05 / Ninguém é intocável (III)
O arpão atravessou apenas um manto vermelho e nada mais. A mão que surgiu do manto interceptou a arma. Era grossa e o resto do corpo a qual pertencia se manifestou a partir da roupa na frente de Sora. Era ele, o vampiro do sobretudo vermelho com o rosto preenchido por seriedade, os olhos brilhando em fúria.
— Sora! Você tem o meu respeito! — Alucard sacou as duas pistolas que pegou do chão e as apontou para o alvo que rapidamente largou o arpão e se afastou. — Agora, eu tomo conta!! — E atirou. Dois raios de energia enegrecida foram disparados, as quais Nero desviou por pouco com saltos.
— Tio! — Sora sorriu, mas ao mesmo tempo, percebeu uma diferença na reação de Nero. Por que ele desviou do golpe de Alucard? Ele poderia só recebê-lo sem problemas graças a intangibilidade.
“Como ele tá aqui?! Não se passaram dez minutos desde que eu o golpeei!”, os pensamentos de Nero sofriam por ter subestimado o vampiro, que agora apontava as armas para a sua cabeça. Em sua face, tinha um sorriso mortal. Mesmo que sorrisse, seus olhos estavam borbulhando de raiva. Nero sabia que agora a situação mudou. Sua missão tinha apenas um objetivo: eliminar a capitã Aisaka Nobléte. Mas para conseguir realizar esse objetivo com êxito havia um obstáculo maior: o seu tenente e marido, Alucard Nobléte. Deveria então fugir agora e voltar sem concluir sua missão? Mas se eu fizer isso, o senhor…
— Garoto Sora, pegue. — Passando rapidamente sua segunda arma para a mesma mão que segurava a primeira, pegou do bolso um pequeno frasco preenchido com sangue e jogou para o menino atrás de si. — Faça Aisaka beber.
— Certo! — Sora pegou meio desajeitado, mas assentiu com a cabeça.
— Acha que eu vou deixar?! — Nero pulou para cima avançando contra o garoto, mas mal começou e recuou. Alucard estava na sua frente, na linha de fogo entre ele e Sora, como se tivesse teleportado. No entanto, quando o caçador virou o olhar, Alucard estava no mesmo lugar de antes. Não eram clones ou teleporte. “Ele já me pegou… Não posso atacá-lo sem qualquer plano. Não tem jeito, vou ter que abortar a missão! Lido com as consequências depois!!”
O caçador se virou e partiu em disparada para o meio da floresta. Era sua velocidade máxima. Sua aceleração era tamanha que acreditava que nem mesmo a dupla de alvos conseguiria alcançá-lo. Mas nunca esteve certo. Quando focou os olhos no seu próprio caminho, lá estava ele, o vampiro vestido de vermelho, com o mesmo olhar de um deus da morte. A feição de Nero se distorceu, arregalando os olhos, suando frio. Nero mudou de direção, seguindo pela esquerda. Ultrapassava qualquer obstáculo em seu caminho, chegando a cobrir mais de cem metros por segundo, então… por que aquele vampiro trajado de vermelho, ainda estava parado na sua frente? Ele mudava de direção, para a esquerda e direita, mas o vampiro sempre estava lá.
“Isso é real ou não?! Não, é só uma ilusão! Não tem como ele ter se movido mais rápido do que eu até aqui. Mesmo que tenha, basta eu atravessá-lo!”, Nero pensou. Intangível, trespassou o corpo de Alucard frente a si, abrindo sorriso, mas não durou muito.
Cinco segundos.
Após essa contagem, um raio de energia sem cor percorreu o ar de forma comprimida e acertou suas costas, atirando-o contra o chão, queimando seu corpo. Nero caiu, rangendo os dentes, grunhindo, agora também sangrando pela parte de trás do seu corpo. Caído, virou a cabeça para trás e enxergou o homem de vermelho se aproximando lentamente com suas armas em mãos. Aquele homem sorria com todos os seus dentes à mostra. Era como outro homem, outra criatura, uma besta que apreciava o sofrimento alheio. Ele percorreu toda a distância um pouco mais atrás de Nero, deixando Sora com Aisaka.
•
Sora cuidava da mulher naquele meio-tempo na medida que era capaz. Ofereceu o frasco de sangue, que ela bebeu com ajuda. A reação da capitã foi como beber água no deserto depois de dias sem qualquer líquido. Lentamente, suas feridas foram se fechando.
— Mas… Isso não era algo só de vampiros? — Sora expressou a dúvida enquanto apertava o frasco já vazio entre os dedos.
— Você parece saber bem pouco sobre as coisas. Vampiros vieram dos demônios. São seres que derivam da minha raça, logo, a maioria das características de um vampiro são, na verdade, pertencentes aos demônios. — Aisaka sorriu um pouco, achando graça da ingenuidade. Ela olhava para ele; aquele garoto que ficava mais animado a cada melhora que ela apresentava.
— Ooh, isso é daora! Você é realmente muito forte, tia! — respondeu ele, assentindo com a cabeça.
