar da minha mão e o colocou ao redor do meu pescoço, ajudando-me com cuidado.
— Um colar de lua — disse ela, com um sorriso ambíguo. — Foi por causa dele que ela pensou no seu nome. Ashley Silvermoon. Quem sabe, com o tempo, ele possa te guiar até suas raízes.
Antes que eu tivesse a chance de responder, Sienna se agachou e, ao levantar-se, segurava algo nas mãos. Ela me entregou uma pequena bolsa de couro.
— Ah, e antes que eu me esqueça, encontrei essa bolsa com algumas moedas entre as ferramentas de jardinagem lá na sua casa. Acho que são as moedas que você estava procurando. Elas podem te ajudar na viagem.
— Quem diria que a senhora realmente acabaria me ajudando a achar as moedas que tinha perdido. — Sorri, deixando escapar um leve riso. Era um alívio raro, um pequeno momento de leveza em meio a tantas emoções.
Respirei fundo. Após todas aquelas despedidas, um peso parecia ter sido retirado de mim. Sabia que, não importa o que viesse pela frente, eu não teria arrependimentos.
Caminhei de volta até onde Selene me esperava, encostada em uma árvore, observando o horizonte como se pudesse enxergar algo além do que qualquer um conseguia. Quando parei ao lado dela, ela olhou para mim com um sorriso discreto.
— E então?
— Selene, estou pronta para partirmos.
Ela assentiu, ajeitando sua capa.
— Então, vamos. Como sua avó te disse, o mundo lá fora é grande e cheio de perigos, mas também de maravilhas. Você vai ver coisas que nem os melhores livros conseguem descrever.
Começamos a caminhar em direção à saída do cemitério. Cada passo parecia mais firme que o anterior, como se minhas raízes se soltassem do chão que me prendia, me impulsionando para o que vinha a seguir.
— Selene, quase esqueci de perguntar… para onde vamos?
Ela sorriu, uma expressão de leveza em seu rosto.
— Para o Reino do Fogo. Tenho algumas pessoas que gostaria de te apresentar.
O Reino do Fogo… A promessa de um novo começo, de segredos e aventuras que mal consigo imaginar. Eu não sabia o que o futuro reservava, mas uma coisa era certa: a verdadeira jornada estava prestes a começar, e eu não poderia estar mais pronta para enfrentá-la.
Fim do Capítulo 6 – O Jardim das Despedidas.
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