— Huh, é claro que eu sou! — Ela estendeu a mão. Por um segundo, hesitou. Por esse mesmo segundo, ela se lembrou do passado. Depois de balançar a cabeça negativamente, levou a mão até a cabeça de Sora e afagou. O garoto foi pego de surpresa, mas não demorou para que soltasse uma risada.
— E quanto ao tio Alucard, melhor eu ir ajudá-lo agora. — Sora levantou apressadamente, batendo em suas roupas. Tinha algumas manchas de sangue, mas nada que o fizesse se importar; já estavam em trapos de qualquer forma.
— Não. Alucard vai vencer. O inimigo tem duas capacidades: sua habilidade de nascença, ou seja, sua intangibilidade e em segundo, seu Mabda. Ao que tudo indica, seu despertar Mabda possibilita a ele tornar intangível tudo o que seu corpo toca, por isso os arpões não foram puxados pela gravidade enquanto estavam nas mãos dele, assim como suas roupas e o compartimento nas costas. — Aisaka disse enquanto colocava a mão sobre o ferimento recém-fechado do ombro.
— Então ele é bem mais forte que você, tia?
— C-claro que não! não se engane, garoto! Pra deixar claro, eu sou bem mais forte que esses dois!! É só que… em termos de compatibilidade, ninguém é melhor contra aquele cara que o meu tenente.
— Por isso mesmo. Eu quero ver como os fortes lutam! — Sora cerrou os punhos.
Aisaka percebeu que nenhuma palavra que diria o faria mudar de ideia, desistiu e suspirou. O garoto então começou a sua corrida na direção em que o vampiro fora momentos antes. A capitã olhou o corpo do menino diminuindo e diminuindo conforme a distância aumentava, focada em suas costas. “Sora… obrigada por não ter sido como eu.” E ela sorriu.
[ • • • ]
O ilusionismo é uma capacidade que pode ser resumida em distorcer a realidade na mente alheia, criando imagens e ações falsas, mas o que o tenente Alucard Nobléte da Divisão Sul de Nikuma é capaz de fazer vai além. Suas ilusões conseguem afetar completamente a percepção de um único indivíduo temporariamente, distorcendo seus cinco sentidos em prol da projeção de uma imagem. Combinado às suas habilidades de vampiro, este homem ficou conhecido como o “Demônio Manipulador”.
— Você não pode fugir. Mesmo que fique intangível, só irei esperar até que o seu tempo acabe. — Alucard estava ao lado do homem-fantasma, este agora deitado no chão com o cano de uma arma apontada para sua cabeça. — Você sabia sobre os poderes de cada um de nós e onde estaríamos. Como?!
O caçador respondeu a ameaça com um sorriso sarcástico.
— Descubram por si mesmos, desgraçados! Nada da Ordem da Verdade vai ser revelado — gritou Nero, ativando sua intangibilidade e saltando no ar, escapando do alcance do vampiro. — Mesmo que eu falhe na minha missão e pereça aqui, a Ordem não irá ceder até que esse país imundo esteja acabado, até que a Terra e a nossa sociedade sejam limpas dessas pestes!!
Para a proteção de Nikuma, era necessário que o criminoso fosse preso e mantido sob custódia, mas não houvesse essa lei, aquele homem já estaria em pedaços antes mesmo de terminar de falar.
O vampiro ouviu a aproximação de alguém. Eram passos apressados e leves, acompanhados de salto. Ele sabia de quem eram, mas não expressou nenhuma reação.
Na mente de Nero, só havia ele mesmo e o vampiro, mas a ilusão escondia a presença de uma pessoa: o garoto de cabelo branco que pulava na direção do caçador. Alucard o escondeu completamente. O vampiro deu dois tiros no fantasma que os ignorou com sua invencibilidade, mas aquilo era apenas para ganhar tempo. Um tempo para um golpe surpresa.
Nada foi comunicado entre os dois, mas Sora sentiu o que tinha que fazer. Era o elemento surpresa, feito cinco segundos depois, aproveitando da arrogância.
— Soco Aurora!! — Sora gritou e um soco de esquerda foi descarregado na região queimada pelo primeiro tiro que o caçador levou anteriormente, jogando-o para o chão. Nero gritou e cuspiu sangue, recebendo em cheio o peso que mais parecia ser de uma moto. Era um soco desprovido de qualquer habilidade especial, sem nenhum poder. Bruto, direto, imprudente, impensado, mas eficaz.
Assim que seu corpo foi ao chão, o caçador se despediu da sua consciência.
— Wow, eu realmente consegui! Desci o cacete nele!! — Sora festejou erguendo os dois braços assim que voltou ao chão.
— Soco…Aurora?
— É, é o nome do meu golpe especial!!
“Mas… foi só um soco comum…”
Coisa de criança, foi o que Alucard pensou. Depois de um suspiro, ele se aproximou e levantou Sora por trás da gola da camisa.
— E-eita…
— Garoto, você conseguiu fazer isso graças a mim. Tem noção de que isso foi pura sorte?
— Foi mesmo, né? Mas eu imaginei que você faria o meu soco funcionar. A tia disse que você é fortão, então era tudo que eu tinha que saber. — Sora respondeu com uma expressão natural.
— Céus… — ele o pôs no chão. — Ingenuidade e ignorância, ambas coisas podem ser uma benção, suponho.
Com Sora junto dele, tinha a certeza de que Aisaka estava bem e apenas recuperando suas energias.
— Só queria ter visto você lutar mais…
“E eu espero que não precise ver”, e foi o que o vampiro pensou, retomando sua feição usual.
Alucard se virou para o invasor desmaiado. Do seu bolso, tirou um talismã de papel. Parecia um ‘ofuda’, mas inteiramente dourado. O talismã, colocado sobre as mãos do derrotado, transformou-se em uma algema.
— Ué, isso vai funcionar com ele?
— Garoto, se nós não fôssemos capazes de prender fantasmas, este país já estaria em ruínas há anos. — Alucard respondeu com naturalidade, usando de um segundo talismã que dessa vez se transformou em uma mordaça que cobria a boca do prisioneiro.
— Ooh, faz sentido! Então você já sabia que o cara era um fantasma?
— Não, longe disso. Enquanto eu reformava meu corpo, contatei reforços pedindo por talismãs de contenção. Nikuma desenvolveu esses instrumentos para lidar com esse tipo de coisa. Foi apenas uma medida preventiva.
— Ooooh! — Sora não pôde deixar de pensar “que daora!!”.
— E quanto a isso… — Alucard jogou o corpo de Nero sobre os próprios ombros. — Eu te agradeço, Sora, por ter aguentado até que eu chegasse.
O garoto não conseguiu ver a expressão do tenente por estar de costas, mas não precisava. Sora respondeu sorrindo, com as bochechas rosadas.
[ • • • ]
— O criminoso acabou de ser transportado para a sede de investigação nacional para ser interrogado, mas a questão principal é que essa não é mais uma situação hipotética como nós pensávamos…. O inimigo sabia sobre mim e sobre o Alucard. Sabia que nós estaríamos ali naquele exato momento. Ele conseguiu separar o Alucard de mim com uma arma anti-vampiro e me vencia em compatibilidade… Com certeza, foi um Caçador escolhido a dedo pela Ordem da Verdade. — Aisaka falava de braços cruzados no meio da sala do trono real, com a rainha observando-a com um olhar mais centrado. O seu olhar era mais sério do que antes mostrado.
— Então admite que foi derrotada? — Maki arqueou a sobrancelha. Aisaka por pouco não caiu na provocação.
— Vou aceitar a derrota… Eu não pude expandir o alcance do meu Mabda por conta do garoto, mas eu estaria morta se não fosse por ele, de qualquer forma.
— Sora, é…? Ele realmente é um doce, como eu imaginei.
— Tsc! Vamos ao assunto sério, Maki. A nossa única vantagem é que os Caçadores costumam agir individualmente. Eles não nos atacam há mais de dez anos, então por que atacar agora?
A rainha rebaixou o olhar. Nenhuma das duas parecia ter uma resposta para isso.
— Querida, tendo em vista a ameaça iminente de mais ataques, você como capitã, acredita ser melhor que nós adiantemos o teste de admissão para a Força de Defesa Sobrenatural? — a rainha repousou a cabeça sobre a mão encostada no braço do trono.
— De forma alguma. As aulas e os treinamentos devem seguir com o mesmo rigor e período. Não vai adiantar nada se a nação for atacada e a nossa força policial for composta por novatos fracos que foram preparados com pressa.
Maki riu baixo ao ouvir a resposta da capitã. Era quase possível ver uma veia saltando na testa de Aisaka.
— Foi a mesma coisa que todos os outros capitães falaram. Com a exceção de que eles não foram tão duros, claro!
Aisaka limpou a garganta para chamar a atenção da rainha de volta para ela.
— Voltando ao ponto, a partir de agora serei ainda mais rigorosa com a segurança e todos os capitães têm que fazer o mesmo. Quero uma investigação nos registros e banco de dados do reino. Precisamos saber como as informações sobre o meu pelotão foram vazadas… E eu também tenho um pedido acompanhado deste relatório.
Maki se mostrou mais curiosa.
Aisaka ajoelhou. De cabeça abaixada, tocou o chão com o punho fechado. A rainha foi tomada por grande surpresa. Em todos os anos de amizade entre elas, foram pouquíssimas as vezes nas quais Aisaka mostrou o devido respeito para com a sua figura de monarca.
— Por intermédio da minha autoridade como capitã, eu, Aisaka Nobléte com apoio do meu tenente Alucard Nobléte, requisito a integração de Sora Akatsuki na Escola Militar de Defesa Sobrenatural por recomendação direta.
Um grande sorriso se abriu, parte alegre, parte malicioso, na face da rainha.
— Você sabe se essa é a vontade do menino?
— Me poupe. Essa sua cara deixa claro que você sabe que ele não é o tipo de garoto que iria recusar isso.
— Huh, integração aceita. Eu mesma irei emitir um documento para a escola. Viu? Não falei que seria um experimento social interessante?
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